Podemos começar ouvindo Charles
Aznavour cantando “ La Bohème” ou para momentos mais sérios
escutar a “ Avé Maria “ de Schubert. Passaram-se dias, muitos
deles acompanhados daquelas cores feitas com lágrimas. Alguns ainda
em que o sangue beijou o chão.
Foi numa terça feira, ao cair
da tarde ( sei agora que é o momento em que o sol vai dormir com a
lua), que me disse as suas últimas palavras : às 7 vou deixar de
ser anão . Levanta-me ! … E assim, partimos os dois, o senhor
abraçando os meus braços. Ás vezes sinto-me como uma criança
perdida, mirando uma qualquer estrela que passeia despreocupada lá
naquele lugar com um nome tão estranho e tão longe. Ás vezes
sinto-me cansado e durmo como se mil sonhos estivessem á espera de
me acordar.A verdade é que estou menos novo, e, a Mãe, o Jorge
Faria, o tio António e a Guilhermina, já não podem ficar nas
fotografias. A vida vai gastando o tempo e filtrando na sua imensa
paciência, os verdadeiros amigos. Não me arrependo de lhe ter dito
algumas verdades ( daquelas que doem a sério ), mesmo sabendo que
estava pronto para a viagem. Recordo-me das nossas festas, das nossas
canções, cantadas como só aqueles que se gostam podem fazer. Tenho
na garganta o sabor daquele “americano”. Tenho na pele a promessa
de tomar conta da Mãe. Tenho no coração a mais linda declaração
de amor ( falava você com a Mãe), que alguma vez ouvi. Tenho a certeza que você era
diferente dos outros !
Lembro-me perfeitamente quando
com um sorriso cúmplice me dizia : tens lá em baixo livros “novos”.
O que eu aprendi consigo !Sentado neste banco de memórias, deixo-lhe a minha saudade.
Não sei qual é a pressa de acelerar a minha corrida.
Afinal a vida continua a ser um lugar estranho para se morrer !
aNTÓNIODEmIRANDA
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