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quarta-feira, 30 de novembro de 2022

VISTO-ME NOS TONS DA AUSÊNCIA QUE ENTREGASTE

 

Continua linda a tua beleza 
mesmo que digam que alugas o corpo 
em lençóis de circunstância

Permanece frágil o teu sorriso 
sempre deitado na cama 
das tristes opções

Perdura dócil esse olhar 
pregado numa distância 
que não te larga

Mantem-se áspera a espera 
do teu acontecer



,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA


SABES QUEM ÉS!

 

Olha para ti todo avariado.
Que vida é esta que nos afasta de casa? Fuga pintada ao ritmo de bombas. Suaves tons de borboleta oferecem sorrisos doridos na boleia da enganosa esperança. A paz continua a ser grotescamente agredida pela bestialidade. Agora as lágrimas sabem o caminho, e mergulham a tristeza nos lábios de sangue. A fúria desce para esconder a traidora perspectiva. Sabes quem és! Tens esse fel bordado na almofada. A insónia molha o incómodo da memória. Não há sonhos para cobrir este desespero. Anjos vadios choram só para invejarem a impossibilidade. Ninguém sabe da tua fome. Sabes quem és! Claro que não consegues levantar-te. Queimaram a vontade comprada no alfarrabista. O desgosto aninhado, o futuro extraviado lá no poço da ousadia. Música de fundo aconchegada em suaves tons de luto. Olha para ti todo avariado.
Silêncio solitário. Iguarias imponentes oferecidas pela rainha dos loucos como se fosse ontem o dia que queria amanhã. Como ELE costumava mentir quando asseverava que ilimitada era a bondade do mundo. Ninguém sabe para o que está guardado. 
Acertou mesmo em cheio o cangalheiro, velho gozador. Fogo gelado à espreita na atrofia deste paraíso. Desenvencilhar pedaços de verdade Continuam difíceis os convites para quem só quer acreditar. Curiosidade dos urinóis.
Vai longe o poema que costumava vestir os nossos ideais. De mãos dadas no ocaso amolgado, não serei o único insanamente belo. Nuvens cristalinas já não acontecem.
Quando o sol veste o roupão negro à lua, parto à procura de um verbo que me entregue meiguices. 
A paixão seriamente danificada foi ter com o amante ao consultório. Noites doidamente cansadas. Onde te escondes, surpresa pré combinada? Vendo alguns dos meus milagres a 40 nós a desgraça. Envio por mensagem mentirosa um eloquente certificado garantindo o mísero estado dos meus órgãos veniais. (O último a cair nem imagina a sorte que teve).De costas voltadas durmo num soluço desesperadamente apressado. Ele perdeu a capacidade de esconder pesadelos banhados em fétidos tanques onde se arquivam heróis estupidamente desinfectados. Chorosos, os sinos já não dobram abraçados aos que não conseguem falar. Que deus (tal e qual sex symbol do aviário),não esqueça nunca as mentiras que lhe perdoei, assim como os pecados legendados com remendos de arrependimento.
Por mim pode perder-se no banho dos aloquetes desconfiados, olhar com simpatia o nojo, enaltecer a covardia, apunhalar os impulsos atrevidos, espalhar na avenida salpicos da desilusão constante.
Não quero pertencer-me nesta dor que assopra na coroa dos falhanços que não consigo evitar. 
Muito do que amei desapareceu neste império doloso.
Sabes quem és!

Fazem de ti ladrão mas não és tu o usurpador.



,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

SAL!

 

Sal!
Incendiando-me as teias , chorar nas veias e esconder-me na sarjeta da tua saia. 
Vale o que vale, até porque tu continuas a não saber o fel deste meu gosto que está à venda no mini mercado mais perto de ti. 
Porque será que me custam a respirar as palavras que nunca entendes? 
Não é a má vontade do meu desinteresse, até porque me cansei de ser santo, naquela vocação que me abrandava os joelhos na inglória e exacta hora, em que todas as orações eram tão sujas como o nosso não acontecer.
Matei-me tantas vezes no chão numa espera sempre crescente onde só cabiam ausências indignas.
Atropelei-me queimando uma pele cansada da falta de confortos e viciei-me em oráculos venenosos.
Ninguém me ajuda a pegar neste andor com resumos de todas as vontades contrafeitas, pregados numa cruz encristada de pecados que não são os meus.
Sal queimado na fogueira dos  abrenúncios, coados nas ternuras sem sinónimos, onde lamentos acachapados escorriam de uma barrela embutida nas paletes do desespero silicamente conservado.
E a morte empalada  em todas as horas do tempo que recuso viver.
Por muito que me digam que gostavam de ser assim, só porque não gosto de segundas vias, prometo-vos que Isto dá-me mais canseira do que o trabalho. 
Até porque a vida é uma cópula institucional que não respeita a idade.
Eu me saúdo no centro mundial da identidade adulterada e aguardo angústias disfarçadas de anjos maus contemplando o tempo que não me presta.
Alguém que me salve sem desgosto.
Sal!
Incendiando-me as telas que eu continuo a rasgar com sopros que me esburacam a algibeira.
E eu envolto no sal, pilhando nenúfares ao Monet do meu mar tão desassossegado.
Sal e mais sal!
Que ilha ainda me restará?
Tenho uma sensação necrológica necessitada de uma operação urgente. E falta-me paciência para preencher o  formulário da fila de espera..
Reclamo o meu desespero embora saiba que ele continuará a ocupar um vão de escada onde choram outros sem abrigo.
Ai de mim, ferozmente assado neste sal.
Estou cansado de secar lágrimas num varal onde pousam imagens que já não sei retocar.
Sal no guisado amargo da minha vida, demasiadas vezes  gasta na vã ambição de cortejar a inquietude em tons diferentes.
Descontinuo-me escrevendo num moral anónimo liturgias desequilibradas.
Sal!
Incendiando-me as veias, entupindo as teias da solidão que dorme no meu porta bagagens..
Por favor, avisem quem me espera no cais que não encontro para atracar.
Sabes quem és?
A puta submissa da constante violação.


2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

REALEJO

O cupido
Tinha má pontaria!
É um facto sabido.
E assim foi proibido
De actuar no circo.
Agora,
Num cantar triste
AMOLA-A-DOR
Pelas ruas da cidade
Soltando no realejo
O beijo
Com destinatário desconhecido.



,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA

POIS...

 

Não sei porque não vês 
o nevoeiro das minhas lágrimas, 
nem a forma mesmo inexacta da minha chaga. 
Teria sido conveniente um cumprimento anónimo explicitamente nicotizado com a indiferença que nunca conseguiste fingir. 
Tudo não vale a pena e nada cabe 
no templo das intenções retardadas. 
Poderia ter sido importante 
mas só conseguimos tingir o possível 
com as cores da impossibilidade. 
Mas, era simples. 
Fácil!
Mas, com tantas horas, 
não tivemos minutos para temperar o tempo.



,2016jan12,aNTÓNIODEmIRANDA

PÚBIS


POR MUITO TEMPO

QUE VIVA

JAMAIS

PODEREI

ESQUECER AQUELA IMAGEM
...
 
NÃO SEI

SE ERAM CUECAS PRETAS

OU TAL

SERIA A CÔR DA SUA PÚBIS ?


5.3.86, aNTÓNIODEmIRANDA

 
 
 

 

POEMA PARA UMA PASSAGEM DE ANO COM FINAL FELIZ

Lembro-me de certos dias,
de um sonho sem retorno,
de alguns passos desviados,
e da matança integral dos fracassos 
com doses de naftalina.
Da aparição púdica do homem barata,
e da alfabetização da ejaculação colectiva.
Dos buracos ocasionais da estrada da glória,
de alguns erros de palmatória que não pude escusar,
de certas acções de castidade mal sucedidas,
de elogios frios como o mármore,
de favores perfeitamente dispensáveis,
de poucas curvas sem muita gravidade,
de aparições cósmicas sem serem convidadas,
de senilidades não vigiadas,
de carícias tímidas,
de poucas conversas envergonhadas,
de algumas urgências atrapalhadas,
de poucos convites para a deserção social.
Também me lembro dos dias restantes.
Mas esses serão sempre pertença minha.
Permitam-me que me apresente:
sou um homem que em mim tem fé,
e, pelo qual nutro a simpatia suficiente.




,2017dez_aNTÓNIODEmIRANDA

terça-feira, 29 de novembro de 2022

#Nos intentions sont pacifiques#


 

Parabéns, ZEZA!

 


MAAT_28NOVEMBRO2021 Obrigado, Ana Gomes da Costa


 

MANCEBO

       Encostado na esquina, ouço partir os olhos vazios, neste passar do tempo, que teimam em dizer que perdi. Mas eu continuo a acender este fogo, como se fosse um cantor de uma banda de rock`n`roll, onde nunca toquei. Poderia contar outras histórias, se o blush na minha face, não mostrasse que isso não passa de uma mentira. És doce como aquela canção que já não me espera. Continuo longe desse sapateado, ensaiado na escala do baixo, que amorosamente quer levantar o chão que me insulta. Por vezes, tudo me parece tão difícil, malgrado as desculpas de ocasiões mal desagravadas. Tenho saudades das velhas lojas, onde muitas vezes entrei para nada comprar, apesar das boas intenções. Os velhos amigos continuam comigo, mitigando a recordação das gajas que não chegamos a comer. Era só um supor malandro, que enchia uma pose com que fingíamos vender a alma. Estamos aqui, como provam estas gargalhadas emolduradas nos cabelos brancos, que só nos fazem sorrir. Naquelas noites tocadas nos jardins, fomos os mais felizes astronautas. Nas ondas do medo, iluminadas pelos faróis dos carros da polícia, enfeitávamos em segredo a nossa diferença. E no quarto das paredes sem sonho, adiávamos o sono, com todo o pavor da farda que nos esperava. Nunca perdemos a cabeça neste horizonte selvagem, ainda que as notícias dos amigos mais velhos, deixassem de ser escritas. A lua sonhava então, com cores bonitas, o pequeno-almoço era animado com ácidos sem estricnina, e lá fora, a realidade mentirosa, felizmente não estranhava esta mania. Acariciava os anjos no duche, e compreendia que o seu olhar, só procurava o amor, num abraço que nunca ignorei. Entregavam-me sempre uma fotografia, com uma nuvem que tentava agarrar todas as coisas que fugiram do meu caminho, quando deus não estava feliz com a minha aparição, nas manhãs do ódio que tanto me sujava. Olhos sem luz, sorrisos maltratados, assaltavam a minha cabeça, neste princípio da procura de uma só escada divertida.

 

,2017nov_aNTÓNIODEmIRANDA

DESASSOSSEGO

 
Eu Só Queria Ser Alguém
Mais Do Que Nem,
Só Eu....

Para Ser Ninguém
Ou Alguém
Mais Diferente Que Eu.
E Eu
Como Se Fosse Alguém
Sem Chegar A Ser Ninguém.
Porque É assim
Que Eu Nunca
Me chego.
Alguém Ser
Mais Que Ninguém
É Um Desassossego.
 
2016,11aNTÓNIODEmIRANDA
 
 

ISTO AQUI NÃO É O PARAÍSO

 

Não te iludas!

Disse o céu

Quando a morte chegou.

Isto aqui

Não

É

O

Paraíso.


,2020Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

FUCK-MAIL

 

Ossos nas esquinas.
Coletes escondidos.
Cães de palha amansando latidos.
Onde se esconderam os sossegos sem medos que fintavam a tristeza?
Navegam arrependidos na barca das vidas não salvadas, e pintam bouquets enlatados na náusea, que nos traga a alegria.
Um final feliz, fica tão longe do nosso olhar, e as fintas que consolam a mentira, enfeitam maldosamente o porta-chaves da esperança.
Há agora, um silêncio magoado que dança a noite da solidão.
Está tão áspero este caminho, sem poetas com fé na esperança que prometeu nunca os abandonar.
Guardam-se numa máquina de escrever, sem histórias para contar, os abraços das folhas caídas.
Uma ideia sempre optimista.
Um nó para apertar, uma constelação constipada, e, um agradecimento timidamente arrependido.
Alguém vomita poemas contra a própria sombra, e na bebedeira do desgosto, implora a urgente significação da sua não identidade. Mas, Ele, ocupado como sempre, deixou uma mensagem no “fuck-mail”.
Os ossos cansados,
albergaram-se numa pilha.
Têm frio!
Puta que pariu a avaria no incinerador!


2018Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

LIVRARIA OPINIÃO / tantas tardes que muito me ensinaram!

 


A VISITA DO DESALENTO

 

Tenho 3 luas na minha algibeira,
disse-me o cachimbo de um sábio índio.
Enrola a vida numa velha manta,
e nunca a deixes cansar de remendar alegrias.
Aconchega os sentidos na penumbra
poeirenta,
e,
nada mais caberá na tua cabeça,
do que a visita do desalento.
Abraça a ausência do deitar ferido,
e, chora na  enxerga de lençóis desabitados,
mesmo que não consigas esperar a chegada,
escrita nos anúncios do nevoeiro,
que espreitam na janela.
O que te espera,
quando com a solidão,
não consegues falar?

D. Juan foi brincar com a erva do diabo.

,2019Dez_aNTÓNIODEmIRANDA

GOSTAVA QUE ESTIVESSES AQUI!

Entrega-me a tua beleza, mesmo que o pânico tolha o beijo que há longo tempo tenho guardado para ti. Faz de mim o batom dos teus lábios, o verbo do acontecer não mentiroso, a dança de nuvens só nossa, molhada pelo licor do desejo. Entrega-me aquele laço, mesmo que aperte o impulso.
Não saias do altar, eu não saberia jogar a solidão do abandono. Espera por mim, nesta história que não sei contar. Não me inscrevas na fama que não mereço. Fugi cem vezes de ti, rasguei nomes sem conta, escondi tantos medos, embebedei-me com arco-íris mentidos, dormi com madrugadas maliciosas na secreta esperança da tua chegada.
Não imaginas o preço que paguei! Comprei sinas tão indignas, como a necessidade de um conforto qualquer. Mas, a espera fechou todas as janelas.
I'm Your Man”, foi um mergulho que nunca molhou o teu corpo. Toda gente deveria ter em conta a crueldade do amor. Tive a morte 3 vezes na minha crucificação. Tentei a possibilidade de gostar de ti, mas o corredor das lágrimas não deixou. Não quero uma amante que não incendeie estrelas. Não quero a razão que pensa justificar qualquer coisa.
Se calhar, já não preciso de mim.
Gostava que estivesses aqui!
Mas, nem mesmo para isso, já tenho tempo.

,2019jun_aNTÓNIODEmIRANDA

ACONTECE...



ENCONTROS

 Após décadas de ausências o que sabemos fazer é mentir. Mentiras como “é pá estás na mesma, etc...”. Olho-o surpreendido e começo por pedir desculpa por não o ter reconhecido. Tenho á minha frente uma figura careca, barriguda... que nem o simples nome me ocorre. É pá eu sou aquele gajo... tal & tal. Grandes tempos ! Grandes malucos ! Mas tu....
Tento simpaticamente dizer que sim, reafirmando que os anos estão cá todos, assim como as marcas que eles deixam, fazem agora a forma daquilo que sou.
Ficamos sempre com a comum e mentirosa promessa de um jantar para relembrar os velhos tempos.
O tempo não se auto envelhece, mas tem o inegável efeito de nos ir tornando antigos, embora a maior parte das pessoas fiquem usadas.


2014_aNTÓNIODEmIRANDA



DANIEL FILIPE

 
 

domingo, 27 de novembro de 2022

PARA OUVIR A SONA JOBARTEH (Kora Music from West Africa)

 

Como os sonhos acabam,
juro que não sei.
Irei contigo com passos de vagabundo
florir abraços em todas as peles,
ousar imaginar o mundo proibido.
Ambos sabemos que é demasiado tarde, 
que está tudo perdido,
mas, no caminho da minha velhice,
ousei desejar que estivesses naquele lugar 
da alegria jovem, 
embora saiba que este meu querer 
não te levará a lado nenhum.
(não desculpes o meu fracasso).
Será essa a única maneira de acreditar 
que gostaste de mim.



,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA


NÃO FOI VIDA #IMPRECAÇÕES PARA UM DEUS MENOR#

 

Nunca tive

Alturas de incenso

Nem a glória 

Da morte pretendida

Nó na garganta

Suspenso

Corte na veia

Arrependida.

Mas,

Quando a mim

eu não me 

Pertenço

Fiz-me viver 

Assim

Não foi vida

Nem sequer uma coisa

Parecida.

,2014Maio,aNTÓNIODEmIRANDA


É ESTE O TEMPO

 

É este o tempo que já não nos espera, envolto em lençóis de madre pérola, ostentando o colar da desavença. É este o tempo do amanhecer ardiloso, do roupão enevoado que pergunta o que foi feito de nós. E nós caídos, tentando apanhar a flor que nunca tivemos nas mãos. 
Quando a música acaba, neste chinquilho que nunca em nós confiou, vem-nos á memória qualquer coisa parecida com uma vela imitando a voz de deus. 
Continuámos sós, esquecidos na salmoura dos agradecimentos nefastos e louvámos nas mensagens sem custo, o destinatário desconhecido. 
Não consigo gostar deste pensar que me atropela e tento cortar a angústia em pedaços adequados ao fondue de toda esta tristeza. 
Não penso em mim nesta forma de pecado e ergo as mãos para a oração errada que junta as mentiras habituais. É este o tempo da vã glória enleada no chicote do resumo sangrento. Dos dardos cravados na maledicência, bocados à deriva buscando um anúncio qualquer, só para alcançar o fim prometido sem saída de emergência. Alguém cuspiu promessas que não cumpriu e os dados mal lançados só deram um poker batoteiro. Temos nas mãos um título de transporte sem validação possível e uma louca corrida que nunca nos deixam vencer. 
Nada é sagrado nesta conspurcação de heterónimos aleijados e estamos sujos pelos medos de uma paciência sobrelotada. 
Final da concessão.
Riscamos todos os calendários.
Queimamos todas as folhas no fogo-de-Santelmo e Hieronymus Bosch gentilmente pintou as nossas radiografias.

2017,jun_aNTÓNIODEmIRANDA

Façanhas e Opiniões do Doutor Faustroll, Patafísico, de Alfred Jarry > Snob, Sábado, dia 3 de Dezembro, às 18h

 

Depois de 111 anos a maturar em cascos de carvalho perfumados com sercial, “Façanhas e Opiniões do Doutor Faustroll, Patafísico” está finalmente disponível em português, numa edição da momo, com tradução e notas de Miguel Martins e desenhos de Luís Henriques. 
O lançamento será na Snob, no dia 3 de Dezembro, às 18h, e contamos com a presença de todos os patafísicos que connosco partilham esta folha de couve em que vivemos. Lá estarão o tradutor, o ilustrador e o editor a prestar contas dos seus actos.
Jarry não chegou a publicar este livro em vida porque a agitação que Ubu criou fez com que nenhum editor quisesse arcar com uma empresa que prometia poucos amigos e ainda menos lucro. O autor, esse, usou do seu dardo infalível e escreveu num dos manuscritos “Este livro só será publicado integralmente quando o autor tiver adquirido a experiência necessária para saborear todas as suas belezas.”
Boris Vian disse que “está tudo no Faustroll”. E não foi o único que o percebeu. É do Faustroll que nasce o Collège de Pataphysique e quase toda a obra de Duchamp, sem falar de todos os ecos que ainda ressoam a ouvidos atentos.
Dos 777 exemplares que se fizeram, 111 foram homologados pelo Instituto Olissiponense de Patafísica numa cerimónia com sons primordiais regada a absinto.
Fizemos este livro como se para o próprio Jarry e esperamos que ele o possa fruir por toda a éternidade.




OLÍVIA #IMPRECAÇÕES PARA UM DEUS MENOR#

 

O bom pastor reza a deus um pranto de chuva, 
para que no prado cresça a erva 
para alimentar o rebanho. 
Mesmo com os dedos lambuzados, 
depois de ter comido a perna da Olívia, 
a sua ovelha de eleição, 
nunca se esquece de agradecer 
o tempero da refeição.
Era um dia especial.
A Olívia já não leva a mal.
Não era lá grande concubina.
Fugidia.
Matreira.
Esquisita.
Malina.

2018Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


DUELO PROMETIDO

Não percebes!
Não podes contar estrelas.
Nada sabes dos meus desencontros, 
do meu caminho às cavalitas da vida, 
deste constante contrariar a sina do destino, 
das mentirosas certezas que escrevo, 
deste cavar no presente 
um futuro ardilosamente prometido.
Não entendes o desigual que me conforta, 
o nojo com que delicadamente me golpeio, 
neste mostruário de sugestões desleais.
Ignoras as mortes que escrevem nesta memória 
exausta de tanta fraqueza.
Nunca aceitarás o punhal que guardo 
para escrever o teu nome.
Tu e eu, 
nunca passaremos da composição mais imperfeita.
E isso,
continuará a ser o duelo prometido.


,2020Nov_aNTÓNIODEmIRANDA


sábado, 26 de novembro de 2022

SONHO - TE

 

Sonho - te 

Dentro -  de -  mim 

Como se  a  v e r d a d e

Fosse  esse  momento 



,2021Novembro_aNTÓNIODEmIRANDA

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

BANDEIRA PRETA

1. Resta-nos continuar vivos.
2. Varrer a sujidade dos dias.
3. E enfiá-la na fresta da penumbra escondida.
4. Sonhar a humanidade com outras relações.
5. Arquivar os bons feitios!
6. Caminhar nas bermas sem o medo asfaltado.
7. Sorrir com bom hálito.
8. E desesperadamente esperar.

Resta-nos a esperança tardia
ficcionada em todos os poros.
Descongelar ilusões que não nos abandonem.
Riscar os erros da memória
e traçar planos só para o bom futuro.
Ó meu amor querido
nunca estivemos tão abandonados
nesta árdua tarefa de alumiar o presente.
Mas eu só percorro um exílio
 agitando no aqueduto
 uma bandeira preta…

2016,11aNTÓNIODEmIRANDA

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

O PRESIDENTE ENGANOU-SE OUTRA VEZ NO COMPRIMIDO...

 

Tudo é (im) perfeito 
O mundo é (im) perfeito 
A crise é (im) perfeita
A Inflação não tem defeito
O desemprego urra de tanta (im) perfeição
A miséria é (im) perfeita 
A fome é (im) perfeita 
A guerra é (im) perfeita 
A injustiça é (im) perfeita 
A infâmia é (im) perfeita 
O Governo é (im) perfeito 
Até Deus (mesmo quando não está ocupado) é (im) perfeito 
A loucura é (im) perfeita
A pandemia é (im) perfeita 
A vacina é (im) perfeita 
A ganância é (im) perfeita 
A inveja é (im) perfeita 
A estupidez então nem é bom falar…
é um fartar de (im) perfeição.
O desespero é (im) perfeito 
A solidão é (im) perfeita

A ignorância?
Bem, a ignorância é a coisa mais (im)    perfeita, 
depois do naufrágio da arca do Noé!

Eu próprio afirmo que ainda bem que não sou 
PERFEITO.




,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

HÁ SEMPRE ALGUÉM QUE SE METE ONDE NÃO FOI CHAMADO

 

(À espera do comboio das 15,40h
Cais do Sodré
)



Pediu uma moeda para ir ao hospital.
Dei.
Sem me conhecer de qualquer lado, 
chegou perto de mim.
Sabe?
Acabou de dar dinheiro para a droga.
Não me diga!
Se me tivesse dito antes, teria dado mais.
O senhor é que sabe.
Claro que sei que você não foi para aqui chamado.
Afastou-se.

Ouvi gralhar qualquer coisa como… 
feitio do caralho.


,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA


APRECIAÇÃO CRÍTICA

 

#nota-se aqui uma clara dissolução na pretensa evolução do artista na direcção do movimento sintético do cubismo dialéctico, aliás plenamente demonstrada no requisito académico da ronhice obstrutiva do fluxo mictório matinal.
Há uma clara tendência, direi mesmo, um convite profano para uma decadência desmesuradamente tendenciosa#.

nb:

(eu a olhar para o Amadeo de Souza-Cardoso, sem conseguir disfarçar o gozo, quando perguntei ao tinhoso do sorriso manhoso, a marca do detergente que estava a vomitar).



,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

DEUS JÁ NÃO DORME AO MEU LADO

 

Queria só uma opção não difícil 

Uma oração que acreditasse na minha infâmia 
Um teclado amistoso 

Uma doideira vaidosa 

A razão teleguiada

Enfim, 
Qualquer coisa 
Que não fosse útil à sociedade  

E sobretudo, 

Não interferisse na minha insolvência


,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

SONHOS DOS ROSTOS TRISTES

 


Todas as noites te embrulho 
e escondo esse olhar 
longe das vistas do amanhã 
que não queres vestir 


És a minha secreta heroína 
Pura 
Dócil 
Assassina dos prazeres mentirosos 


Não
Não é Hoje 
Nunca será Hoje 
Talvez a solidão se encharque
no mesmo sangue 


Não
Queimes
A
Surpresa


,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

BELEZA INSUFLÁVEL

 


Leva-me

Para

Onde

O

Desejo

Nos

Desencaminhar



,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA


INCONTINÊNCIA ERVANÁRIA

 

Não te resisto

Nunca me abandones

Continuarei 
a enrolar-te 
com toda a fé 
que prometi 
na ultima 
tentação


,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

AVENIDA DAS SÚPLICAS BREVES

 

Não deves ter medo do medo que quero deixar. 
Não guardes o cheiro da saudade. 
Foge da lágrima e do frio cantar dos segredos.
Abraça, 
se conseguires, 
a luz do seu regaço.
Nada regateies.
Esta gratificação é sempre temporária.

Celebremos a nossa ressurreição 
num majestoso piquenique 
no pitoresco jazigo sito na rua 3, 
com vista para a Avenida das Súplicas Breves.



,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

SÓ ME OFERECES NOJO NO TRILHO QUE ME LEVA À INQUIETAÇÃO

 

Rachar o coração 

Alisar as rugas numa oração frugal 

Erguer a raiva na direcção certa

Explodir para sempre o nojo 
num gesto nunca comedido


,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

TÁBUAS DA SALVAÇÃO

 


Deixa-me perder 
olhar em frente 
imaginar 
escrever nas pétalas da tua ausência 
arrancadas à flor ansiosa 
triste vento de cristal falido 
geada desfolhada no abraço aprisionado. 

Talvez a esperança morra no meu peito, 
e eu por fim satisfeito,
 mesmo com os olhos imperfeitos, 
te ofereça a alegria que já não quero. 

Nada já me engana. 

Há muito que queimei a fantasia. 

Naufraguei nas tábuas da salvação.



,2022Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

Da Raquel Nobre Guerra

 


O ACONCHEGO DA NOITE MALDOSA


 Nada mais do que o desespero 
estava escrito naquela esperança. 
Inchou a taça das agonias com a vontade restante. 
Caminhou para o céu como se a estrada existisse.
Deitou-se na cama da poeira,
escutou o sino com os berros dos últimos pássaros.
Embrulhou-se no cartão 
para o aconchego da noite maldosa.
Não tenho lugar para ti,
disse mais uma vez,
o raiar do dia.

,2020Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

F… (de) FELICIDADE

 


Foges 

mais rápido 

do que 

a vontade 

que tenho 

de 

te 

desejar





,2021Dezembro_aNTÓNIODEmIRANDA


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

RENDINHA

 

Evidenciava

uma desmesurada autoconfiança

na sua ingenuidade

mental.

Não atendia números desconfiados

nem respondia a mensagens

depravadas.

Moléstia á parte,

qualquer rendinha

ficava-lhe

sempre

bem.



2018Out_aNTÓNIODEmIRANDA


ATÉ QUE ALMA LAVE O CORPO ESCONDEREI ESTE SENTIMENTO PARA A MANHÃ FELIZ

 
É possível que possas confiar em mim, 
sobretudo quando tenho as mãos no meio das tuas coxas. 
Não duvides desta intenção, 
porque os poetas só escrevem verdades tacteando certas carnes. 
Lembro-me de ti, sorrindo naquele acordeão 
que inventava os passos do caminho para a cama. 
Luz apagada, 
desenhava poemas na tua pele
 e o teu arfar molhava os beijos que nos deitavam. 
Cansados, 
rezamos a oração dos amantes ausentes 
para o acordar sem memória e um até logo 
que sempre partiu antes de nós.
Até que o sonho lave o meu corpo, 
esconderei este sentimento para a manhã feliz.

Let it roll, baby, roll! 
Let it roll, all night long!





Melides,2017,jul_aNTÓNIODEmIRANDA

domingo, 20 de novembro de 2022

LEVEM-ME ATÉ À BELEZA MAIS PRÓXIMA

 

Satisfaçam a minha alma.
Deixem uma agonia perfeita, 
os sonhos que me roubaram, 
o nome com que me engano, 
só um dia bom embrulhado nos abraços verdadeiros, 
mesmo um momento que me faça esquecer de mim mesmo.

Um desassossego, para fingir que não escuto uma consciência apodrecida.

Um sopro que afaste esta tristeza sem luar para desaguar.

Leio nas veias um apelo que não conheço 
indicado pela sombra dos passos que perdi.

Estúpida memória que aperta os braços, 
fazendo de mim o mendigo dos afectos 
que há muito deixaram de me impressionar.

Percorro-me nesta corrente de lágrimas, 
agarrado ao laço da angústia, 
enquanto choro versos à deriva.

Ergo para o céu todas as iras, 
esfrego no peito cheiros de nojo, 
ajoelho e entrego com a nulidade da fé, 
a bênção dos dias felizes.

No conforto deste canto nada mais me apetece pensar.

E também não quero falar disso!

É sempre o mesmo pecado que teima em deitar-se comigo.

,2020Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

A REALIDADE ESTÁ NOUTRO FILME

 

É numa alcofa que escondo 
os silêncios que me comovem.
Embrulho-os em tons de rifas, 
para num sorteio batoteiro, 
adivinhar o destino que deitei fora.
O silêncio é um lugar sossegado 
que estendo na vida para o sol corar.
Afasto o tempo das horas más, e assim, 
tranquilizo a esperança despida do sentido 
da fé mentirosa.
Aguardo na porta ao lado, 
a entrega do aviso de recepção dos dias felizes.
O amanhã está escrito num calendário ardiloso, 
ilustrado com palavras que não conheço.
Tropeço na luz da pálida angústia, 
e desligo a memória antes de acordar.
Bem-vindo à terra dos patetas!
É o que está escrito no tapete do paraíso.
Volto atrás sem sair do mesmo lugar.
Enganei-me na matrícula do sonho.

A realidade está noutro filme.

2018Nov_aNTÓNIODEmIRANDA


SIGILO DEVOLUTO

 

Sou um belo jovem, possivelmente educado, pele enrugada, não bronzeada e aprecio o que faço! Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o seu interesse pelo sorriso maroto e olhos que enfeitiçam. A sua satisfação não me interessa absolutamente nada, no entanto, prometo que farei da sua estupidez, um sigilo devoluto. Serei sempre uma surpresa ruim, e meterei no lixo não diferenciado, todas as suas preocupações e problemas. Sou distraidamente super sociável, e por vezes mentalmente não higiénico. Sou muito quente, por isso não uso camisa de dormir, e os meus vizinhos não apreciam por aí além, a actuação sonora emanada da sanita. Devo dizer que não sou iniciante. Umas vezes em lingerie, outras com roupa sexy, descalço ou de salto alto, estou pronto de segunda de manhã até domingo de madrugada para uma óptima cagada com boa apresentação, Estou a melhorar, daí inserir este anúncio. Pretendo arrecadar fundos para um adequado stock de papel higiénico. Uma insolvência sem tabus, será devidamente apreciada na factura do “SMAS”. 


,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA


DISTANCIAMENTO SOCIAL

 Eu

&

A minha sombra

Há muito

Que 

Não 

Nos

Estimamos

,2020Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

TEMPOS MAL PASSADOS

 

O lustro dos anos oferece-me memórias camufladas, 
dedos que tocaram a morte, 
sinais que não cumpri, 
ajustes que não me sensibilizaram. 

Parado nesta esquadra, 
não tenho qualquer interesse em cumprimentar 
o sinaleiro das normas socializáveis. 

Aqueço certos momentos na lentidão da frigideira, 
enquanto o tempo o vai permitindo. 

Olho-me com um desdém habituado à repulsa, 
que não consigo fingir. 

No lado escuro da lua, 
leio o obituário que por enquanto  não me diz respeito.

Aceito o findar dos dias, 
iluminado pela matreirice de uma vela benemérita, 
que dizem, purifica todas as urgências. 

Há muito que vivo na pressa 
que reza nas horas vagas pela minha salvação. 

Continuo encostado na fila com fim 
completamente indefinido. 

Contudo não confio na fiabilidade desta hipótese. 

Tudo é possível no esgoto da 
previsibilidade.

Orar por mim, 
será sempre um verbo com tempos mal passados.

,2020Nov_aNTÓNIODEmIRANDA

sábado, 19 de novembro de 2022

COMPRIMIDO SURREALISTA

 

Duas artérias

Chocaram em 

Contramaca

&

Atropelaram

Um cigarro

Que ficou

Em estado de cama



2016,03,aNTÓNIODEmIRANDA


COMPRIMIDO SURREALISTA 2

 Estou sob observação!

Peço-vos desculpa.

Tenho a noção

Que são cuidados

Cansativos.


2016,03,aNTÓNIODEmIRANDA


SUI GENERIS

 

A sua chamada 
vai ser reencaminhada para um rating 
de acordo com o seu lixo. 
Devo ficar ou partir perguntou ele 
ao seu botão prestes a cair. 
Tombado dizia este 
que a fidelidade não é hereditária. 
Meteu o solstício no braço 
e queimou a carteira onde dormia 
a previsão fisiológica das nuvens 
com temperatura amena. 
Dobrou o sui generis no modo perversão 
e espalhou aquele risco 
com o sistema de aspiração central.
Mais tarde 
o registo emocional 
explicaria com fala de pontos finais 
qualquer coisa como...



,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA


VIAJANTE SOLITÁRIO

 (Para a Patrícia Baltazar)


Uma estrela. 
Uma só estrela incendiada
Toque (nunca fingido) na pele
Maré viva de sangue
Depois
O cansaço abraçado.
As nossas sombras
Continuam lindas !
Deixarei então de ser 
o viajante solitário
Anónimo de todos os nomes.

2014.aNTÓNIODEmIRANDA


SENSAÇÃO CONTRÁRIA

                  


Do outro lado da porta que julgamos não existir,
está serena a silenciosa percepção
da ideia concreta da realidade.
Ou será o medo
Da não decisão de ousarmos?


                   Não me lembro agora
                   De muitas das minhas canções favoritas,
                 Mas manchadas na pele
               Tenho todas as suas marcas.

Existe algo em tudo de mim
Ou será esta certeza
Uma sensação contrária?

                    Qualquer resposta será bem-vinda
                  Nenhuma dúvida poderei recusar

Seja feita a tua vontade
Aqui, na terra
Ou
Em qualquer outro lugar.


.2                                     2014aNTÓNIODEmIRANDA

VIAGEM (PEYOTE EFFECTS)


O

Que

Sinto

É tão bom

Que não sei dizer

O

Que penso

Já pensei
O
 
que quero

Não me preocupa

O

Que gosto

Afinal ainda existe.

 
aNTÓNIODEmIRANDA

DÓI

Dói quando a última pele da noite se vai desenrolando, e nela já nada está escrito. 
Já não queima a memória. 
Já não te faz sujar os olhos. Dói quando te magoas em todos os despertares na única coisa que é real. 
Dói quando nada consegues apagar.
Dói como se fossem picadas, os passos, naquela estrada que pensavas nunca mais iria acontecer. 
Dói tudo! 
Dói a alegria que imaginaste nunca te iria abandonar. 
Dói até ao fundo, a coroa de espinhos quando pegas na guitarra, e não consegues tocar a música preferida.
Dói! 
Dói sempre! 
Cada vez mais.
Dói esta distância sem conserto, vidrada com pensamentos quebrados, que nos fazem sentir um outro que não nós. 
Quando todos se foram embora, e agora só podes apalpar sentimentos desaparecidos, deixando manchado um tempo que já não é teu. 
Dói, quando gotas estranhas de uma chuva triste, encharcam uma despedida sempre presente. 
Dias que não te deixam ir. 
Dói quando o amor que te é devido, já não te reclama. 
Quando ergues as mãos, na última espera daquele que nunca esteve presente.
Tanto te magoaste para seres o quê?
Uma sombra fiel depositária da vulgaridade.
Dói! 
Dói sempre! 
Cada vez mais.


2015aNTÓNIODEmIRANDA

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Marlon Brando

https://fb.watch/gTcel4bTKr/ 

SE SEQUER ME RECORDASSE

 

Poderia explicar, 
se sequer me recordasse, 
de uma só hora que de mim fugiu.
Não percebo o tardar deste acontecer, 
neste jeito de morrer, pejado de fantasmas, 
apedrejados no desespero da avenida 
das estátuas apodrecidas. 
Alguém que habite a solidão  
continuará a não incomodar 
a nojenta consciência da realidade. 
Veias com o sangue de todas as cores 
tentam adormecer histórias com um conveniente final feliz. 
Esta é a noite do entrudo de plástico,  
das máscaras do perturbador sentido, 
sem nada para disfarçar. 
Será esta a vez da próxima investida 
da despedida anunciada?
Leva-me daqui logo que te lembres,
embrulha-me no teu olhar, 
não me escondas num canteiro sombrio 
porque eu perco - me com assídua facilidade. 
Cuida de mim quando puderes, 
mesmo que o desespero que cobre a minha pele, 
nunca tenha tocado a tua indiferença. 

,2021Novembro_aNTÓNIODEmIRANDA


Entretanto…

 

Pedi a deus o céu
para a minha morte não o incomodar
voei o mais alto que quis 
como pássaro desenhado
na nuvem por mim pintada
no meu próprio tempo
de saudade ausente
de ficção inventada
de sorrisos fintados
de caminhos solitários
de moradas artificiais.
Invejei a morte
mas nunca reneguei o seu convite.
Algum dia encontrarei
o que está dentro de mim…
O paraíso só acontece uma vez.
Entretanto…
Alguém me observa
Exibindo alegremente
A embalagem dos comprimidos da minha mãe.

,maio2010aNTÓNIODEmIRANDA

LÁ FORA, AGORA JÁ NADA LHE ERA ESTRANHO

 É vegetariana distraída.
Muito ela falava da assiduidade fundamental.
Transporta na mala o suave Channel N5,
não veste peles de animais
e a vistosa echarpe que exibia
era feita com cápsulas de coca cola reciclada.
Abandonou a pobreza que nunca conheceu.
Usa agora,
em tons de azul claro, fora de estação,
uma boquilha com ansiolíticos naturais
criteriosamente supervisionados
pelo seu consultor de normalidades.
Deitada no sofá,
tenta agarrar nuvens para esconder a confusão.
Olha de soslaio os ténis dourados,
imaginando pénis que gostaria de ter na mão.
Hum... desta vez correu muito bem,
dizia-lhe abotoando a bata o doutor.
É bom que assim se sinta.
Da próxima não traga a cinta.
Quero fazer-lhe uma “fodagrafia” como deve ser.
Foi para casa no Mercedes contente.
Falhou os piscas habituais.
Confiante, enfiou  no whisky os comprimidos usuais
só para ficar dormente.
Adormeceu abraçada à lingerie com todo o
cuidado para não se lembrar do amor.
Lá fora,
agora já nada lhe era estranho.

2016,12aNTÓNIODEmIRANDA

POST SCRIPTUM

 

Não subestimo a admiração.

Mas admiro muito mais o respeito.


2017,jun_aNTÓNIODEmIRANDA