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sábado, 23 de julho de 2022

CRÓNICAS E MELIDES (9)

 

Parto em desvantagem. Que raio de glória me havia de calhar. Ouvi-lo dizer que está a ficar com os lábios colados de nunca ter ninguém para falar. Quando apanha alguém, tenta a desforra de tanta ausência, e passa-lhe ao lado a preocupação, noutros tempos acanhamento, de qualquer estrangeiro não entender o seu passado de bom trabalhador de língua. Diz, com o orgulho mais verdadeiro, que ainda não sabe porque as pessoas gostam dele. Era muita responsabilidade, mas aguentei a bucha. Olha, (sinto o toque dos seus olhos), tudo se passou. São agora fragmentos de muitas histórias, que fui ouvindo ao longo de 32 anos.Estou a ver um velho armário cheio de novelos. O cavalo, a lavra do arroz, o jogo das cartas, a "buida" com o seu grande amigo Toino Domingos, a "irmindade" da qual  é o único vivo, a falta de nomes para chamar, o peditório feito lá pelos montes, para a festa de Melides … Ai vida, vida. O que é que se pode fazer? Não queiras saber. Chiça! Já me esquecia disto! Saboreia mais um trago do tinto que faço prazer em lhe oferecer. Se calhar, já te contei isto, mas se calhar também não te lembras. Ajudo-o discretamente a levantar-se. Com um humor envelhecido há 93 anos em cascos de autenticidade, diz-me, nunca em jeito de despedida: vou ter com o meu companheiro do sono. Ele não adormece sem eu chegar.


2015melidesaNTÓNIOdemIRANDA



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