Acordava com o chiar dos pneus do camião da recolha do lixo.
Deitado no passeio do seu infectado e frio destino,
olhava aquelas luzes penduradas na vidraça riscando sons
que há muito deixara de ouvir.
Sossegava o pacote de vinho, já vazio,
com a secreta esperança dos dias com menos azar.
Já não tinha tempo para sonhar.
Há tanto que lhe perdera a memória.
Enrolado em trapos sem qualquer desejo,
tentava ajeitar o sono naquele livro que o deixou tão só.
Já não conseguia chorar,
Nem lembrava a esperança que um dia julgou o iria tornar gente.
Benzeu as meias tão rotas
como as botas que agora calçavam o mundo.
Tanto tempo que ele esperou pelo seu remendo!
Não há conversa neste espaço sempre tão longe
daqueles que fingem não se sentir sós.
Espera a sopa solidária com aquelas palavras
que lhe aconchegam uma tristeza sempre sentida.
Ninguém repara em si, nem
na etiqueta que orgulhosamente sustenta,
nada de saldos, nem promoções, nem ocasiões especiais
e nunca oportunidades únicas para desfazer a diferença.
Nada cabe neste seu mundo!
Guardou o recheio da carcaça,
como sempre, para oferecer ao seu companheiro.
Uma lambidela,
Um bafo abraçado, A única de todos os tempos,
Aqueceu as lágrimas que nunca foram culpa sua.
Agora que vou morrer,
Quem é que vai amar o meu amigo?
Era esta a sua mágoa!
O único medo da sua
SOLIDÃO.
2016,12_20aNTÓNIODEmIRANDA
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