Foi um poeta, escritor, tradutor e
professor brasileiro. Fez uma poesia sem compromisso, consagrou-se
com “Catatau”, obra “maldita” marcada por exacerbado
experimentalismo linguístico e narrativo.
Paulo Leminski Filho (1944-1989) nasceu
em Curitiba, Paraná, no dia 24 de agosto de 1944. Filho de Paulo
Leminski, militar de origem polonesa, e Áurea Pereira Mendes, de
descendência africana. Com 12 anos ingressou no Mosteiro de São
Bento, em São Paulo, onde estudou latim, teologia, filosofia e
literatura clássica.
Em 1963, abandonou o Mosteiro, e nesse
mesmo ano foi para Belo Horizonte onde participou da Semana Nacional
de Poesia de Vanguarda, quando conheceu Décio Pignatari, Haroldo de
Campos e Augusto de Campos, criadores da Poesia Concreta. Em 1964,
publica seu primeiro poema na revista “Invenção”, editada pelos
concretistas. Nesse mesmo ano, assume o cargo de professor de
História e Redação em cursinhos pré-vestibulares.
Em 1976, Paulo Leminski publicou seu
primeiro romance “Catatau”, obra “Maldita”, em que o
experimentalismo atinge níveis pouco usuais, classificada pelo autor
como mero romance ideia. Nessa época, trabalha como diretor e
redator de publicidade. Publica seus textos em revistas alternativas,
antológicas do tempo marginal, como “Muda”, “Código” e
“Qorpo Estranho”, segundo ele mesmo, publicações que consagram
grande parte da produção dos anos 70.
Paulo Leminski tornou-se um dos mais
destacados poetas brasileiros da segunda metade do século XX.
Inventou seu próprio jeito de escrever poesias, fazendo trocadilhos
ou brincando com ditados populares: “sorte no jogo / azar no amor /
de que me serve / sorte no amor / se o amor é um jogo / e o jogo não
é meu forte, / meu amor?”.
Leminski era fascinado pela cultura
japonesa e pelo zen-budismo, praticava judô, escreveu a biografia de
Matsuo Bashô, e dentro do território livre da poesia marginal,
escreveu poemas à moda de um grafite, com sabor de haicai. Ele
escreveu também letras de músicas em parcerias com Caetano Veloso,
Itamar Assumpção e o grupo A Cor do Som. Exerceu intensa atividade
como crítico literário e tradutor, vertendo para o português as
obras de James Joyce, Alfred Jarry, Samuel Beckett e Yukio Mishima.
Viveu durante 20 anos com a poetisa Alice Ruiz, que organizou sua
obra.
Faleceu em Curitiba,
Paraná, no dia 7 de junho de 1989.
Poemas de Paulo Leminski
AMOR
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
______________________________________
Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga
ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em
casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa
INCENSO FOSSE MÚSICA
isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
LÁPIDE 1
EPITÁFIO PARA O CORPO
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.
Leite, leitura
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo,tudo,tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura
DOR ELEGANTE
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
RAZÃO DE SER
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece.
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
OBJETO
de meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por quem ardo e não vejo
seja estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza
faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
ou de nós dois
SEJA
_______________________________
Tudo o que eu faço
alguém em mim que eu desprezo
sempre acha o máximo.
BEM NO FUNDO
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
INVERNÁCULO
Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.
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