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segunda-feira, 31 de maio de 2021

MEMÓRIAS DE UMA BEATNIK


Eu e a Diane Di Prima
Num quarto escuro
E com a televisão apagada.
Não me lembro!
Será que foi mentira?
Queimámos artifícios de poemas,
e com a ajuda das barbas do Allen,
escalámos uma parede do Chelsea Hotel.
Lá para os lados de Brooklyn,
Timothy Leary procurava fósforos ungidos,
para aquecer a neve que lhe fugia dos pés.
Em Central Park,
esquilos simpáticos ofereciam rugas do velho jazz,
embrulhadas em papel de amendoim.
O sol acordou tarde naquele dia.
Tinha estado numa jam com Charlie Parker.
Eu e a Diane Di Prima
Num quarto escuro.
Há invenções
que me permitem
o sonho. 



,2017mai,aNTÓNIODEmIRANDA


GERALMENTE


Claro que me engano!

Geralmente

É 

De 

propósito


,2017dez_aNTÓNIODEmIRANDA


ENVIESAVA O DESTINO NA VIA-SACRA


Pensou todo o tempo.
Numa raiz apodrecida e raivosa até mais não, conspurcada por cem anos de solidão.
Como seria levantar-se neste torpedo de pólvora prateado com genuínos golpes de pratex e as mãos cavadas pelo bocejar com que julgava iluminar os dias seguintes?
Não se lembrava da dor mas sentia cada vez mais a lâmina da sua presença.
Enviesava o destino na via-sacra que com ele falava na catedral dos encontros imediatos.
Tanto caminho sem eira nem fim, tanto percalço solitário, tanta paz desalmada, todo o desassossego bebido.
Não há moedas para esta contrição, nem pecados para disfarçar este medo.
Pensou aquele tempo quando as amoras lhe ofereciam os mais puros dos sangues que lhe bebiam a sede.
& Mirando estrelas curiosas que só queriam a sua amizade, por vezes chegava a pensar que afinal tinha existido.


2017fevaNTÓNIODEmIRANDA


OS CHAMPS ELYSÉES

 


Os trapos esconderam os soluços do amanhecer que puderam finalmente dormir aconchegados em papéis de milho, velha memória dos gitanes que adorava fumar lá em Paris onde amparei lágrimas estúpidas que nadavam em formol climatizado debaixo daquela ponte onde enrolado no saco cama escondia o medo de estar sozinho num mundo que então eu pensava que tinha gente.
Paris não era um lugar qualquer. Tive sempre o desejo de a amar. Encostei-me sempre que pude aos seus encantos e na espuma do Sena no modo mais jeitoso fecundei a minha imaginação colorindo decalcomanias com um spray propositadamente tóxico para que os saqueadores do tempo não inflamassem as luzes que ocupavam o resto de uma oração que adormecia antes de mim. Paguei uma "demi" à roda do infortúnio e Grappelli discretamente agradeceu-me.
Naquele domingo fui parar à Notre Dame e o meu bom desempenho no Português conseguiu alguns francos que mais tarde em Montmartre entreguei a uma Edith com olhos tão vítreos que me fizeram acreditar que choramos juntos.
Mais tarde contaram-me que uma esmeralda percorria desalmadamente os Champs Elysées à minha procura.
Mas isso nunca teve nada a ver comigo.
Abraçava outras canções no Beaubourg.


,2016,04.aNTÓNIODEmIRANDA


sábado, 29 de maio de 2021

Poesia às Quintas – com Miguel Martins – 227ª sessão | Quinta-feira às 22:30

 MM lê “O Mar: sons do Oceano Pacífico em Big Sur”, de Jack Kerouac, em tradução de Paulo Faria.
A seu lado, essa maravilhosa formação de marujos, embarcadiços e pessoal da estiva que dá pelo nome de Sec’Adegas.
Imperdível.
Quem não aparecer é porque só bebe água do Trancão.
Provisoriamente em Portugal, SEC`ADEGAS irá apresentar alguns possíveis artefactos musicais da lomba sonora do último Bi-Nyle :
$ NU ME QUILHES, PÁ! $








quinta-feira, 27 de maio de 2021

Muddy Waters - Walking Thru the Park - ChicagoFest 1981

THE DOORS- GLORIA- dirty version

muddy waters all aboard

The Rolling Stones - Miss You - Live 1997

The Rolling Stones - Harlem Shuffle - OFFICIAL PROMO

Keith Richards - "Cocaine Blues"

Leonard Cohen - You Want It Darker (Audio)

You Know Who I Am (Live)

segunda-feira, 24 de maio de 2021

TENDE CUIDADO!

 

1.
Um outro tempo com um mundo diferente sem mentiras arrepiadas nem uma qualquer solução alcalina para afagar a pele dos sentidos. 
Um choro descarnado da dor, um sussurro tenro, amigo de uma paz não apaziguada em cocktails que não fervem. 
Talvez uma esperança permanente e um grito um só grito infinitamente eficaz como se fosse altura sem arreios para a desenfrear
2.
Escrevo-te com todos os erros que me roubaram nesta ortografia corrigida com as estrelas que agora caiem nas minhas mãos. 
Não gosto deste arrastar sem som, nenhum paladar procurando um crédito acessível, num código sempre pronto para me abusar. 
A primeira noite depois da despedida é a mais verdadeira. 
Os dias seguintes prometem um descanso que irá ao longo do tempo temperar a saudade.
Aceito a morte. 
Aquilo que ela mais tarde me transporta é um relógio que não consigo acertar. 
Mas as palavras só valem o que valem. 
Todas as lágrimas inventadas escorregam na gentil indiferença da tampa do caixão. 
Vamo-nos gastando porque vivemos o tempo que nos convém para celebrar angústias nesta panela. 
Só há uma escolha: 
respeitar a dignidade daqueles que sem querer nos abandonaram. 
E isto implica sempre uma obrigação. 
Nada de desculpas. 
Só amo aqueles que me respeitam.
3.
Outro mundo que me escreva boas notícias. Com açoites para as nuvens que me enganaram e suspiros cor-de-rosa para entupir as artérias da horta biologicamente certificada. 
Um dissolvente inteligente que queime a intenção das disposições estúpidas. 
Um circuito magnetizado nunca desconfiado da cabidela dos maus fígados. 
Uma fotografia sem ausências e um relatório colorido anormalmente identificado e com todos os pormenores da nossa continuada avareza.
Tende cuidado!
Agora mais do que nunca.




2016,12aNTÓNIODEmIRANDA


COLETE

 

3.000 : Não Chegam!

4.000 : Não Bastarão!

Não há números para tanta vergonha!

Nojo!

Tenho nojo desta realidade

que me põe constantemente

em guerra

com tanta falta de humanidade!

Não se pode nunca

respeitar a VIDA

com tanta falta da sua consciência.

Comovemo-nos quietamente

com imagens eventualmente chocantes

como se o chegar 

possa possa depender de 1 colete.

O choro desta gente

não pede o último modelo de coisa alguma.


.2015aNTÓNIODEmIRANDA 


A CONDIÇÃO DO TEMPO

 

Tentou seguir a estrada numa réstia de via láctea embrulhada em delícias de nitroglicerina. Abençoou o caminho feito sem destino na auto-estrada onde ninguém aparece. Guinou para qualquer lado assim como a despedir-se dos velhos carreiros que tanto o acompanharam. Desligou o voice mail e enterrou para sempre a indignação. Acendeu os faróis que nunca lhe alumiaram a vida e seguiu em frente para o lugar onde nunca tinha estado. A vida fez-lhe a ferida num corpo calejado por todo o desejo aleijado.

Teve pouco tempo.

E gastou-o todo com um sorriso.


2016,12aNTÓNIODEmIRANDA


domingo, 23 de maio de 2021

A GAIVOTA MORREU PASMADA NO AREAL

 Agora sou um apêndice a descansar na prateleira x de uma qualquer estante no museu nacional da ternura amiga. Sou mostrado em aplicações com detalhes da minha não autoria. Uma relação sem causa nem efeito. O que condiz comigo não tem qualquer avaliação. Sou agora a espécie com agente de todo o tempo sem verdade, escrevendo os dias difíceis aparamentados nos corredores onde não tenho lugar. Tudo é tão longe nestas selfies mal paridas com que pensamos ilustrar a saudade que já não nos pertence. O mais que nos interessa não passa de um lugar onde penduramos desejos, um foyer descamisado com um cabide com o número previamente determinado.
Convite de uma promoção tão enganosa como a falta de interesse com que nos esquecemos. Voltem sempre, é o habitual agradecimento daqueles que fazem de nós pacóvios. Esta é a viagem inútil, do imenso roubo que nos dobrou a espinha tornando-nos fantasmas sem a alegria da ficção.
Oh terra minha, que tanto me atraiçoas, não me consideres ainda tua pertença. Não posso cantar-te nem nos cânticos paridos com prantos de alguém que gentilmente ousou acreditar em ti. Nada sei do teu carma, nem do marujo que o enterneceu.

A gaivota morreu pasmada no areal.


2016,11aNTÓNIODEmIRANDA


SOU UM CRISTO

 Sou sempre um estranho 
neste espelho 
que julga que sou eu. 
Não tenho tamanho neste caminho 
e vozes emparedadas 
dizem-me palavras esquisitas 
como se fossem unhas infectadas 
cravadas na minha pele. 
Ninguém me acode 
neste rogo envergonhado 
beijado por chicotes poliglotas 
hospedados na angústia da minha espera.
Eu só preciso de viver, 
pelo menos até ao entardecer, 
neste harém que me desalojou.
Sou um cristo, 
filho de um deus 
surpreendido.  


2017,ago_aNTÓNIODEmIRANDA 


O CÉU NÃO É LUGAR QUE ME ESPERE


O céu não é lugar que me espere.
30 cêntimos na algibeira, 
uma harmónica enferrujada,
guitarra velha companheira
de uma alma envergonhada
& Blues que choram comigo.
Estou no caminho da tristeza.
com curvas sexy 
e doces olhos cor de fel,
escorrendo numa escala atrevida
o olhar que de mim se vai despedindo.
Noites enroladas em bancos de jardim, 
um saco pesado com nomes,
um quadro escrito que pensava 
que tinha o tempo na mão, 
e memórias alisadas com folhas 
de lixa de água. 
Eram os meses com manhãs obrigatórias 
em que encharcava a barba mal parida 
com ternuras de Old Spice.
Risca ao lado para disfarçar o enfado, 
gravata com nó elástico, 
e um caminhar absolutamente absurdo 
para encher de frustrações 
o depósito diário de 7,35h.
O céu não é lugar que me espere.
Repito nestes velhos acordes,
um voo para nenhures
até que não sobre um osso desta tristeza.


2017,ago_aNTÓNIODEmIRANDA 


7

 

Medos vestidos de borboleta assolaram à porta do paraíso e mentiram 7 discursos do mais ousado fingimento.
Quem os escutava sorria sem qualquer interesse, para o ocaso mais próximo.
Vénias foram exumadas em memória dos 7 anjos ebriamente contemplados.
Depois o éden fechou as portas para reservar o direito de intromissão.
Pragas foram canonizadas num delicioso churrasco saboreado por convidados espaciais.
Na hora da despedida, todos cumprimentaram alegremente a sua não identidade.
Sóis pintam as alturas com tons desconfiados, e não se importavam quando o mijo caído do céu, esborratava os seus poemas.
Poetas descalços distribuem poesia à boleia de 7 estrelas expulsas da constelação de Hollywood.
Velhas máquinas de escrever disputam entre si, 
o mais celestial cântico do teclado.
Murros mantêm a secreta esperança, de socarem num rápido knockout, uma delinquência a quem chamam humanidade. 


2017set_aNTÓNIODEmIRANDAVila Chã


sábado, 22 de maio de 2021

NOITE UNIPESSOAL

 Pus a memória num aquário 
mas sinto que ela não gosta 
das migalhas que lhe ofereço.
Espera-me um duelo onde 
toda a minha batota será derrotada.
Vou mimando 
o engano do mundo
fingindo sempre
que o consigo vencer.
Guardo na cabeça este vício
Como se fosse uma maldosa transfusão
que percorre as minhas veias.
E engulo pastilhas para a depressão arterial.
E estou preocupado!
Deveras preocupado,
porque já não consigo
o desespero de alguma lágrima bondosa.
Agora é esperar
que a noite unipessoal
se embrulhe nos lençóis.


2016,11aNTÓNIODEmIRANDA


SAMBA DE UMA NOTA SEM DÓ

 

Tristeza não tem fim.

E

Estupidez

Também 

Não


,2017dez_aNTÓNIODEmIRANDA


VENENO

 Segura a faca

Agarra o veneno

Ninguém derramou sangue por ti

Despeja o nojo

Que dizem que és

Soletra a palavra esquecida

Da canção favorita

Faz isso sempre que te apetecer

Não chores lágrimas que não te pertencem

Não acredites no perdão oferecido

Agarra a faca

Segura o veneno

Por vezes são difíceis as horas de tentar

Os lamentos que mentem

As mentiras que não sabem enganar.

Corta o veneno com a faca

Talvez esta história não seja a tua.


.2014_ aNTÓNIODEmIRANDA


vELOCIDADE

 


quinta-feira, 20 de maio de 2021

Conjunto António Mafra - Sete e pico

Paco de Lucia y Pepe de lucia - Sólo quiero caminar (tangos

Paco De Lucia, Al Di Meola and John McLaughlin live in Modena

Bob Brozman & Djeli Mousa Diawara - Maloyan Devil

Bob Brozman : Love In Vain

A ÚLTIMA PARAGEM

 

#
Ponteámos todas as cores dos sonhos.
Sossegámos as possibilidades das angústias.
Esperei por ti num futuro desalinhado. 
O que me ofereceste?
Um passaporte tingido na mentira da sorte,  
triste como o céu que me abençoou.
Meu amor, 
quem dera que tudo o que em ti houvesse, 
fosse no verbo que soprava o que de mim fingia existir.
##
Estou no lugar onde te perdi. 
pensei que seriamos apenas um.
Já nada de nós consigo lembrar, 
nem mesmo um sorriso para disfarçar o tempo que prometia a tua presença. 
Nunca fomos nós, embora esta paragem
enfeite a teimosia  que tento não identificar.
###
Quieto nesta dor, navego memórias. 
Sempre soube daquele nome, com demasiadas mágoas para ser chamado por um coração arrependido.
####
Claro que podes falar, 
agora que pinto as noites da nossa mentira. 
A revolta que quero enganar já não funciona. 
Apodreceu no dilúvio improvável da solidão.
#####
Preso para sempre, em torno da lenta agonia pela qual os fantasmas do passado entram, há um rosto cheio de tristeza, que amadurece o sofrimento das noites que morrem sem luar.
######
Exilado na paragem voltada para o infinito,
aguardo a bandeira do fora-da-lei

,2021Maio_aNTÓNIODEmIRANDA

terça-feira, 18 de maio de 2021

Desert Blues - Félenko Féfé

A VERDADE É QUE NÃO SE CANSA DE MENTIR (Algés)

 

Vejo uma mulher gritando na rua,
a espalhar a sua desgraça. 
Um carrossel triste, 
de máscaras vestido com esperanças a fingir, 
oferece garrotes para as boas-vindas 
na chegada ao inferno.
O que resta?
Subtrair a dor do viver.
Rasgar meticulosamente as memórias nefastas,
Tentar soletrar
um verbo verdadeiramente
Mentiroso.
Repudiar
o presente que aperta o tempo.
O futuro, dizem os especialistas, 
continua a prometer dias melhores.
A verdade é que não se cansa de mentir.




,2021Mar__aNTÓNIODEmIRANDA

domingo, 16 de maio de 2021

ORGASMUS

 

Há os que fodem tudo

aqueles que gostavam de foder

os que nunca fodem

e os que ficam a ver

os que nunca foderam

os que gostariam de ter fodido

os que fingem que foderam

os que um dia foderão

os que da foda fugiram

e os que gostam de ser...


,2017dez_aNTÓNIODEmIRANDA


PHOTOMATON

 

Sou aquele 
Que pensas que conheces
Mas não me alcanças
Quando caminho sobre o arco-íris
Sou como um rio
Tortuoso 
Fugidio
Anjo ferido
Esquecido
Nas tuas preces.
Alegoria imperfeita 
Ângulo sem bissectriz.
Prescrição sem receita
Embrulho que se deseja
Oferta disponível
Do optimismo possível
Sou o que quero
Nunca o que querem que eu seja.


dezembro6.2010_aNTÓNIODEmIRANDA


sexta-feira, 14 de maio de 2021

APENAS UM SONHO

 
Oh vida! É maior, é maior o desencanto. Sou eu no canto, à procura daquela lágrima no centro das atenções, espalhando as cinzas da memória e o que resta da minha religião. Falei demais, nunca disse o suficiente de cada sussurro, de cada hora do sonho, onde escorrem as minhas confissões.  Havia ainda lágrimas douradas a sangue. Era uma conjugação perfeita. Os astros estavam distraídos. Os poetas ausentes, os intelectuais encardidos. Havia ainda os afro arrependidos, havia curiosos, havia mentirosos puxando o lustro aos sinais luminosos, havia tudo o que falta não fazia. Todos os  sentidos com  tristeza e fome, havia tudo sobre a mesa, havia a perfídia do homem, havia ainda a loucura instalada servida em doses abundantes de salada. Havia o resto e o nada. Gumes afiados sangrando a cereja no topo do bolo, havia todo o juízo para quem quisesse ser o mais tolo. 
Havia eu e o meu nada.  
Mas isso era apenas um sonho.
Isso foi apenas um sonho.

,2015aNTÓNIOdemIRANDA

quinta-feira, 13 de maio de 2021

AGORA ELA PERCORRE A ESTAÇÃO DOS SALDOS

 

Pensava que estar ao contrário era suficiente.
Nunca chegava ao fim e perdia-se na procura do caminho, com passos que marcavam a encruzilhada.
Cosia demasiadamente as ideias, queimando sempre a tentativa mais simples.
O psiquiatra só a queria comer e prometia-lhe a cura numa fria salada de delícias do mar.
Mas ela duvidava, sempre que a ocasião era chegada.
E despia-se em ousado ritmo de strip-tease, para que ele não duvidasse nunca da sua vontade.
As melhoras tardavam e o período constituía assim a sua desculpa.
Mas ele queria. Insistia. Insistia.
E chegou assim o dia prometido.
Beijou-o quentamente numa língua apaixonada com sabor a comprimido.
Deu-se mal, pois então!
Mostrou uns olhos estranhos, um respirar dificultoso e apareceu no canto da boca uma espuma que não parava de crescer. Alguns peixes ainda tiveram tempo para fugir, mas um tentáculo distraído, foi dormir a sesta numa cama abraseada. Nem o branco gelado, prontamente servido, o salvou.
Agora ela percorre a estação dos saldos, à procura de uma lingerie enviuvada. E de cada vez que a experimenta, lembra-se como ele gostava do vermelho, que agora lhe beija a pele.

Melides,2016,07aNTÓNIODEmIRANDA

A BALADA INCOMPLETA DE JURUMIAS TEMTEM

 Jurumias dizia
Nunca tive um dia
Sem alegria
Quão feliz
Ele não se sabia
Desabafava com os seus feijões
Ignorando desenfreadamente outros sabores
Jurumias mentia
Quando na carta escrevia
Nunca tive um dia
Sem alegria
Agarrado à telefonia
Fingia que ria
Quão triste
Só ele se sabia.

,2016,aNTÓNIODEmIRANDA

A ARTE DE MERDITAR

 

Enjoou do lótus
e escolheu o Ferrari.
O Datsun tri S
roído de inveja
arranhou com a 4ª
todos os sentidos proibidos.
O incenso
indisposto
optou por queimar-lhe
o único pau da inteligência.
Encontrou a alma gémea 
numa  cabeça de fósforo
com saudades do último
mantra em Paris.

,2016,04.aNTÓNIODEmIRANDA

A NOSSA SENHORA _ 13 de Maio

 


segunda-feira, 10 de maio de 2021

TENHO INVEJA DA COZINHA DE MANHUFE

 

À 2ª os museus estão fechados.
É o nosso dia favorito para o picnic das confidências.
Olho para o Amadeo e falo-lhe da Vieira que tive nas mãos. 
Fita-me abrindo os olhos no meio daquela partida de xadrez, como que a dizer: és um gajo sortudo. 
Relembro a memória e agarro o repolho vermelho do Eduardo Luíz.
Há que ter calma. 
Só quero saborear aquele verde “pistache” do Mário Botas. 
Sorrimos um para o outro. 
Gosto da nossa malandragem, aponta ele. 
Ok. 
Tenho inveja da cozinha de Manhufe, atirei eu, em forma de convite. 
Timidamente escondeu-se  na viola, e ofereceu ao céu as cores que lhe faltavam. 
Os galgos farejaram o nosso delírio e deitaram-se com o único deus que os soube criar. 
Amadeo, saiu da tela, limpou os pés no pincel, e levou a cabeça do Santa-Rita para o passeio das horas sem tempo.


2018Dez_aNTÓNIODEmIRANDA


sexta-feira, 7 de maio de 2021

VOZES DE BURRO CHEGARAM AO CÉU

 

Fora da minha cabeça há um circo que entretém a estupidez. 
Na bancada dos náufragos adoptados, 
uma onda de risos sem nexo, 
oferecida por palhaços alegremente vestidos com lantejoulas estagnadas nas filas do desemprego. 
Fora da minha cabeça há um mundo panado com goma-arábica, um bailado de conveniências embutidas em mentiras, gráficos que já nada conseguem disfarçar, estatísticas moldadas num gourmet desesperado.
Não cabe na minha cabeça o rol de dependentes do Futuro Empenhado.
 
Vozes de burro chegaram ao céu.


,2020Dez_aNTÓNIODEmIRANDA