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sábado, 21 de abril de 2018

A MALA

Letra a letra, memorizo nesta velha folha, tão amarelecida como os passos que me cansam, sensações pintadas num cenário cúmplice, com sugestões para um envelhecimento pretensamente feliz. Continuo a lembrar-me de coisas tão idas, como o simples esticar do dedo, na esperança de uma boleia, que só acontecia para não desmoralizar a minha expectativa. Lembro-me de caminhadas feitas debaixo de candeeiros já a dormir, naquelas estradas onde os mochos entregavam sonhos ao domicílio. Piar amigo, que nunca se enganava na árvore onde me encostava, para escrever cartas a um céu desconhecido. Sozinho no meu medo habitual, na fome que fingia não ter, no sono que me apetecia, e na imaginação da minha cama, que tanta falta então me fazia. Há uma hora, em que a noite pinta de frio, o mais bonito dos sonhos. E eu desenhava poemas, para encher a velha mala de couro, fiel companheira de todas as minhas viagens. Trocávamos abraços de cumplicidade, e nem sequer eram necessárias palavras para celebrar o nosso contentamento. Confortávamos a nossa presença com sorrisos de amizade autêntica. Liamos um para o outro, páginas do “on the road”, poemas do Ginsberg, Ferllingethi, e cumprimentávamos as estrelas que nos contavam histórias escritas pelos anjos da desolação. Dormi o descanso do meu contentamento, muitas e muitas vezes, nos comboios. Fazia a barba em frente do espelho do wc de uma qualquer carruagem, e nunca deixei de ser feliz.
Nada de mim ficou por fazer.
Nem sequer uma vírgula fora do lugar.
Vivo agora na plenitude daquilo que fiz por merecer.

2018Abr_aNTÓNIODEmIRANDA

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