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quarta-feira, 12 de agosto de 2015

ALMA DESERTA

Já os cães não reconhecem o meu andar.
Sorriem-me com a vontade de um escarro.
Sinto-me crucificado.
Teias de aranha fazem-me um abrigo onde me
escondo das horas difíceis. Serei agora a mais
frágil das flores de estufa?
Está na hora de queimar a poesia!
Não passa de estupidez o acto de escrever,
embora seja preciso fazer qualquer coisa.
Não se pode evitar. Sou com todo o desassossego
parte de coisa alguma, agarro os tijolos da melancolia
e construo assim as minhas intimidades.
Pinto-a com relógios perdidos,
onde as horas são menos mentirosas.
Espera-me um quarto gelado com lençóis cujo cheiro não reconheço.
Adormeço ao contrário com os pulsos atados como se fossem tristeza.
Estendida no arame, há roupa suja com cheiros que enjoam o vento.
O pecado não foi meu. A morte da beleza soa melhor em italiano.
Molhado em mim próprio, tento secar a escuridão que me encharca os ossos.
Há lembranças que embaciam espelhos,
há silêncios ruidosamente inconvenientes,
há beijos que nunca irão tocar lábios
e mãos tão enroladas que nunca provarão a pele.
Há coxas por afagar,
desejos expectantes aguardando uma só oportunidade.
Promessas ainda à espera de boleia.


.2015aNTÓNIOdemIRANDA

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