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quinta-feira, 18 de maio de 2017

O ÚLTIMO BARCO

Todos a bordo!
Que não falte ninguém nesta partida,
nem as malas com memórias necessitadas do derradeiro afecto. Deixámos o cais que nunca foi viagem, e levámos nas mãos ouvidos com todas as saudades. Sorrimos para significados algemados, e no barulho do motor movido ao ritmo dos escravos, só queremos que a hélice não atraque nos nós que queremos queimar.
Que ninguém falte neste desenlace navegado com núpcias sorrateiras.
No último barco bocejam silêncios, ouvem-se os últimos olhares das ternuras despejadas que cantam o cansaço do sonho sempre longe de mais. Âncoras enferrujadas por tanta ausência cortam em tristes tiras, todo o optimismo que desprezámos. Esta é uma rota infeliz, cruzada pelo cântico das gaivotas obscenas, fartas do filme que estupidamente ensaiamos.
Este comandante é tão mentiroso como a estima que admitimos ter. Há sempre um mastro incendiado e um farol ocupado a enviar sms, actualizando as vagas do inferno.
Todos a bordo!
Que ninguém falte à chamada do baptistério.
Que ninguém falhe o gole sagrado de água parada da pia abismal.
Que ninguém fuja do necrotério enfeitado com lamentos despidos.
O último barco corre célere.
E nunca se cansa de nos levar.



,2017,mai_.aNTÓNIODEmIRANDA


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