Vá
John, salta agora.
Eles
só querem acabar contigo. Já têm um número reservado. Escreverão
na autópsia que eras um gajo chanfrado que sempre estiveste em mau
estado. Para ti estiveram sempre esgotadas as vagas do albergue. Nem
sequer descontavas um cêntimo que fosse para a normalidade social.
Vá John, salta agora. Não tens que hesitar. Ninguém vai reparar.
Despacha-te John, não alongues o directo, não desiludas a notícia.
Confiámos na tua perícia, mas sabes bem que é só desta vez. Está
tudo a espreitar. Salta John. Fá-lo com destreza, não estragues a
surpresa desta gente que te empurra. Lá em baixo nunca será pior do
que a miséria que te gastou o tempo. Dizem os que nunca voltaram.
Atira-te agora. Está na hora. Nunca nos doeu a insignificância do
teu arrastar. Atira-te John. Nós que juntamos os teus erros, e as
lágrimas corridas em segredos de sangue com farpas oferecidas para
que o teu choro não incomodasse o nosso bem estar. Vá lá John.
Encharcamos-te as veias, temperamos a tua cabeça com um caldo para
te acalmar. Não te queixes da fortuna. Nós oferecemos-te uma sorte
mentida, mas tu só querias uma nuvem que nos molhava. E apontavas na
ponta do desespero uma triste canção. E nós só pretendíamos
desperdiçar o teu tempo e nunca te deitaste na cama que oferecíamos
à tua atrevida diferença. Que coisa estranha, John. Adiares a morte
foi uma traição. Pensas que não nos custou cantar a mentirosa
balada para adormecer os nossos filhos? Não foste agradecido. Nós,
os que cuidamos do envenenamento dos teus sonhos.
Salta
John.
Lembra-te
da pomada do charlatão. Nunca perguntaram o que sentias quando
abafavas a tempestade asilada na tua cabeça. E aquele santo de barro
que bebia o vinho das noites frias, rezava-te orações sempre
mentirosas. Embrulhava em massa folhada os recados que escrevias nos
sacos de plástico que te forravam a pele. Disseste que a nossa
heroína te enganou. Será verdade? Nós só tentámos trair-te
sempre que possível. E se bem me lembro, prometemos um velório
auspicioso, musicado por um orgão Hammond enfeitado com papoilas
perfumadas do mais genuíno ópio. Só para te lembrares que
celebraremos condignamente a tua ausência. Vá salta. Salta John.
Ninguém está á tua espera. Como pensas que nos sentimos neste
filme parado? É certo que não és tido nem achado e a tua solidão
é agora falada numa língua dobrada que ninguém entende. Canções
metidas na colher, carne branca acendida numa luz insidiosa. Foi
assim que te fizeram passar os dias quando pensavas ser o dono das
tuas decisões. Não te incomodava a espuma no canto da boca nem os
olhares que mijavam em cima de ti. A vida é uma canção de
rock`n´roll. Mas o resto, o que de ti importava, sempre passou ao
lado. Mas a tua alma chorava. Ninguém respeitava o teu silêncio e
riam do personagem que encenavas. Salta John. Agora que já sabes
aonde ir. Agora que a tristeza infectada não obedece à direcção
indicada pelo sinaleiro, agora que na encruzilhada todos se esquecem
de ti, John o teu único sonho partiu para um céu sem o teu nome.
Deixou para sempre tatuada uma pressa que não sabes parar.
Adiantaste a corrida. Apertaste a correia errada. Não há estrelas
que contem o teu segredo, um táxi qualquer que fale de ti, uma linha
que lembre a maneira como não sabes o teu nome.
Salta
John. Não largues a corda que te estendi.
Eu
sei que pensavas ter um anjo sempre ao teu lado. Ninguém te informou
que a misericórdia é uma anomalia que não funciona.
John,
a compaixão é uma call girl que nem sempre está de serviço.
Sempre te desonraram. A tua namorada chorava quando dizia que eras o
homem da sua vida , dizia ser a rainha de um reino só teu. Sou a tua
fada à deriva neste céu banhando este oásis de desejos
apodrecidos. Diz que me amas. Pediam as lágrimas espalhadas no
colchão. John, tu dizias que não sabias a cor do sangue que enchia
as ruas da tua dormida. As teias dos sonhos que te chicoteavam eram
dores menores nos dias estragados. Que dor podias sentir? Gritos
escondidos na ambulância e tu sem nada conhecer. O que fizeram de
ti. Uma vaga ideia escondida numa salada de putas.
Vá,
salta agora John. Leste o livro errado. És o único culpado.
Rejeitaste este mundo viciado.
Salta
agora John!
Não
abales a nossa consideração.
,2017ago_aNTÓNIODEmIRANDA
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