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quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Garoupa! Obrigado, Srª. Jú. PESCACERTA

 



DESPEJO ABRAÇOS NA LUA DOS SEUS OLHOS

 


São 4 da manhã.
Digo um até logo aos livros. 
Está na hora de acalmar um passado ansioso, 
o futuro da esperança duvidosa, 
e , 
diluir gentilmente a subtileza
no copo da tristeza cansada de mentir
opções requentadas.
Está na hora de me esconder 
no tapete dos voos sem fronteiras,
e aconchegar-me nos lençóis que me contam 
histórias dos amigos que partiram, 
e que continuam a deixar prendas 
nos meus cabelos cinzentos.
Despejo abraços na lua dos seus olhos, 
só porque o que nos aproxima, 
ainda dorme no relento da torre da amizade.


2019ago_aNTÓNIODEmIRANDA


quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Eduardo Galeano #AS PALAVRAS ANDANTES#

 





ETNOIDEIA - MOÍNHO DE ODEMIRA









 

NEM QUE ME DESSEM TUDO O QUE VEJO

 


Visitar o tempo, untar-lhe as entranhas assumir a verdadeira importância que me cabe, desembaraçar-me nas escolhas e algumas vezes manchar memórias que  apertam os braços quando na cabeça tenho degraus que me injectam a subida. Separar o trigo do nojo, furar o bojo e animar uma alma súbita que não fuja tanto assim. Assim posso crer em tudo e às vezes talvez em mim. Mas mostro-me sempre ocupado nas minhas aparições, onde me vejo tão mal naquelas fotografias depois da validade configurada a um prazo previamente anunciado. Terei que estar mais atento?
Vou sintonizar a perspicácia para uma opção mais capaz. Não me apetece nada discutir dialética, até porque não tenho jeito para a fonética e o pavio meu fiel companheiro teima em não ficar curto. Estamos a falar de coisas simples e eu não quero complicar a minha identidade. Longe alcançam algumas marés a secura das minhas lágrimas molhando uma areia desajeitada com sobressaltos de sangrias amorosamente ressequidas. 
Também estou farto de lamber retratos de gente muito mais feia do que eu. Pois, devia tentar mudar, aceitar… 
Reconhecer uma diferença que não me dignifica é uma das perdas de tempo que orgulhosamente só, nunca praticarei.
Sou assim! Não partilho outra maneira.
Nem que me dessem tudo o que vejo.


2016,08aNTÓNIODEmIRANDA

A DIVA DA MEIA-NOITE

 


A diva da meia-noite, 
enroscada na écharpe 
entornava o caldo da voz ensaiada 
para mostrar que sabia de poesia. 
(Pobre poeta que tanto sofria
naquele ronronar de gata fria 
em telhados de zinco ferrugento
).
E aquilo que se ouvia 
era tudo menos o poema, 
enquanto a lua borralheira 
encenava um novo folclore 
que ninguém entendia. 
Estendidas no sofá da virtude adormecida,
a folha e a caneta desconfiavam 
desta anomalia assim surgida. 
O poeta na sua cara de silêncio entupido, 
solta um mudo gemido 
e um ai surdo nesta fala de absurdo 
elegantemente pretendida. 
E conversa animadamente 
com o copo com vinho que o irá confortar. 


,2017mai,aNTÓNIODEmIRANDA



terça-feira, 29 de agosto de 2023

SÁBADOS FERIDOS

 


Não sei a idade da tua fotografia,
nem o endereço do teu sorriso.

Porque não me deixas aqui,
na lua das noites dos sábados
feridos?

Estou farto de partir as horas,
nesta pedra dos encontros adiados.



2018Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


A MALA

 


Letra a letra, memorizo nesta velha folha tão amarelecida como os passos que me cansam, sensações pintadas num cenário cúmplice com sugestões para um envelhecimento pretensamente feliz. Continuo a lembrar-me de coisas tão idas, como o simples esticar do dedo na esperança de uma boleia, que só acontecia para não desmoralizar a minha expectativa. Lembro-me de caminhadas feitas debaixo de candeeiros já a dormir, naquelas estradas onde os mochos entregavam sonhos ao domicílio. Piar amigo que nunca se enganava na árvore onde me encostava para escrever cartas a um céu desconhecido. Sozinho no meu medo habitual, na fome que fingia não ter, no sono que me apetecia, e na imaginação da minha cama, que tanta falta então me fazia. Há uma hora em que a noite pinta de frio, o mais bonito dos sonhos. E eu desenhava poemas para encher a velha mala de couro, fiel companheira de todas as minhas viagens. Trocávamos abraços de cumplicidade e nem sequer eram necessárias palavras para celebrar o nosso contentamento. Confortávamos a nossa presença com sorrisos de amizade autêntica. Liamos um para o outro, páginas do “ON THE ROAD”, poemas do Ginsberg, Ferllingethi, e cumprimentávamos as estrelas que nos contavam histórias escritas pelos anjos da desolação. Dormi o descanso do meu contentamento muitas e muitas vezes, nos comboios. Fazia a barba em frente do espelho do wc de uma qualquer carruagem, e nunca deixei de ser feliz. 
Nada de mim ficou por fazer. 
Nem sequer uma vírgula fora do lugar.
Vivo agora na plenitude daquilo que fiz por merecer.



2018Abr_aNTÓNIODEmIRANDA

MEMORY

 


Não tenho a faca não gosto de queijo, só uma colecção de corta memórias fatiadas. Facadas em todas as costas cozinhadas em tons gourmet. Alguém sentado à minha direita, isto é do lado errado, mostra-se num ângulo cego, atropelando-me a marcha atrás. Dizem por lá que poderá ser bom rapaz. Mas continuo a não atinar com a mudança. Estou empanado! E tenho a plena consciência que não sou capaz. Só me apetece uma corrida a mil sem horas convenientemente anunciada no Borda d`Água. Na sessão da meia- noite, ressona na poltrona o filme da minha vida. Por vezes, e para não o acordar, chego a pensar num outro realizador. Mas, as discussões abertas à definição da minha probabilidade continuam a não me dizer respeito. Não me apetece mudar de inventário. Dispenso esse trabalho. Contudo irei avisar a bilheteira para proibir o consumo de pipocas com sabor a desodorizante.
Contrariamente ao que é publicitado, esta acção em nada dignifica a desinfestação do mau hálito.




2016,12aNTÓNIODEmIRANDA

A INCONTORNÁVEL BELEZA DE ME PERDER

 


Não assino desculpas para este encostar do tempo 
que abandona solidões nas costas. 
Ousei mandar a esperança escondida 
nas garrafas que esvaziei. 
Esperei, nas mais tristes madrugadas, 
um sinal, mesmo sem sentido, 
que confortasse a mais doída das despedidas. 
Tudo foi apunhalado, neste desgosto 
escrito no novelo mentiroso. 
Caminho no deserto das ideias válidas, 
carimbando mágoas bordadas a ponto-cruz. 
Limpo o desejo a guardanapos tão gastos 
como as minhas sujas recordações. 
Vou fugindo, não tão rápido como desejo, 
da sombra que pinta desgostos.
Um destes dias, terei de aprender a voar.
Preciso urgentemente de assassinar 
o encanto da lua.




,2020Mar_aNTÓNIODEmIRANDA

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

PERCEPÇÃO EXTRA-SENSORIAL

 

Não tens que ter vergonha,
se cruzaste as pernas sem a malícia inocente 
da - Sharon Stone. 
Embora não seja um - Douglas qualquer, 
reconheço que como boa praticante, 
deixaste-te levar pelo instinto do Natal.
Não tens que ter vergonha,
da intenção não acerbada 
com que os teus lábios tocam outras bocas.
Não tens que ter vergonha,
se o encontro das coxas não foi assaz premeditado, 
porque só querias uma aproximação analógica.
Não tens que ter vergonha,
quando pensas nos homens que não copulaste,
embora prometesses a 
Percepção 
Extra
-
Sensorial.


,2016,06.aNTÓNIODEmIRANDA


UNTIL YOU DRIVE MY BLUES AWAY

Ama-me minha querida.
Gosta de mim nesta ferida
conspurcada pelos abraços, 
que jurámos iriam acontecer.
Nesta galeria
pintada com ilusões,
ofereço-te um amanhecer
com as cores de um ketchup abandonado.
Com beijos de banda desenhada,
retocarei o teu rímel com os traços 
da beleza ausente.
E prometo,
penhorar a tua lingerie não desembrulhada,
numa lavandaria conceituada,
com tratamentos  alheios à nossa injúria.
Só temos o tempo que nos mente,
isto é, o suficiente
para o mais que não merecemos.
Ama-me pela manhã.
Deixa um bocadinho para o resto do dia.
Irei caucionar o beijo desta breve mania.
E no instante onde nos deitámos,
é possível que um blues desassossegado,
cante o triste fado
com que teimámos adormecer.

“Love me in the morning
Just a little bit for the day
I want you love me baby
Until you drive my blues away”




,2017ago_aNTÓNIODEmIRANDA


VIDA ENTRAPADA



Ficaram por ali a colar cascas da miséria 
secando culpas no estendal da frustração
enquanto estátuas tentavam oferecer 
arrependimentos ressequidos.

Passou todo o tempo 
e o sonho prometido 
tardava o acontecer.



,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA 

SALVADOR ESPRIU (1913 - 1985) | CANÇÓ DEL MATÍ ENCALMAT


El sol ha anat daurant
el llarg somni de l’aigua.
Aquests ulls tan cansats
del qui arriba a la calma
han mirat, han comprés,
oblidaven.
Lluny, enllà de la mar,
se’n va la meva barca.
De terra endins, un cant
amb l’aire l’acompanya:
«Et perdràs pel camí
que no té mai tornada.»
Sota la llum clement
del matí, a la casa
dels morts del meu vell nom,
dic avui: «Sóc encara.»
M’adormiré demà
sense por ni recança.
I besarà l’or nou
la serenor del marbre.
Solitari, en la pau
del jardí dels cinc arbres,
he collit ja el meu temps,
la rara rosa blanca.
Cridat, ara entraré
en les fosques estances.
 
 

A TUA DOUTRINA NÃO SE DÁ COM A MINHA

 



O que darei eu ao senhor, 

por todos os benefícios que me tem feito?



O código do multibanco!

(Segredou 

o Salmo 116:12)


,2021Agosto_aNTÓNIODEmIRANDA


LAURENCE FERLINGUETTI #SIM#

 




trad. José Palla e Carmo / Cadernos de Poesia
Dom Quixote / 1972





A ÚNICA QUALIDADE DOS IMBECIS


juntar o inútil

ao desagradável



,2020ago_aNTÓNIODEmIRANDA

domingo, 27 de agosto de 2023

SENDO ASSIM O IMPORTANTE NUNCA ACONTECERÁ

 


Vamos “vivendo” amamentando 
algumas esperanças 

Trapaceando alguns sonhos 

Embebedando as mentiras possíveis


,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


SIM! SIM!

 


Certas pessoas dizem que escrevo 
algumas coisas bonitas. 

                    Não se preocupem! 

Não é nada de grave.



,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


TANTO QUE GOSTARIA DE SAIR DO LONGE DE MIM

 




Somente  

            Escrevo 

                                    Mentiras

            Para

                                Uma 

                                Paixão 

Imaginária



,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


TRISTEZA SUAVE

 


Retirar entulho da vida

Rasgar lágrimas

Poisar a tristeza numa gaveta 
para a enforcar com o cheiro da 
lembrança

Não acho caminho na cambraia destes 
laços

Uma janela voadora acena um adeus 
arrependido


,2021Agosto_aNTÓNIODEmIRANDA


UM PEQUENO QUARTO A ABARROTAR DE PENSAMENTOS

 


Arrotar a bafio.
Azedar o acordar que cospe na vontade.
Tenho que sair daqui.
Abandonar este destino amarrotado,
até porque os anjos, 
já não reconhecem a minha assinatura.
Ouço as suas vozes que
nunca secarão as lágrimas 
que rolam na minha cabeça.
Carrego um corpo grafitado,
num delírio ronhoso que não assassina
a mórbida curiosidade dos observantes.

Se acredito em deus?
Tenho a certeza que ele 
não se importa com isso.



,2021Agosto_aNTÓNIODEmIRANDA


SEM RESSENTIMENTOS

 


Não presto muita atenção ao mundo.
Ele, um velho conhecido, faz-me igual favor.
Sintonizo o Jack, saboreio o Daniel`s e entretemo-nos com conversas amistosas.
Penteámos memórias, rimo-nos de algumas histórias 
e despreocupadamente observamos
as varizes que o tempo nos vai oferecendo.
Tenho menos cabelos no peito,
embora saiba que alguns foram deixados a preceito.
Queimo neste devagar, fotografias nada interessadas no desfilar de recordações.
E um antigo, tão usado como eu,
entrega-me discretamente cigarros com sabores  que continuo a gostar.
Este mundo é um lugar cada vez mais escondido 
e eu continuo a desejar  ter outros atractivos.
Desligo-me.
Não presto muita atenção ao mundo.
Ele paga-me com a mesma moeda.
Ficámos quites nesta penúria.
Sem ressentimentos.

 


,2017ago_aNTÓNIODEmIRANDA


ESTRELA INCENDIADA

 


O dia despede-se
com raios dourados
das pessoas que gostamos
(estrelas incendiadas)
Não sei
que relógio
poderá contar este tempo
Não sei
a utilidade
de ficarmos cada vez mais sós
Não sei
que nuvem escolher
que flor entregar
Ainda não sei nada
Mas sei 
que cada vez menos saberei.
Será este o saber do tempo
ou a angústia que me vai despindo
deixando-me cada vez
mais leve?
Ou seja sozinho?
O que sei é que não sei
agarrar grãos de areia

Sei
Que não sei
Do tempo a ideia.




2014.aNTÓNIODEmIRANDA


GOSTAR QB

 


Não me interessam as intenções
Nem as instruções 
para um comportamento normalizado
Nem os manuais 
do conhecimento especializado!
Delas, está o meu forno cheio
Gosto das boas palavras
Das boas ideias
Não gosto de conselhos
Só admito sugestões!
Gosto dos factos
e das suas consequências
Detesto a imposição das soluções!
Gosto de pensar
que vale a pena ser optimista
Gosto da sedução
Do presente sem chão
Do futuro preocupado em vão
De dizer mal QB
Que me tratem por você,
dando a isso a devida importância.
Gosto que de quem eu não gosto,
continue a não gostar de mi !
Do que é que eu ainda mais gosto?
Se não se importam isso fica para mim

… Não ando por ai a espalhar poesia de borla.

Nunca se sabe como vai ser
O dia de amanhã.



2014.aNTÓNIODEmIRANDA


GATO PINGADO

 


Era o dia da inauguração.

Foi convidado.
 (Mas apareça mais tarde).

 Entrou envergonhado.
 
Ambiente animado.

 Coquetes à discrição.

 Piadas encardidas.

 Discretamente levou o catálogo. 
 ..& só por cortesia
 tirou todas as medidas.



,2016,04.aNTÓNIODEmIRANDA


FUNÁNÁ

 


O que faço

com esta Pátria

Onde o mundo

nunca foi meu?


,2015aNTÓNIODEmIRANDA


COUNTRY CLUB

 


No golfe, não basta o taco se não vemos o buraco onde com toda a veemência gostaríamos de acertar no gajo que anda a comer a nossa confrade. 
Mas, não é só aí, diz-nos o padre na confissão domingueira. 
Mau! Este tipo sabe muito. 
Mais do que aquilo que devia. 
Convém não exagerar. 
Tenho que tentar o hole in one. 
Não é para o calar, mas as más-línguas chegam sempre longe demais. 
Desta vez, só lhe enfiarei a luva no ânus sagrado. Louvado seja o meu treinador. 
Ajudou-me na perícia e a minha mulher, segundo dizem, gosta da sua carícia. 
O caddy não se mostra muito interessado e isso deixa-me descansado. 
No clube, onde não falho uma noite,  socializo com o whisky habitual. 
Não sei porque olham para mim! 
Só estou a fazer tempo para não chegar a casa a horas inconvenientes. 
Somos alguns assim! 
Cumprimentamo-nos invejando disfarçadamente para os rolex.



,2016,06aNTÓNIODEmIRANDA


FÉLIX CUCURULL (1919-1996) - COMO UM DOS TANTOS

Virei barbeado de fresco…
Não te falarei de exílios,
nem de lutas,
nem de fome,
nem do destino dos homens;
só de coisas
que sei que hão de te enternecer.
Dir-te-ei: “Tenho um iate,
uma grande fábrica,
um Cadillac,
e terras e mais terras…”
Pode ser que me acredites,
porque é preciso que te enganes;
porque a toda a hora te falam de princesas;
e do filme de domingo
entretecerás um sonho
para toda a semana.

Enric Larreula . Gosto muito deste poema.


Uma paixão antiga! Um respeito permanente!

 



sábado, 26 de agosto de 2023

VOLTE SEMPRE

 


Futuro 

Eloquente

Fora 

De 

Serviço



,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


NO LADO ESCURO DA ESPERANÇA

 


Que se foda a vida 
que sempre me 
enganou 

Deu-me dias de fome 
e horas 
prenhas de desencanto
num céu manchado 
com as palavras 
da vã esperança
que tanto me têm doído

Desenhou chicotes e 
lágrimas na lenta 
marcha da agonia

E uma canga rezada
no Terço das vergonhas



,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


A MINHA CERTEZA DESFALECE A CADA MANHÃ QUE ACORDA

 


Quantas nuvens poderei fumar?
 
A que estrelas irei continuar a 
mentir? 

Alguém sabe do ninho 
onde irei esconder 
o cheiro da audácia que me veste?

Imagino encontrar a noite serena 

E estender nos beijos 
nódoas de alegria


,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


REBELIÃO NO CÉU

 


De joelhos nunca! 
Na cidade dos sonhos mentirosos.
Escondido na solidão de novo. 

Fico quieto neste arranhar 
de borboletas que na alma do céu 
escrevem uma qualquer palavra 
parecida com o meu nome. 

Desta vez não me enganei 
no caminho. 



,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


DISTRAÇÃO CONTINUADA

 


A

                Pressa

                                    Malparida 


                    Atropela

              A

                                            Urgência



,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


A MINHA SANTIDADE

 


Tenho os dias cortados em 
mentiras

O presente no paraíso ausente 
confortavelmente oxidado

O futuro no inferno às tiras

O som de um velho sax entrega-me 
delícias de ousadia 
fugidas de um saco de esmolas 
hipócritas

Perguntam como é que estou

Nunca dizem como é que gostaria 
de estar


,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


QUERO QUE A MINHA ALMA APAREÇA NOUTROS LUGARES

 


Navego na miragem. 
As veias já não querem saber de mim.
Velho corrupto vida encharcada de 
incompetências perdões comprados 
a mil desculpas por minuto 
coragens recheadas de mentiras. 
Agora sei porque fogem de mim 
os caminhos da verdade. 
Tenho saudades dos ácidos 
que me acompanharam na atrevida viagem.
Perdi o navegar, disse-me a tela inquieta. 
Não compreendo a lonjura deste convite. 
Escapa-se do abraço como a cruz 
foge da consolação. 
Hoje mais uma vez um laço cortei. 
Bonecas de filigrana apodrecida 
tentam confortar a inquietação 
mas eu já nada consigo reparar
Guardo algumas lágrimas 
na gaveta da memória especial. 
Amadas recordações na alcofa 
dos beijos idosos dizem que 
o tempo tudo consome. 

Quero que a minha alma 
apareça noutros lugares.




,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA


O MANUAL DE INSTRUÇÕES

 


O pai não pode dançar. O nó da gravata tropeça na azia. Correu-lhe mal a faloplastia. Tantos passos causam-lhe embaraços. A mãe atenta só o vê pelo canto do olho. A panela ferve ao lume. Vazia. O caracol comeu todo o repolho. O herbicida tornou-o zarolho. O LP está furado. Tem um risco maior que o meio. A música salpica as paredes tentando animar uma osga concretamente surda. O gajo de cima com a voz de castrati grita a plenos pulmões. Está a testar o novo vibrador. Não sabe inglês. Não compreende o manual de instruções. Pouca vergonha. Ácaros pedrados. Não fui eu que lhes dei os charros. Por favor, quando tiverem tempo, tirem-me deste filme.


.2015aNTÓNIODEmIRANDA 


A SENHA DA ESPERA

 


É aqui que me acho
na desordem das palavras
que escorrem dos livros.
É aqui que falo
e combino a fuga,
para as asas que me podem salvar.
É aqui, neste silêncio vomitado,
que calco todas as tonalidades do nojo 
que pretende lavar a minha indignação.
É aqui que decoro labirintos
desenho os cenários da contradição
e morro na impossibilidade
habitualmente tentada. 
É aqui, neste alforge desabitado
que debito soluços 
que, 
pensei, 
já não me pertenciam.
É aqui,
que retiro da vida 
a senha da espera.




,2019nov,10_aNTÓNIODEmIRANDA


sexta-feira, 25 de agosto de 2023

JORGE LUIS BORGES # AQUI. HOJE. JÁ SOMOS O ESQUECIMENTO QUE SEREMOS...

 




LAWRENCE FERLINGHETTI / O OLHAR DO POETA OBSCENAMENTE OLHANDO





 

LAWRENCE FERLINGHETTI / autobiografia

 

A vida que levo é muto sossegada.
Passo os dias no café do Mike
a admirar os campeões
do Grupo Dante de Bilhar
e os viciados dos matraquilhos.
A vida que levo é muito sossegada
na zona leste da Broadway.
Sou americano.
Sempre fui um rapaz tipicamente americano.
Lia o Magazine dos Rapazes Americanos
e tornei-me escuteiro
nos subúrbios.
Sentia-me o Tom Sawyer
ao pescar caranguejos do rio na Bronx
mas a pensar no Mississípi.
Tive uma luva de baseball
e uma bicicleta American Flyer.
Distribuí o Woman´s Home Companion
às cinco da tarde
e o Herald Tribune
às cinco da manhã.
Ainda julgo estar a ouvir o barulho do jornal ao cair
nos terraços para onde eu o atirava.
Tive uma infância infeliz.
Vi Lindberg aterrar.
Olhei com saudade para o meu torrão natal
mas não vi nenhum anjo, ao contrário do Thomas Wolfe.
Fui apanhado a roubar lápis
no supermercado
no mesmo mês em que fui promovido a Escuteiro-Chefe.
Derrubei árvores para o Departamento da Agricultura
e sentei-me nelas.
Desembarquei na Normandia
num barco a remos que se voltou.
Vi os exércitos tão cultos
na praia de Dover.
Vi pilotos egípcios em nuvens púrpura
lojistas a correrem os taipais
ao meio-dia
salada de batatas e flores
em piqueniques anarquistas.
Estou a ler «Lorna Doone»
e uma biografia do João Máximo
que era o terror dos capitães de indústria
e tinha sempre uma bomba na gaveta da secretária.
Vi os homens da limpeza desfilarem
no dia comemorativo de Colombo
atrás das fanfarras ruidosas
e malcheirosas.
Há que tempos que não vou visitar os Claustros
ou as Tulherias
mas continuo a fazer tenção
de lá ir.
Vi os homens da limpeza desfilarem
debaixo da neve que caía.
Comi cachorros quentes nas feiras.
Ouvi o Discurso de Gettysburg
e os discursos de Ginsberg.
Gosto disto aqui
e não voltarei
para donde vim.
Também eu, como o Ginsberg,
viajei em vagões-jota vagões-jota vagões-jota.
Também eu viajei no meio de desconhecidos.
Estive na Ásia.
Estive com Noé na Arca.
Quando Roma foi construída
estava eu na Índia.
Estive na Manjedoura
com o Burro.
Da Montanha Branca
ao sul de São Francisco
vi o Distribuidor Eterno
e no Luna Parque vi a Mulher que Ri
na Barraca das Gargalhadas
sob uma bátega de água
mas sempre a rir.
Tenho ouvido à noite os ruídos
das grandes pândegas.
Tenho vagueado tão solitário
como as solitárias multidões.
A vida que levo é muito sossegada.
Passo os dias à porta do café do Mike
a ver o mundo passar por mim
em tão variados sapatos.
Empreendi uma vez
uma viagem a pé à volta do mundo
mas quando dei  por mim estava em Brooklyn.
Não consegui fugir à Ponte de Brooklyn.
Em silêncio maquinei
exílio e engenho.
Voei demasiado perto do sol
e as minhas asas de cera derreteram-se.
Ando à procura do meu Velho
que nunca conheci.
Ando à procura do Chefe Perdido
com quem voei.
Os jovens deviam ser exploradores.
O lar é o lugar donde se parte.
Mas a minha Mãe nunca me preveniu
de que havia cenas como esta.
Cansado do útero materno
descanso.
Tenho viajado.
Visitei a cidade dos Fantasmas.
Conheço a maçada das massas.
Ouvi chorar o Kid Ory.
Ouvi um trombone a pregar.
Ouvi Debussy
filtrado pelo meu lençol.
Dormi numa centena de ilhas
onde os livros eram árvores.
Ouvi pássaros
cujo chilreio parecia o dobrar dos sinos.
Usei calças de flanela
e passeei-me pela praia do inferno.
Vivi numa centena de cidades
onde as árvores eram livros.
Que metropolitanos que táxis que cafés!
Que mulheres de seios cegos
e membros perdidos no meio de arranha-céus!
Nas encruzilhadas
vi estátuas dos heróis.
Danton em lágrimas na entrada de um metropolitano
Colombo em Barcelona
a apontar nas Ramblas para o Ocidente
na direcção do American Express
Lincoln no seu trono de pedra
E um enorme Rosto de Pedra
no Dacota do Norte.
Bem sei que o Colombo
não inventou a América.
Ouvi uma centena de Ezra Pounds domesticados.
Deviam ser todos libertados.
Já passou imenso tempo desde que fui guardador de rebanhos.
A vida que levo é muito sossegada.
Passo os dias no café do Mike
a ler os anúncios classificados.
Li de ponta a ponta
as Selecções do Reader´s Digest
e notei a perfeita identificação
entre os Estados Unidos e a Terra Prometida
onde todas as moedas têm a inscrição
«Em Deus Confiamos»
mas as notas de dólar não a têm
porque elas próprias já são Deus.
Todos os dias leio os anúncios da secção «Precisa-se»
à procura de uma pedra uma folha
uma porta jamais encontrada.
Nas Páginas Amarelas
ouço a América a cantar.
Ninguém diria
que a alma passa crises.
Todos os dias leio os anúncios
e noto a ausência da humanidade
nessa triste pletora de caracteres de imprensa.
Vejo que esvaziaram o Lago de Walden
para no sue lugar construírem um parque de diversões.
Vejo que estão a obrigar o Melville
a comer a sua própria baleia.
Vejo que vem aí uma nova guerra
mas quando ela vier não estarei eu cá para tomar parte.
Li os desígnios do destino
escritos nas paredes do telheiro.
Fui eu quem ajudou o Kilroy a escrevê-los.
Marchei pela Quinta Avenida acima
tocando clarim num pelotão cerrado
mas apressei-me a voltar para o Casbah
à procura do meu cão.
Noto que há uma certa semelhança
entre os cães e eu.
Os cães são os verdadeiros observadores
dos altos e baixos
da terra de Molloy.
Calcorreei becos e vielas
Estreitas de mais para Chryslers.
Vi uma centena de carroças do leite sem cavalos
num lote de terreno devoluto em Astoria.
Tenho ouvido o solo do ferro-velho.
Tenho percorrido as auto-estradas
e acreditado nas promessas dos cartazes
Atravessado as planícies de Jersey
e visto as Cidades Planas
E sulcado as terras ermas de Westchester
cruzando-me com bandos errantes de nativos
em station wagons.
Tenho-os visto.
Eu sou o Homem.
Estive lá.
Sofri
um tanto ou quanto.
Sou Americano.
Tenho passaporte.
Mas não sofri em público.
E sou novo de mais para morrer.
Sou um homem que se fez a si-próprio.
E tenho projectos para o futuro.
Estou na bicha
para um bom emprego.
Talvez me mude
para Detroit.
Ando a vender gravatas, mas isso
não passa de um trabalho temporário.
Sou um tipo às direitas.
Sou um livro aberto
para o meu patrão.
Sou um mistério impenetrável
para os meus amigos mais íntimos.
A vida que levo é muito sossegada.
Passo os dias no café do Mike
a contemplar o umbigo.
Sou uma parte
da longa loucura deste corpo.
Tenho vagueado em vários bosques nocturnos.
Tenho-me amparado em portais embriagados.
Tenho escrito contos despenteados
sem qualquer pontuação.
Eu sou o Homem.
Sofri
um tanto ou quanto.
Sentei-me em cadeiras de cansaço.
Sou uma lágrima do sol.
Sou uma colina
onde os poetas correm.
Inventei o alfabeto
depois de observar o voo das gruas
que fazem letras com as pernas.
Sou um lago numa planície.
Sou uma palavra
numa árvore.
Sou uma colina de poesia.
Sou uma operação de «comandos»
na zona do inarticulado
como o Elliot.
Sonhei
que os dentes todos me caíam
mas a minha língua sobrevivia
para contar como foi.
Porque sou um silêncio
poético.
Sou um banco de canções.
Sou uma pianola mecânica
num casino abandonado
numa esplanada à beira-mar
num nevoeiro espesso
mas sempre a tocar.
Noto que há uma certa semelhança
entre a Mulher que Ri
e eu.
Tenho ouvido o som do Verão
na chuva.
Tenho visto raparigas nas faixas de paragem
vítimas de complicadas sensações.
Percebo as suas hesitações.
Sou um colhedor de frutos.
Tenho visto como os beijos
têm consequências de euforia.
Tenho-me arriscado
a ficar encantado.
Vi a Virgem
numa macieira em Chartres
e Santa Joana a arder
na Bela Union.
Tenho visto girafas em selvas e ginásios
com os pescoços como o amor
entrelaçados nas circunstâncias de ferro forjado
deste mundo.
Tenho visto a Venus Afrodite
sem braços no corredor cheio
de correntes de ar.
Ouvi uma sereia a cantar
no número um da Quinta Avenida.
Vi a Deusa Branca a dançar
na Rue des Beaux Arts
no dia Catorze de Julho
e a Bela Dama sem Mercê
a tirar macacos do nariz no Chumley´s.
Ela não falava inglês.
Tinha cabelo amarelo
e voz rouca
e não se ouvia o canto de nenhuma ave.
A vida que levo é muito sossegada.
Passo os dias no café do Mike
a observar os jogadores de bilhar de bolsas
integrado naquele cenário
devorando macarroni
e li algures
o Significado da Existência
mas esqueci
exactamente onde.
Mas sou o Homem
E estarei lá.
E talvez ainda faça falar
os lábios da gente adormecida.
E talvez transforme em relva
os meus cadernos de apontamentos.
E talvez ainda escreva o meu
anónimo epitáfio
pedindo aos cavaleiros
que se não detenham.


trad. José Palla e Carmo / Cadernos de Poesia
Dom Quixote / 1972



quinta-feira, 24 de agosto de 2023

CHARLIE WATTS (2 June 1941 – 24 August 2021) | Rolling Stones

 
























UMA ESTRELA ARREPENDIDA DANÇA NA NOSSA DESILUSÃO

 

Porque o céu hoje não veio, 
disseram que roubou o  véu 
de noiva desencantada, e 
escondeu-se nas lágrimas da 
tua paixão.
Esperei por ti.
(Nele há muito  que desacreditei).
Na demora da tua ausência, 
lavei na fonte dos olhos bolidos, 
lágrimas sem sol para secar.
Perdi-me nesta desavença, 
envolta em soluços lacados 
nos abraços que nunca 
tocámos.
Fugiu para o outono mais escondido, 
o olhar que jurámos iria acontecer.
Uma estrela arrependida 
dança na nossa desilusão.

2019ago_aNTÓNIODEmIRANDA

YOUPORN P(R)ONTO COME

Não falhava.
Impreterivelmente mais minuto menos bocejo
acendia a net e afagava o instrumento
enquanto surfava aquele canal
fiel depositário da sua impotência,
onde via aquilo que nunca foi capaz de fazer.
Sorridente comentava com os amigos,
é pá estou velho, agora só dá para ver.
Claro que quando era novo,
julgava que qualquer disfunção era normal.
E chorava embora nunca tivesse compreendido
porque o pai batia sempre na sua mãe.
Pensava que era sexo e a partir daí jurou para si próprio
que nunca iria fazer coisa tão suja.
Nos convívios do liceu só dava nas vistas
porque era o único que conduzia o carro do pai,
paga com que este o preparava para a tareia matinal.
E
julgava que aquilo que não lhe pertencia
era sempre feito da forma errada.
Deitava-se com almofadas empanturradas nos ouvidos,
enquanto o pai se vinha com a criada.



2016,08aNTÓNIODEmIRANDA




quarta-feira, 23 de agosto de 2023

PROVIDÊNCIA CAUTELAR

Sexualmente inadaptada às novas tecnologias,
mostrava um risco elevado de contrafacção.

A vitima foi encontrada pela curiosidade, 

em adiantado estado de estupefacção.


2018Ago_aNTÓNIODEmIRANDA

 

LICEU ,68

Nunca soube o nome dela.
Liceu da Amadora gravata do meu pai às bolinhas
tipo Gilbert Bécaud.
Acompanhava-a à distância no caminho para casa
olhar de soslaio com troco de nenhuma palavra.
Rock&Folk na mão Du Maurier para impressionar
acendido com o Ronson.
Anos mais tarde encontramo-nos na pastelaria
e recordamos no olhar a campainha que anunciava
o intervalo ansiosamente esperado.
Mas era tarde.
Demasiado longe para falar
.



2016,08aNTÓNIODEmIRANDA
 
 


GODVAI… #IMPRECAÇÕES PARA UM DEUS MENOR#

 agora

ninguém te pode ajudar

perdeste a hora

já não tens lugar

O céu

é uma porta fechada

sem partida nem chegada

É como um pássaro a voar

Encostado a uma árvore

Ele

gosta de te pôr de joelhos

enquanto finge

que ouve os teus pecados

Depois olha-te

como se fosse ternamente

Acaricia os teus cabelos

Diz que lamenta

mas todos os lugares

estão ocupados.

Não entres na igreja :

juro-te

que os santos

te olharão com toda a inveja.



2013agosto23ANTÓNIODEmIRANDA


terça-feira, 22 de agosto de 2023

"Lás Vérgas" espera-me!

 


"POSSO REZAR?" (nota do Senhor Levi Condinho)

12_
E foi o fim desta leitura, com os meus comentários talvez despropositados, disparatados, toda a porra que queiram dizer a respeito disto tudo. O livro aí fica, sempre por ler – nunca está lido -, fica como o autor (ou o poema?) que, “se sentou na ferrugem da esperança e convidou o / mundo para a hipótese dos dias felizes” e “ cá em baixo, ninguém reparou que ele só esperava a / viagem prometida”. ...
Há um enorme escritor, diferente de tudo e todos, que, na sua radicalidade lúcida, se insurge contra o culto do elogio – falo de Alberto Velho Nogueira.
Mas não sigo os seus conselhos. Elogio mesmo, com paixão, esta bela obra do nosso irmão António Miranda!
 
 
 
 

AINDA NÃO SEI DESENHAR AS MANEIRAS DE PEDIR DESCULPA

 


O sol esconde-se vergonhosamente varrendo 
memórias com beijos ferrugentos 
Ao que nós chegamos
clama a ausência afogada no pó da saudade
Lentas danças da solidão 
anseiam pelos passos da valsa desaparecida
Inquietos, os aplausos há muito que tentam 
ignorar os caminhos do sossego do fim
Poder-se-ia desenhar a cor do desejo 
mas o tempo ladrão despejou o seu sentir
Na minha cabeça há um paraíso 
que não pára de me inquietar
Assustado sonho sempre a fugir 
do abraço que me entregam
O vazio do olhar tinha morrido sozinho

Eu para o ano não prometo






,2023Jul_aNTÓNIODEmIRANDA

DESCONFIO MUITO DESTAS HORAS

Tento não me desviar do caminho, mas não encontro o lugar.
Sentado no banco do costume, ´
espreito no Tejo
rios que já não me causam qualquer inveja.
Tenho delírios para ninguém acreditar
e tento vender sonhos com recheio de pastéis de nata.
Nada de novo vem neste comboio sempre atrasado.
A articulação segue dentro de momentos.
Ouço dizer no guichet das informações indignas.
Dou corda à mochila,
componho os laços dos sapatos
e confiro a pressão dos tacões.
Como se me fosse permitido sair desta imprecação.
Atraco no cais sentimental
onde mojitos demasiado caros
pretendem atestar a minha incapacidade.
Apalpo o suco das axilas
num breve instante de autenticidade.
Fujo de mim, não quero estar assim
e deito-me na preia-mar com o escafandro sintonizado.
Amanhã irei mudar a corda.
Desconfio muito destas horas.



2016,08aNTÓNIODEmIRANDA


ALGUM DIA

 

Algum dia voarei com estas asas, irei fotografar as entranhas do império dos mentidos, encalhar na paixão dos desgostos pronunciados. Algum dia a bússola apontará a hora certa para não me achar desprevenido. Algum dia o tempo fugirá do meu relógio e então celebrarei numa festa íntima a sua aparência. Algum dia acabarei fugindo habilmente das fotografias e estenderei todas as dores na memória que nada interessará a alguém. Algum dia o monte de enganos escritos no meu epitáfio, será mijado por um cão, nada curioso por aquilo que pensei ter sido. Algum dia estará pintado no céu, o lugar que as estrelas já não têm para mim.

2018Ago_aNTÓNIODEmIRANDA