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sábado, 30 de janeiro de 2021

PONTO DE VIRAGEM

 Cansados, os olhos rasgaram o cenário. 
A ternura abandonou a beleza, 
tocada numa ária que tenta abraçar 
o desconforto que a percorre.
Este bolor quezilento nem no lixo merece estar.
Todos me observam 
enquanto fogem do lugar onde me escondo.
Fui jovem e tudo fiz 
para não ter desperdiçado esse tempo.
Agora que prego longos sorrisos 
neste dueto de futuros improvisos, 
repouso na cadeira da nostalgia, 
agradecendo a simpatia 
de nunca esquecer a tua lembrança.
Estou fora da linha, 
diz o arbítrio batoteiro.
Desliguem a máquina. 
Rasguem os prognósticos.


,2021Jan_aNTÓNIODEmIRANDA


BUKOWSKI

 



Obrigado, Miguel Martins.

 


quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

NOSSA DAMA DA INQUIETAÇÃO

 

Saem-me caro as bebedeiras da mentira 
engarrafada na adega da poesia.
Prometeram tantas histórias, 
mas sempre soube que nem todo o brilho 
me leva à estrela.
Pobre caminho este, 
que conspurca sombras.
Nem me interessa saber como estou.
Está a chegar a colheita dos dias menores 
para me entregar horas de euforia. 
Correr nos dias que morrem, 
é um acto de coragem.
O resto, são divagações 
entregues em domicílios trocados.
Arrasto memórias até ao outro de mim.
Há quem diga que o sol 
se levanta todas as manhãs.
Nem por isso lhe gabo a teimosia.
Que alguém lhe mostre a janela 
da minha inquietação.

Os deuses não têm culpa de alguém ter 
a necessidade da sua patética existência.




,2021Jan_01_aNTÓNIODEmIRANDA


Do Miguel Martins.

https://cachimbodemilho.blogspot.com/2021/01/finalmente-chegou.html 

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Parabéns, Ana!

 


CANÇÃO DA AUTO-ESTRADA

 
E o teu amigo especial é a tua sombra nos momentos em que invejas o conforto da casa. 
Esse bálsamo desconfiado que te fez pegar na mala e largar. A tua alma é um saco de viagem repleto dos sonhos que te acompanham. Agora és uma solidão não sozinha, nunca igual à que vês nos olhos apressados, dos que sem qualquer sentido, caminham para o mesmo lugar. É a hora do lobo, onde o sol mal disposto e cansado, vai enganar a lua. E o teu amigo especial, é a tua sombra nos momentos feitos de esperança, às vezes com lágrimas com o sabor da hipótese mais apetecida. É sempre tempo para se viver aquilo que ainda não aconteceu. Agora que a noite caiu, e o polegar é o teu anjo da guarda, há um frio que te deseja e abraça o corpo. Há uma espera imaginada. Agora qualquer beijo seria bem-vindo. Qualquer tronco de árvore no jardim será a tua cama. Agora que rogas no teu único silêncio, um soluço que nem de saudade já é, agora onde todos os minutos recusam o adormecer, e o medo habitual vai fazer-te companhia, agora que te apetecia chorar mas falha-te a vontade, agora não podes parar. É a vida feita saudade. E há sempre um carro que policia com olhos curiosos. Abeiram-se de ti, e pedem uma qualquer identidade, menos aquela que te pertence Partem para voltar. Voltar sempre mais cedo do que era imaginável. Observam-te, vigiando a atracção da tua diferença. Agora, todas as estrelas que tu não vais sonhar, foram dormir. Deixaram-te sozinho e não te iluminam o tecto. É sempre longe qualquer desejo. Nem um cão está tão abandonado. Logo, quando o frio for mais forte, terás pensado, talvez mais um dia, afinal sou um gajo com sorte. E vais tomar o banho habitual, numa qualquer retrete de estação, lavando a tua bondade em suaves prestações. Então, esperarás como sempre, por alguém sempre ausente, que continuará a não te estender a mão. São fáceis todos os sorrisos. É normal o desprezo com que passam por ti. Hoje e  amanhã, nada será diferente 
Mas tu tens a estrada da alma enorme, que impede de seres tal gente.
Fugiste dos caminhos perfeitos. Em tempo algum, foi aceite a tua necessidade E a tua consciência sempre foi confundida
Adormeces com uma faca na mão, sabendo que nem sequer vais ter tempo para a usar.
Educadamente dizes boa noite ao clochard 
Ele farto de ti Saúda-te com um peido
Nem um deus mentiroso tens para confiar.
Agora fazes-te lembrar naquela velha música:

“Sitting on the dock of the  bay 

Watching the tide roll away”



,2015abr_0,22h-14aNTÓNIODEmIRANDA


sábado, 23 de janeiro de 2021

Almoço. Folhado de carne.

 




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ATÉ PORQUE

 

Continuo apaixonado pelas hipóteses 
não viáveis.
Até porque 
sonhar o possível será sempre uma 
atracção fatídica.
Até porque 
aguardo com a soberba da ilusão 
horas diferentes que amaciem possibilidades desconfiadas, preenchidas num formulário 
para o seguro do conforto enganador.
Até porque 
continuo com vergonha da glória 
imunda.
Até porque 
vou acabar por me achar no embrulho 
há muito escondido. 
Seremos muitos desta vez. 
Convidados e intrusos 
curiosos desocupados 
gentes  inquietas abanando sopros 
desavindos.
Até porque 
cansei dentro de ti 
toda as fadigas deixando um perfume 
que estranha a nossa pele. 



,2020Dez_aNTÓNIODEmIRANDA


DELICIAR A VONTADE

 

Chega-te a mim, como se fosse na tv.
Sem vergonha de mostrar a necessidade de ser feliz. 
Dança o amor que sempre falhou, mas não abandones a ousadia da diferença, que faz de ti igual a ninguém. 
Aguardo a tua chegada, escondido neste delírio envolto no nevoeiro da tua partida.
Nada sobeja para deliciar a vontade chicoteada no calendário dos meses falidos.
Há um coro sem vozes para lamentar a memória suja.
Um dedo estendido em contramão, a pedir boleia na auto-estrada da recusada esperança.
Não chores por mim.
Eu também nunca me achei. 



,2020Dez_aNTÓNIODEmIRANDA


CANÇÃO DO TEMPO ORDINÁRIO

 

Dei-te tudo

Mas

Tudo

Em

Nada

Acontecia


,2021Jan__aNTÓNIODEmIRANDA


sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

QUEIMAR DESGRAÇAS

 
Olhar triste neste acordar de sentido proibido. 
Um cálice de rosas vertidas na cor de sangue, 
para um céu que não me atende. 
Encontro o piano das teclas ensonadas 
que embalam as fantasias do caminho que não apanhei. 
Uma voz que não conheço, 
escreve que a esperança não deveria ter morrido desta maneira. 
Estou farto de abraçar candeeiros abandonados, 
e as mensagens que envio para nevoeiros confidentes, só me querem adormecer com ideias de plástico. 
Janela dorida, 
um sorriso como o teu, 
era o mundo que eu precisava. 
3 desdéns no bolso, 
1 bilhete para picar o futuro, 
um balançar não embaraçoso na corda bamba, 
um chuveiro de champanhe harmonioso, 
um tempo sem a vez de voltar atrás, 
um banho temperado  com soluços gotejados do teu sexo. 
Tudo é absurdo neste velório de aplausos.
Nada é importante desde que senti que a vontade fingia.


,2020Dez_aNTÓNIODEmIRANDA


2013JANEIRO_18 |TeatroCinearte - A Barraca : M.A.F.A.V Trio | Grande Música ! GRANDES MÚSICOS ! Foi um honra e enorme prazer ter partilhado com vocês o " DEAD ANGEL BLUES " . Mt. Obrigado.

 


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

The R̲o̲lling S̲tones - L̲et It B̲leed (Full Album 1969)

JJ Cale To Tulsa and Back 2014 1080p

Little Joe Lee - Lucky Lou

SIM!


Sim!
Sim!
Tudo é sangue nas palavras 
que nos banham.
Sal escrito nos versos,
acenos magoados
correm para a alma
da solidão.
Sim!
Obedecer,
procurar fingir não sofrer,
e, embrulhar o futuro,
na habitual covardia.
A ilusão é um verbo manhoso,
mostrando o convite mafioso,
para a vida liquidada com créditos
malparados.
É esta, a única sensatez
da nossa impossibilidade.
Oferecem-nos refugos para tudo!
Há que desconfiar de tanta
deficiência.
Sim!
Há sempre um sim,
vergonhosamente escondido,
à espera do fim.


,2020Jan_aNTÓNIODEmIRANDA


BUKOWSKI_OS CÃES LADRAM FACAS

 





The Pretenders - Back on the Chain Gang, live in London

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

NUNCA QUIS SER SÓ UMA COISA

 Se encontrares a minha coleira, não penses que a abandonei. Estou numa estrada anónima que conta histórias para me animar. Não sei que horas me faltam para chegar à felicidade. Não dou valor nenhum àquilo que de errado fiz, e, emendar hipóteses falidas, é uma ocupação que não me seduz. Estou no desemprego desse tipo de atracções. Nunca quis ser só uma coisa, nem completar a importância do nada. E no sonho que um dia me irá deixar, ficar por fim nos voos do sossego, como se fosse viajando escondido nas asas do desejo. Agora que o resto é o presente que me abraça, escondo o futuro no buraco da agulha, sempre pronta a infectar a minha vontade. Lágrimas derrotadas choram no vale das perspectivas selvaticamente feridas. Não posso gostar deste filme!
Recuso rever-me no écran, que sangra realidades em sanduiches com recheios de superstições malcriadas. Adormeço a luz, apago as centelhas desta maldita memória, pego fogo à ilusão.
Estou farto desta narrativa!
Prepara-te puta!
Estou pronto para matar a eternidade!
Amo-te porque não consigo odiar outra coisa.
Eu sou aquele - Que tu sabes 
- Que eu não sei.


,2020Dez_aNTÓNIODEmIRANDA


LEVI CONDINHO

 

















SEBASTIÃO ALBA__ESTAR COMIGO

 





sábado, 16 de janeiro de 2021

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

SOU UM CRISTO

 

Sou sempre um estranho 
neste espelho 
que julga que sou eu. 
Não tenho tamanho neste caminho 
e vozes emparedadas 
dizem-me palavras esquisitas 
como se fossem unhas infectadas 
cravadas na minha pele. 
Ninguém me acode 
neste rogo envergonhado 
beijado por chicotes poliglotas 
hospedados na angústia da minha espera.
Eu só preciso de viver, 
pelo menos até ao entardecer, 
neste harém que me desalojou.
Sou um cristo, 
filho de um deus 
surpreendido.  


2017,ago_aNTÓNIODEmIRANDA 

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

sábado, 9 de janeiro de 2021

EU UM DIA

 

Não sou fronteira de nada

De qualquer maneira

Não é o meu ser

Fogueira apagada

Não sei que fogo

Me deixou de arder

Apenas sou eu

De mim próprio

Sem sim

Eu

Viagem ainda não começada

Com bilhete de ida

Sem volta anunciada

Eu não melhor que nada 

Eu um dia

Para acontecer



_2014_aNTÓNIODEmIRANDA


ATÉ PORQUE

 
Continuo apaixonado pelas hipóteses não viáveis.
Até porque 
sonhar o possível será sempre uma atracção fatídica.
Até porque 
aguardo com a soberba da ilusão horas diferentes que amaciem possibilidades desconfiadas preenchidas num formulário para o seguro do conforto enganador.
Até porque 
continuo com vergonha da glória imunda.
Até porque 
vou acabar por me achar no embrulho há muito escondido. 
Seremos muitos desta vez. 
Convidados e intrusos 
curiosos desocupados 
gentes  inquietas abanando sopros desavindos.
Até porque 
provei - te num vinho de rosas 
e eras então a flor das flores. 
Até porque 
cansei dentro de ti toda as fadigas deixando um perfume que estranha a nossa pele. 



,2020Dez_aNTÓNIODEmIRANDA


sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

SANDWICH DE NAFTALINA

 Não seria o mais famoso dos cromos mas sem dúvida alguma era o único agente secreto que ruminava sandes de naftalina. Não por ser chique mas pela simples razão de tal acto amainar os incontroláveis vapores do seu rego. Uma conhecida corretora financeira ainda o tentou demover ameaçando-o com um considerável rating abaixo do estrume. Seguro de si próprio e com os índices de confiança elevados ao mais alto desnível conseguiu resistir a todos os assédios. Até porque mantinha a secreta esperança de um dia coordenar nas horas de ponta o trânsito ferroviário na ponte sobre o Tejo. Uma pequena questão pendente com uma brigada que amiúde lhe causava problemas lá para os lados da bagageira. Mantinha há longo tempo conversações avançadas com o sindicato e esperava a todo o momento o anal do secretário-geral. Até porque representava um conceituado ponta de lança disponível para uma hipotética transacção. Era sobejamente conhecida a sua ambição por uma estrela Michelin embora no seu pisa cocós fosse evidente a primazia pela Firestone. Mudar? Nem pensar! Havia um contrato a respeitar e nunca iria pôr em causa o patrocínio que tanto lhe custou a adquirir. A indústria química estava no bom caminho. Novos e prometedores mercados rolavam na via verde.
Cedo abandonou a carreira política. Não admitia que houvesse alguém que enganasse e roubasse mais do que ele.


,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

PORTOBELLO ROAD

 

Aquela manhã em Portobello
Não tinha o nevoeiro de Londres.
Aquela manhã em Portobello
Estava abraçada com sorrisos 
e beijavam-na todas as cores do mundo.
Perdi-me amorosamente na VIRGIN,
onde toquei em toda a música que amo.
Teso, como de costume, dizia então o poeta Paul Carrol, o que mais poderei fazer senão sonhar?
Muddy, Hooker, Sonny Boy, Robert Johnson e todos os outros, como sempre foram amáveis:
Deixaram-me um convite: até já.
Como fui feliz nessa noite, 
encostado ao tronco de uma árvore em Hyde Park.
Adormeci como se tivesse uma amante. 
Londres estava magnífica naquele Setembro!

,2015aNTÓNIODEmIRANDA

RONRONAR

 Estou escondido no espelho das horas lentas, 
como aquele gato, que de pinote em pinote,
tenta apanhar as borboletas brancas. 
Era só para brincar,
miava ele no meio de tanta desilusão.
Voltava todas as manhãs, 
e estendido na penugem da árvore habitual, 
ilustrava nos passos sem dança, 
a doce esperança de um dia divertir-se com elas. 
Mas, 
as borboletas eram somente anjos caídos do céu, 
e, 
desavindas pelo abandono, 
voavam desconfiadas. 
O gato voltou para o meu colo, 
e, dizia-se cada vez mais cansado. 
Vou ter que deixar de brincar. 
Lambeu-me a pata. 
Deitou-se no estirador do meu sonho. 
Ficou feliz com o meu ronronar.

2018Dez_aNTÓNIODEmIRANDA



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POEMA PARA O SENHOR EUSÉBIO

 Mais longe que o voo
Maior que o sonho
Simples e envolvente como se fosse destino
Era o poema 
Que alegrava o estádio
Era lindo esse caminho
Tantas almas gritando o seu nome
Cantando Rindo Chorando 
Contigo
Nunca caminho sozinho
E a sinfonia acontecia
Quando a bola beijava a rede
E os deuses sorriam
Contemplando maravilhados
A obra suprema
O mais grande de todos os grandes
Manto sagrado
Regado com todas as lágrimas
Que beijam o teu emblema.

2014.01.29_aNTÓNIODEmIRANDA



terça-feira, 5 de janeiro de 2021

GRAND BAZAR | ISTAMBUL,77

 Confesso que comprar uma mulher nunca me tinha passado pela cabeça. Fiquei tão surpreendido que nem consegui responder à proposta do turco. Foi assim a minha chegada a Istambul. Não gosto de mapas. Com pouco dinheiro, limito-me a caminhar ao acaso. Foi sempre assim. E não por acaso vejo outras coisas. Cheiros com vida e um velhote que tinha na pele todas as marcas deixadas por um cachimbo fumado ao longo de todos os tempos. Como eu gostei de o cumprimentar. Nada de palavras. Enchiam-me os ouvidos uma torre de Babel impregnada de sons que ainda hoje recordo. Lembro-me da persistência do vendedor de flautas, que queria a toda a força fazer uma troca pelo meu blusão de cabedal. Começou com uma e acabou com uma oferta de um saco cheio delas. Mas eu adorava a minha farpela. Nada feito. Mais tarde no restaurante ainda tentou mais uma abordagem, mas ficamos por aí. Istambul é diferente. Naquela sexta-feira, percorri ruas estranhas, e quando passei em frente a um quartel vi um militar a enfiar uma faca na barriga dum gajo. Rápido , discreto e supostamente eficiente. Apressei o passo, distraí o olhar, e fingi para mim mesmo que nada tinha acontecido. enfiei-me num jardim, e logo um dealer sentou-se ao meu lado, propondo-se vender uma barra de haxixe. Apresentei-lhe a minha condição de turista teso, e embora gostasse muito, não tinha a mínima hipótese de satisfazer o meu desejo. Enrolou uma barra tipo chewing gum e envolveu-a numa mortalha. Agradeço-lhe a simpatia de ter apanhado uma das pedradas do século.
Istambul é diferente. Naquela grande avenida, carros com cores exuberantes (alguém me explicou que eram para tapar as amolgadelas), misturavam-se com carroças num serpentear incrível. Não esqueci o meu estado, mas quando fiz uma festa no pelo do cão, tive como resposta um rosnar de um urso. Istambul é assim.
Passei em frente da Mesquita Azul. Juro que por mero acaso. Não sou muito dado a estas coisas. Acabei a noite num bar com malta de várias paragens, e a bebedeira felizmente não atrapalhou a minha chegada ao hotel de categoria mais que duvidosa. Para quem só dormia nos comboios, estações de caminhos de ferro e jardins, era o paraíso. Era o paraíso? Julgava eu, até entrar na camarata onde a nossas camas estavam ocupadas. Um judeu com uma meia de vidro no cabelo, ensaiava uma ladainha, e teimosamente exibia um papel onde estava escrito um número exactamente igual ao meu. Chamamos o gerente, um madié com cara de poucos amigos que resolveu o problema: pegou nos gajos e enfiou-os pela escada abaixo. Enfim, chegou a hora do merecido descanso.
No findar da tarde apanhámos o comboio para a Grécia.
Mas isso já é outra história.



,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA

John Lee Hooker And Van Morrison: "Baby Please Don't Go" (1992)

domingo, 3 de janeiro de 2021

OUTROS SONHOS ME ABALROARAM

 

Há quem viva embrulhado em mortalhas 
contemplado por velórios de longa duração.
Há quem pense no mal dos outros, 
e assim julga que aldraba a realidade que o condena.
Há quem morra logo ao nascer, e sem dar por isso, enrola as horas dos dias que fogem.
Mas, também existem aqueles que nada têm a ver com isto!
Há quem sorria a espelhos sem memória para oferecer.
Há quem chore salpicos de desespero quando a noite do tempo contado anuncia a sua presença.
Há quem pense que escapa do fim oferecendo à morte bouquets de gratidão.
Mas, também existem aqueles que nada têm a ver com isto!
Há quem se remedeie com as sobras e erga as mãos em busca do paraíso dos patetas.
Há quem esconda versos dos que se dizem poetas, e escreva nas veias a verdade dos insultos.
Há quem ainda aguarde com a esperança possível o comboio que nunca passou naquela paragem.
Há quem continue a falar para si próprio, mesmo sabendo que nunca se lembrará da conversa.
Mas, também existem aqueles que nada têm a ver com isto!
Há quem ajoelhe com todo o cuidado para não sujar a alma.
E há quem olhe com todo o respeitoso desdém para a nossa nojenta importância.



,2020Dez_aNTÓNIODEmIRANDA


sábado, 2 de janeiro de 2021

POLLOCK

 

Costumava dirigir a minha disposição 
para telas não supersticiosas, 
até que encontrei o “Jackson Pollock” 
a fotocopiar os meus pincéis.
Embrulhei-o no cavalete depois de 3 salpicos, 
e pendurei a sua surpresa no lugar mais atrevido 
da galeria.
Fugi o mais rápido possível para os abraços 
dos “guardiães dos segredos”. 
Nada quero com os cordelinhos da fama. 
Por isso ofereci-lhe um “Moby Dick” 
como prova de um afecto inexorável.
Deixei a fortuna num banco que nunca frequentei.

,2020Dez_aNTÓNIODEmIRANDA