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sexta-feira, 16 de outubro de 2020

O ANJO AZUL

 Não sei que dias têm estas horas.

Há muito que detesto a imposição do tempo.  

No orvalho que vivo, aqueço sempre que posso 

a fugaz presença do pretenso lamento. 

Agradeço amiúde a possibilidade 

de continuar a ser eu, 

malgrado todas as ausências 

do mais sentido de mim. 

Corro com o momento 

no passo por nós permitido. 

Às vezes sem sentido. 

Quase sempre desafinado. 

São só músicas minhas a mania deste meu fado. Não procuro nada de novo. 

Tenho de conhecer aquilo que ignorei. 

Gosto da solidão amigável. 

Houve momentos em que estive na minha cabeça 

e logo pensei que não envelheceria. 

Abafava os egos com quezílias de canela 

e limpava a memória com esfregões impregnados do mais audaz after shave. 

O creme de barbear cansado de tanto esperar, 

não falhava um único conciso golpe, 

roído de ciúmes pela importância de uma lâmina desconhecida. 

Era sempre pela manhã que partia perene 

para a viagem habitual. 

O anjo azul fumegava na velha tv. 

Lampiões com asas pregadas no chão 

agarrando películas do metro 

antes da meia-noite. 

Era no tempo em que fingia telefonar, 

visitando as cabines envidraçadas 

só para afugentar o frio.

,2017jan_aNTÓNIODEmIRANDA

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