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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

GRAND BAZAR | ISTAMBUL,77

 Confesso que comprar uma mulher nunca me tinha passado pela cabeça. Fiquei tão surpreendido que nem consegui responder à proposta do turco. Foi assim a minha chegada a Istambul. Não gosto de mapas. Com pouco dinheiro, limito-me a caminhar ao acaso. Foi sempre assim. E não por acaso vejo outras coisas. Cheiros com vida e um velhote que tinha na pele todas as marcas deixadas por um cachimbo fumado ao longo de todos os tempos. Como eu gostei de o cumprimentar. Nada de palavras. Enchiam-me os ouvidos uma torre de Babel impregnada de sons que ainda hoje recordo. Lembro-me da persistência do vendedor de flautas, que queria a toda a força fazer uma troca pelo meu blusão de cabedal. Começou com uma e acabou com uma oferta de um saco cheio delas. Mas eu adorava a minha farpela. Nada feito. Mais tarde no restaurante ainda tentou mais uma abordagem, mas ficamos por aí. Istambul é diferente. Naquela sexta-feira, percorri ruas estranhas, e quando passei em frente a um quartel vi um militar a enfiar uma faca na barriga dum gajo. Rápido , discreto e supostamente eficiente. Apressei o passo, distraí o olhar, e fingi para mim mesmo que nada tinha acontecido. enfiei-me num jardim, e logo um dealer sentou-se ao meu lado, propondo-se vender uma barra de haxixe. Apresentei-lhe a minha condição de turista teso, e embora gostasse muito, não tinha a mínima hipótese de satisfazer o meu desejo. Enrolou uma barra tipo chewing gum e envolveu-a numa mortalha. Agradeço-lhe a simpatia de ter apanhado uma das pedradas do século.
Istambul é diferente. Naquela grande avenida, carros com cores exuberantes (alguém me explicou que eram para tapar as amolgadelas), misturavam-se com carroças num serpentear incrível. Não esqueci o meu estado, mas quando fiz uma festa no pelo do cão, tive como resposta um rosnar de um urso. Istambul é assim.
Passei em frente da Mesquita Azul. Juro que por mero acaso. Não sou muito dado a estas coisas. Acabei a noite num bar com malta de várias paragens, e a bebedeira felizmente não atrapalhou a minha chegada ao hotel de categoria mais que duvidosa. Para quem só dormia nos comboios, estações de caminhos de ferro e jardins, era o paraíso. Era o paraíso? Julgava eu, até entrar na camarata onde a nossas camas estavam ocupadas. Um judeu com uma meia de vidro no cabelo, ensaiava uma ladainha, e teimosamente exibia um papel onde estava escrito um número exactamente igual ao meu. Chamamos o gerente, um madié com cara de poucos amigos que resolveu o problema: pegou nos gajos e enfiou-os pela escada abaixo. Enfim, chegou a hora do merecido descanso.
No findar da tarde apanhámos o comboio para a Grécia.
Mas isso já é outra história.



,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA

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