Ginsberg!
Na américa nada mudou!
Apesar dos teus avisos e das mil profecias que lhe entregaste.
Tudo continua ridículo no país que tanto te ofendeu.
Corso continua à deriva na procura desvairada tentando encontrar uma plantação digna da sua generosidade.
Snyder deixou de ser um monge respeitado mesmo não tendo corrido bem a impressão de haikus na reader's digest.
Diane di Prima e as suas longilíneas meias de vidro enforcam agora as memórias da beat com “mais ou menos poemas de amor”.
Ferlinghetti tenta fazer o que pode emoldurando “os dias tranquilos”.
E eu próprio para lá caminho.
Allen, tenho todos os seus poemas guardados num saco cama sempre pronto a desafiar-me.
Continuo a entrar nos supermercados sem que alguém reze pela minha beleza.
Compro assim o que falta usando um cartão de crédito made in china.
Pago as contas com euros sediados num off shore que continua a fazer-me a vida ainda mais preta.
Nas ruas vejo tantas pessoas deitadas ao lado dos contentores do lixo que comem depois dos ratos saciarem o apetite.
Ginsberg, a américa está como sempre perigosamente parecida com o outro mundo.
E isso e os russos ainda o tornam pior.
Ginsberg, toda a gente escreve palavras numa articulada mania que dizem ser poesia.
Aprenderam nos compêndios que lhes oferecem doutoramentos tirados nas máquinas das fotografias onde perdemos a identidade.
Allen, morre-se assim sem dar por ela, embora ninguém vá ao seu funeral.
Nunca estive na City Lights mas quando lá chegar serei imediatamente cumprimentado pelo Lawrence.
O mundo continua a fugir do meu sonho e desatento como é, tenta polvilhar os seus poemas como se isso pagasse o respeito que nunca mostraram.
O Carrol já não tem saudades do pai e ocupa agora os feriados entregando porta a porta embalagens de poesia sem consignação.
Ginsberg, este universo é cruel apesar de tudo o que tenho oferecido
Tenho a uretra infectada com pus e uma fricção contagiosa que me controla a alma e o Robert Saggese tem “um pássaro na palavra” e está demasiado esquecido para a salvar.
Allen, tomam conta de mim agora anjos que nunca pedi.
E fazem picnics no Central Park com a bandeira do goldman sachs estendida e olham de soslaio todas as minhas expectativas.
Ouço em semitom a música das sirenes que encharcam a minha ruína e Frank O´Hara continua preocupado com “a crise da indústria cinematográfica”.
Morre-se em qualquer lugar sem hora combinada sem culpa formada e sempre nos apanham desprevenidos e esta é “a proposta imoral” escrita por Robert Creeley.
Allen, a vida é o cemitério do medo com orações take away gravadas em lápides onde se mente aqui jaz um homem bom.
A melancolia cega a beleza dos meus olhos perdidos de volta no espelho, onde costumava ver-me enferrujado como os nós do arame farpado, pejado de retratos desconhecidos balançando uma “melodia para homens casados” gingada nas ancas da Lenore Kandel.
E a noite chega atrapalhando o festim do fim do mundo, que acontece todos os dias em que não somos capazes de nascer. E Ron Loewinsohn continua a gritar “contra os silêncios que estão para vir”.
Allen, sou observado por um drone não identificado e só tento esconder a denúncia nas folhas que guardo num mealheiro que roubei na igreja dos últimos dias dos santos sem piedade.
Estou farto de ver gente feliz sem qualquer motivo e com orgulho menstruado pela miséria que espalham.
Mas este passadiço não tem limite e eu acabo por adormecer sempre com a estrela errada na cabeça.
Koller tenta acalmar-me oferecendo um tapete de “ossos & penas Pele e Asas no chão”.
Allen, preciso de uma ligação pré-paga para o paraíso artificial.
Pretendo pedir asilo temporário para a minha solidão.
Mas ninguém se interessa pelo meu horário, embora ele não tenha os dias sempre tristes.
Allen, estive numa concentração budista em que um monge flipado danificou o meu drama.
Frequentei aulas de yoga com uma bailarina atenciosa que só bebia iogurtes fora de prazo.
E até deus sabia o quanto eu detesto esta forma de orientação.
E assim fui até ao fim do mundo ainda com um fardo mais pesado.
Perco-me no significado das eloquências mal frequentadas que mais parecem elogios fúnebres acompanhados pela dança de carpideiras hawaianas, que me puseram no pescoço um colar de flores putrefactas e agora entretenho-me nas horas de ponta a espalhar o seu perfume nos urinóis mais utilizados pela opinião pública.
Tenho uma postura sisuda e nada simpática para não me confundirem com o namorado da barbie.
Volto ao lugar para ouvir o discurso do velho corvo de asas metalizadas e língua prenhe da única sabedoria. Fala-me do degelo da humanidade e dos medos que tanto a ferem.
Então digo-lhe que estou pronto.
Eu sei que ele me levará aos demónios.
Allen, não quero este caminho que a solidão comodamente instalada no sofá pensa cativar-me.
Actualizo-me num sequestro sereno na chegada do momento de abraçar manuscritos pacientes que decoram as sombras do silêncio numa modernidade de estátuas com olhares distantes.
Este universo é cruel apesar de tudo o que tenho tentado.
Estou cansado de esperar nas escadas do paraíso com a chave errada.
Tenho uma coleira certificada, anti tudo mas que não funciona.
Tomam conta de mim agora poetas tão tesos como eu.
E afiam no nobre golpe da navalha a memória enlouquecida
Aparo pétalas demasiado parecidas com gotas de sangue.
Já não penso no que teria ter sido nem nos milagres que tentavam vender-me na feira das onze dos domingos.
Aplainei virtudes diferentes nos anos que só a mim pertenceram e alinhei nas propostas condizentes com a minha pretensão.
Colhi nesta estrada frutos nunca imaginados por quem de mim só pensou o que não me conhecia.
Continuo um curioso sem complexos o que me torna um aprendiz interessado.
Ginsberg!
Também tenho um grito!
E um frio tremor nas mãos que me tempera angústias desesperadamente sós.
Ginsberg!
O mundo nunca vai encontrar o caminho.
2016,09aNTÓNIODEmIRANDA
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