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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

MEMÓRIA VAGABUNDA


A minha memória é uma vagabunda e eu sou um desvairado sem eira, sentado à sua beira, sulfatando delícias enquanto vai bebendo o meu sangue. 
Está sempre pronta a abusar da minha alucinação. 
Bailámos esta andança nas recordações não devolvidas. 
Estamos cansados de esperar a passagem da nuvem que só viaja em banho-maria. 
Temos o manjar preparado, mas ainda não fomos convidados para o festim, onde só entram estranhos com fatos de gala alugados.
A minha memória é uma vagabunda.  
Está sempre pronta para me trocar por realizadores com outros filmes. 
Mas há cenas em que já não sou bem-vindo.
Tenho fome da sua saudade, 
embora tente fingir que não a sinto.


2016,11aNTÓNIODEmIRANDA

terça-feira, 11 de agosto de 2020

NÓDOA PREDILECTA

 

Porra!

No final desta vida,

o filme morre mesmo a sério.

Foi só um momento a fingir ternura,

um cenário não conseguido

numa gelatinosa apoteose, 

roubando a corda do relógio do tempo que vai cansando. 

A pretensa simplicidade muitas vezes, 

torna-se na nódoa predilecta 

das pessoas sem dias para contar.



















,2020Julho_aNTÓNIODEmIRANDA


segunda-feira, 10 de agosto de 2020

AO DOMINGO OS NAMORADOS... (BARCELOS)

 

Vestiam bonitas camisetas

nas tardes de domingo,

e com a zambrene dobrada no braço,

davam grandes voltas

montados nas suas lambretas.

Era como no cinema da malotinha,

onde miravam os beijos mais atrevidos,

nada parecidos com aqueles

que trocavam às escondidas.

E doidamente amavam Roma,

a cidade que nunca visitaram.

E as possíveis namoradas,

fingindo-se não interessadas,

riam-se umas com as outras

no meio de conversas loucas,

esperando o gelado prometido.

Passavam assim as tardes

daqueles domingos que aproximavam

uma segunda feira nunca apetecida.

Os mergulhos no Cávado,

eram apreciados numa cavaqueira divertida,

abusada por um braço

entornado ao de leve sobre o ombro.

Eram despedidas matreiramente aproveitadas,

até ao chamar da mãe da moçoila...


,2016,08.aNTÓNIODEmIRANDA

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

A MORTE NÃO ACABA AQUI

I

Cuida de mim disse o futuro enlutado no testamento – toma conta de todas as vírgulas – dos choros que escondeste – mesmo dos pecados a fingir – dos abraços falsamente coloridos – das opções hipoteticamente honestas – das orações fraudulentas que falharam o meu adormecer
Tem cuidado com a minha debilidade sentimental - com a inconstância da felicidade engolida em amargos travos de solidão
Cuida de mim - Estou confortavelmente só neste monte vestido de ruídos que acariciam a encruzilhada onde o diabo benzeu a cruz - Abandonei-me neste hangar de pássaros machucados - gritos sem som deitados no cobertor da minha angústia - Treme tudo nesta voz - gotas de frio nojento aconchegados na bandeja - A serena manhã espera por mim - 
É tarde para adormecer - 
Sempre! Sempre cedo para despertar - 
Enrolo horas na espera dos dias fictícios -
A morte não acaba aqui

II


Talvez um dia seja feliz, disse a voz que arranhou a porta do céu.
A beleza zangou-se com a impaciência, e espalha um sentido vazio, diluído em lágrimas de chantilly certificado. 
Cânticos de júbilo arredondam copas de árvores cansadas de tanta seca. 
Aqui, no lugar de nenhures, caiam-se sorrisos plantados no musgo. 
Vai longe o tempo que nunca nos encontrou, aqui, neste céu sem ninguém para saudar. 
Leva-me contigo, pousa a velha e cansada voz nos meus cabelos. 
Tanto que gostava de encaminhar o teu brilho, mas a luz que pintei fugiu da tela, e, sem me avisar, riscou do calendário o dia seguinte. Deixou uma estrela que devora paixões. 
O que é feito de ti? 
Diz a alma gentil que fingiste.

,2020Ago_aNTÓNIODEmIRANDA