Letra a letra, memorizo nesta velha folha, tão amarelecida como os passos que me cansam, sensações pintadas num cenário cúmplice, com sugestões para um envelhecimento pretensamente feliz. Continuo a lembrar-me de coisas tão idas, como o simples esticar do dedo, na esperança de uma boleia, que só acontecia para não desmoralizar a minha expectativa. Lembro-me de caminhadas feitas debaixo de candeeiros já a dormir, naquelas estradas onde os mochos entregavam sonhos ao domicílio. Piar amigo, que nunca se enganava na árvore onde me encostava, para escrever cartas a um céu desconhecido. Sozinho no meu medo habitual, na fome que fingia não ter, no sono que me apetecia, e na imaginação da minha cama, que tanta falta então me fazia. Há uma hora, em que a noite pinta de frio, o mais bonito dos sonhos. E eu desenhava poemas, para encher a velha mala de couro, fiel companheira de todas as minhas viagens. Trocávamos abraços de cumplicidade, e nem sequer eram necessárias palavras para celebrar o nosso contentamento. Confortávamos a nossa presença com sorrisos de amizade autêntica. Liamos um para o outro, páginas do “on the road”, poemas do Ginsberg, Ferllingethi, e cumprimentávamos as estrelas que nos contavam histórias escritas pelos anjos da desolação. Dormi o descanso do meu contentamento, muitas e muitas vezes, nos comboios. Fazia a barba em frente do espelho do wc de uma qualquer carruagem, e nunca deixei de ser feliz.
Nada de mim ficou por fazer.
Nem sequer uma vírgula fora do lugar.
Vivo agora na plenitude daquilo que fiz por merecer.
Nada de mim ficou por fazer.
Nem sequer uma vírgula fora do lugar.
Vivo agora na plenitude daquilo que fiz por merecer.
2018Abr_aNTÓNIODEmIRANDA
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