Tenho
de ter cuidado, não mostrar ar desconfiado, a polícia anda por aí.
Caminhar descontraído, fingir que não estou fodido, ter um aspecto
decente. Não votei no presidente. Não tive vontade nem
esquecimento, acelerei na consciência um esquentamento, e a puta da
certeza da vontade de um povo com estímulo salazarento. Tenho pouco
dinheiro e um caminho cada vez mais longo e difícil, que não sei,
me levará a casa. Estou no supermercado, constantemente admirado
pela frequência ilógica de pessoas que não alcançam o meu cheiro.
Não ouço muita música clássica, mas monto bem qualquer bicicleta.
Não sou bom no skate e devo dizer que nunca tentei a trotineta. Sou
um atento conversador, e preencho bem histórias de amor
estupidamente proibidas. Improviso destramente situações húmidas,
difundo alguma curiosidade sulfatando ideias, e sei desde há muito
tempo, que os ventos do medo quando nos gelam a face, não conseguem
mostrar qualquer caminho. Não nos dão um só sabor para provar, e
servem-nos a costumeira desilusão numa bandeja tão fria como a alma
que gostávamos requentada. Caminho por aí ao acaso, quem me dera
estar onde não estou, ainda não achei o passo desenhado no
compasso, e é sempre verdade que nunca me quis passar por alguém
que não eu. Comecei muito novo a ver drogados, que tiveram na
seringa a heroína errada das histórias mal-intencionadas. O bem e o
errado convivem amigavelmente, e vontade e mentira fingem uma
aparência pacífica. O caminho da luz, aquela enganadora sedução,
induz o sim apropriado disfarçando o verdadeiro. Não há quem, em
ruas que cortam, ande à procura do amor com passos gelados, onde
escorrega a dor, e fique admirado por lágrimas incendiadas guardadas
na última algibeira. Ainda chora a ferida sempre acontecida.
Embrulhámos a solidão num cachecol para agasalhar o caminho sempre
difícil. E, vem à memória um solo da guitarra do Lou Reed, o amigo
que conseguimos lembrar. Nada às vezes não é pouco, basta aquilo
que nos acompanha na vontade de fugir. E há esquinas tão curtas,
sempre oportunas para nos ajudar, para o pulo que nos põe a memória
num tinteiro à espera da pena para as escrever, num papel de sangue,
pluma insensata, sem data exacta para o deve sem haver, agora que já
tenho tantos anos para caberem num satélite, que por demasiadas
vezes já foi observado na tv. Mas as luzes acabam sempre por se
apagar. E eu que tanto gostava de continuar a ver este filme, que
nunca me deixa arrependido. São os brilhos do cansaço, ou aquilo
que não serei ainda mais, ou esquecidamente uma vontade não
conseguida de voltar a ser criança. E são agora, poucos os soluços
para caminhar esta vontade pintada num camarim, onde as estrelas
estão sempre fingidas. Talvez uma vez mais não haja nada para
dizer. Talvez as minhas coordenadas não sejam as correctas, e a luz
branca nada possa encontrar. Talvez a minha carne não seja
apetecível, o meu cérebro esteja confuso, o piloto distraído não
atinou com o fuso, e eu normalmente no último andar, disponível
para uma queda vulgarizada. Só tenho a luz branca para me guiar.
Nada
de especial aconteceu! Só estive a ouvir Rock`N`Roll.
2016,01
aNTÓNIODEmIRANDA
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