Pesquisar neste blogue
quinta-feira, 31 de agosto de 2023
DESPEJO ABRAÇOS NA LUA DOS SEUS OLHOS
Digo um até logo aos livros.
Está na hora de acalmar um passado ansioso,
o futuro da esperança duvidosa,
e ,
diluir gentilmente a subtileza
no copo da tristeza cansada de mentir
opções requentadas.
Está na hora de me esconder
Despejo abraços na lua dos seus olhos,
2019ago_aNTÓNIODEmIRANDA
quarta-feira, 30 de agosto de 2023
NEM QUE ME DESSEM TUDO O QUE VEJO
2016,08aNTÓNIODEmIRANDA
A DIVA DA MEIA-NOITE
enroscada na écharpe
entornava o caldo da voz ensaiada
para mostrar que sabia de poesia.
(Pobre poeta que tanto sofria
naquele ronronar de gata fria
em telhados de zinco ferrugento).
E aquilo que se ouvia
era tudo menos o poema,
enquanto a lua borralheira
encenava um novo folclore
que ninguém entendia.
Estendidas no sofá da virtude adormecida,
a folha e a caneta desconfiavam
desta anomalia assim surgida.
O poeta na sua cara de silêncio entupido,
solta um mudo gemido
e um ai surdo nesta fala de absurdo
elegantemente pretendida.
E conversa animadamente
com o copo com vinho que o irá confortar.
,2017mai,aNTÓNIODEmIRANDA
terça-feira, 29 de agosto de 2023
SÁBADOS FERIDOS
nem o endereço do teu sorriso.
Porque não me deixas aqui,
na lua das noites dos sábados
feridos?
Estou farto de partir as horas,
nesta pedra dos encontros adiados.
2018Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
A MALA
2018Abr_aNTÓNIODEmIRANDA
MEMORY
2016,12aNTÓNIODEmIRANDA
A INCONTORNÁVEL BELEZA DE ME PERDER
Ousei mandar a esperança escondida
Tudo foi apunhalado, neste desgosto
Caminho no deserto das ideias válidas,
Limpo o desejo a guardanapos tão gastos
Vou fugindo, não tão rápido como desejo,
Um destes dias, terei de aprender a voar.
Preciso urgentemente de assassinar
,2020Mar_aNTÓNIODEmIRANDA
segunda-feira, 28 de agosto de 2023
PERCEPÇÃO EXTRA-SENSORIAL
se cruzaste as pernas sem a malícia inocente
da - Sharon Stone.
Embora não seja um - Douglas qualquer,
reconheço que como boa praticante,
deixaste-te levar pelo instinto do Natal.
Não tens que ter vergonha,
da intenção não acerbada
com que os teus lábios tocam outras bocas.
Não tens que ter vergonha,
se o encontro das coxas não foi assaz premeditado,
porque só querias uma aproximação analógica.
Não tens que ter vergonha,
quando pensas nos homens que não copulaste,
embora prometesses a
,2016,06.aNTÓNIODEmIRANDA
UNTIL YOU DRIVE MY BLUES AWAY
Gosta de mim nesta ferida
conspurcada pelos abraços,
que jurámos iriam acontecer.
Nesta galeria
pintada com ilusões,
ofereço-te um amanhecer
com as cores de um ketchup abandonado.
Com beijos de banda desenhada,
retocarei o teu rímel com os traços
da beleza ausente.
E prometo,
penhorar a tua lingerie não desembrulhada,
numa lavandaria conceituada,
com tratamentos alheios à nossa injúria.
Só temos o tempo que nos mente,
isto é, o suficiente
para o mais que não merecemos.
Ama-me pela manhã.
Deixa um bocadinho para o resto do dia.
Irei caucionar o beijo desta breve mania.
E no instante onde nos deitámos,
é possível que um blues desassossegado,
cante o triste fado
com que teimámos adormecer.
“Love me in the morning
Just a little bit for the day
I want you love me baby
Until you drive my blues away”
,2017ago_aNTÓNIODEmIRANDA
VIDA ENTRAPADA
secando culpas no estendal da frustração
enquanto estátuas tentavam oferecer
arrependimentos ressequidos.
Passou todo o tempo
e o sonho prometido
tardava o acontecer.
,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
SALVADOR ESPRIU (1913 - 1985) | CANÇÓ DEL MATÍ ENCALMAT
A TUA DOUTRINA NÃO SE DÁ COM A MINHA
O que darei eu ao senhor,
por todos os benefícios que me tem feito?
O código do multibanco!
(Segredou
o Salmo 116:12)
,2021Agosto_aNTÓNIODEmIRANDA
domingo, 27 de agosto de 2023
SENDO ASSIM O IMPORTANTE NUNCA ACONTECERÁ
Trapaceando alguns sonhos
Embebedando as mentiras possíveis
,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
SIM! SIM!
algumas coisas bonitas.
Não se preocupem!
Não é nada de grave.
,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
TANTO QUE GOSTARIA DE SAIR DO LONGE DE MIM
Somente
Escrevo
Mentiras
Para
Uma
Paixão
Imaginária
,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
TRISTEZA SUAVE
Rasgar lágrimas
Poisar a tristeza numa gaveta
para a enforcar com o cheiro da
lembrança
Não acho caminho na cambraia destes
Uma janela voadora acena um adeus
,2021Agosto_aNTÓNIODEmIRANDA
UM PEQUENO QUARTO A ABARROTAR DE PENSAMENTOS
Azedar o acordar que cospe na vontade.
Tenho que sair daqui.
Abandonar este destino amarrotado,
até porque os anjos,
já não reconhecem a minha assinatura.
Ouço as suas vozes que
nunca secarão as lágrimas
que rolam na minha cabeça.
Carrego um corpo grafitado,
num delírio ronhoso que não assassina
a mórbida curiosidade dos observantes.
Tenho a certeza que ele
não se importa com isso.
,2021Agosto_aNTÓNIODEmIRANDA
SEM RESSENTIMENTOS
,2017ago_aNTÓNIODEmIRANDA
ESTRELA INCENDIADA
com raios dourados
das pessoas que gostamos
(estrelas incendiadas)
Não sei
que relógio
poderá contar este tempo
Não sei
a utilidade
de ficarmos cada vez mais sós
Não sei
que nuvem escolher
que flor entregar
Ainda não sei nada
Mas sei
que cada vez menos saberei.
Será este o saber do tempo
ou a angústia que me vai despindo
deixando-me cada vez
mais leve?
Ou seja sozinho?
O que sei é que não sei
agarrar grãos de areia
Que não sei
Do tempo a ideia.
2014.aNTÓNIODEmIRANDA
GOSTAR QB
Nem as instruções
para um comportamento normalizado
Nem os manuais
do conhecimento especializado!
Delas, está o meu forno cheio
Gosto das boas palavras
Das boas ideias
Não gosto de conselhos
Só admito sugestões!
Gosto dos factos
e das suas consequências
Detesto a imposição das soluções!
Gosto de pensar
que vale a pena ser optimista
Gosto da sedução
Do presente sem chão
Do futuro preocupado em vão
De dizer mal QB
Que me tratem por você,
dando a isso a devida importância.
Gosto que de quem eu não gosto,
continue a não gostar de mi !
Do que é que eu ainda mais gosto?
Se não se importam isso fica para mim
… Não ando por ai a espalhar poesia de borla.
Nunca se sabe como vai ser
O dia de amanhã.
2014.aNTÓNIODEmIRANDA
GATO PINGADO
Foi convidado.
Entrou envergonhado.
Ambiente animado.
Coquetes à discrição.
Piadas encardidas.
Discretamente levou o catálogo.
..& só por cortesia
tirou todas as medidas.
,2016,04.aNTÓNIODEmIRANDA
COUNTRY CLUB
,2016,06aNTÓNIODEmIRANDA
FÉLIX CUCURULL (1919-1996) - COMO UM DOS TANTOS
Não te falarei de exílios,
nem de lutas,
nem de fome,
nem do destino dos homens;
só de coisas
que sei que hão de te enternecer.
Dir-te-ei: “Tenho um iate,
uma grande fábrica,
um Cadillac,
e terras e mais terras…”
Pode ser que me acredites,
porque é preciso que te enganes;
porque a toda a hora te falam de princesas;
e do filme de domingo
entretecerás um sonho
para toda a semana.
sábado, 26 de agosto de 2023
NO LADO ESCURO DA ESPERANÇA
que sempre me
Deu-me dias de fome
e horas
num céu manchado
com as palavras
que tanto me têm doído
Desenhou chicotes e
E uma canga rezada
no Terço das vergonhas
,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
A MINHA CERTEZA DESFALECE A CADA MANHÃ QUE ACORDA
A que estrelas irei continuar a
Alguém sabe do ninho
o cheiro da audácia que me veste?
Imagino encontrar a noite serena
E estender nos beijos
nódoas de alegria
,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
REBELIÃO NO CÉU
Na cidade dos sonhos mentirosos.
Escondido na solidão de novo.
Fico quieto neste arranhar
Desta vez não me enganei
no caminho.
,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
A MINHA SANTIDADE
O futuro no inferno às tiras
O som de um velho sax entrega-me
fugidas de um saco de esmolas
Perguntam como é que estou
Nunca dizem como é que gostaria
,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
QUERO QUE A MINHA ALMA APAREÇA NOUTROS LUGARES
,2023Ago_aNTÓNIODEmIRANDA
O MANUAL DE INSTRUÇÕES
O pai não pode dançar. O nó da gravata tropeça na azia. Correu-lhe mal a faloplastia. Tantos passos causam-lhe embaraços. A mãe atenta só o vê pelo canto do olho. A panela ferve ao lume. Vazia. O caracol comeu todo o repolho. O herbicida tornou-o zarolho. O LP está furado. Tem um risco maior que o meio. A música salpica as paredes tentando animar uma osga concretamente surda. O gajo de cima com a voz de castrati grita a plenos pulmões. Está a testar o novo vibrador. Não sabe inglês. Não compreende o manual de instruções. Pouca vergonha. Ácaros pedrados. Não fui eu que lhes dei os charros. Por favor, quando tiverem tempo, tirem-me deste filme.
.2015aNTÓNIODEmIRANDA
A SENHA DA ESPERA
na desordem das palavras
que escorrem dos livros.
É aqui que falo
e combino a fuga,
para as asas que me podem salvar.
É aqui, neste silêncio vomitado,
que calco todas as tonalidades do nojo
que pretende lavar a minha indignação.
É aqui que decoro labirintos
desenho os cenários da contradição
e morro na impossibilidade
habitualmente tentada.
É aqui, neste alforge desabitado
que debito soluços
que,
pensei,
já não me pertenciam.
É aqui,
que retiro da vida
a senha da espera.
,2019nov,10_aNTÓNIODEmIRANDA
sexta-feira, 25 de agosto de 2023
LAWRENCE FERLINGHETTI / autobiografia
Passo os dias no café do Mike
a admirar os campeões
do Grupo Dante de Bilhar
e os viciados dos matraquilhos.
A vida que levo é muito sossegada
na zona leste da Broadway.
Sou americano.
Sempre fui um rapaz tipicamente americano.
Lia o Magazine dos Rapazes Americanos
e tornei-me escuteiro
nos subúrbios.
Sentia-me o Tom Sawyer
ao pescar caranguejos do rio na Bronx
mas a pensar no Mississípi.
Tive uma luva de baseball
e uma bicicleta American Flyer.
Distribuí o Woman´s Home Companion
às cinco da tarde
e o Herald Tribune
às cinco da manhã.
Ainda julgo estar a ouvir o barulho do jornal ao cair
nos terraços para onde eu o atirava.
Tive uma infância infeliz.
Vi Lindberg aterrar.
Olhei com saudade para o meu torrão natal
mas não vi nenhum anjo, ao contrário do Thomas Wolfe.
Fui apanhado a roubar lápis
no supermercado
no mesmo mês em que fui promovido a Escuteiro-Chefe.
Derrubei árvores para o Departamento da Agricultura
e sentei-me nelas.
Desembarquei na Normandia
num barco a remos que se voltou.
Vi os exércitos tão cultos
na praia de Dover.
Vi pilotos egípcios em nuvens púrpura
lojistas a correrem os taipais
ao meio-dia
salada de batatas e flores
em piqueniques anarquistas.
Estou a ler «Lorna Doone»
e uma biografia do João Máximo
que era o terror dos capitães de indústria
e tinha sempre uma bomba na gaveta da secretária.
Vi os homens da limpeza desfilarem
no dia comemorativo de Colombo
atrás das fanfarras ruidosas
e malcheirosas.
Há que tempos que não vou visitar os Claustros
ou as Tulherias
mas continuo a fazer tenção
de lá ir.
Vi os homens da limpeza desfilarem
debaixo da neve que caía.
Comi cachorros quentes nas feiras.
Ouvi o Discurso de Gettysburg
e os discursos de Ginsberg.
Gosto disto aqui
e não voltarei
para donde vim.
Também eu, como o Ginsberg,
viajei em vagões-jota vagões-jota vagões-jota.
Também eu viajei no meio de desconhecidos.
Estive na Ásia.
Estive com Noé na Arca.
Quando Roma foi construída
estava eu na Índia.
Estive na Manjedoura
com o Burro.
Da Montanha Branca
ao sul de São Francisco
vi o Distribuidor Eterno
e no Luna Parque vi a Mulher que Ri
na Barraca das Gargalhadas
sob uma bátega de água
mas sempre a rir.
Tenho ouvido à noite os ruídos
das grandes pândegas.
Tenho vagueado tão solitário
como as solitárias multidões.
A vida que levo é muito sossegada.
Passo os dias à porta do café do Mike
a ver o mundo passar por mim
em tão variados sapatos.
Empreendi uma vez
uma viagem a pé à volta do mundo
mas quando dei por mim estava em Brooklyn.
Não consegui fugir à Ponte de Brooklyn.
Em silêncio maquinei
exílio e engenho.
Voei demasiado perto do sol
e as minhas asas de cera derreteram-se.
Ando à procura do meu Velho
que nunca conheci.
Ando à procura do Chefe Perdido
com quem voei.
Os jovens deviam ser exploradores.
O lar é o lugar donde se parte.
Mas a minha Mãe nunca me preveniu
de que havia cenas como esta.
Cansado do útero materno
descanso.
Tenho viajado.
Visitei a cidade dos Fantasmas.
Conheço a maçada das massas.
Ouvi chorar o Kid Ory.
Ouvi um trombone a pregar.
Ouvi Debussy
filtrado pelo meu lençol.
Dormi numa centena de ilhas
onde os livros eram árvores.
Ouvi pássaros
cujo chilreio parecia o dobrar dos sinos.
Usei calças de flanela
e passeei-me pela praia do inferno.
Vivi numa centena de cidades
onde as árvores eram livros.
Que metropolitanos que táxis que cafés!
Que mulheres de seios cegos
e membros perdidos no meio de arranha-céus!
Nas encruzilhadas
vi estátuas dos heróis.
Danton em lágrimas na entrada de um metropolitano
Colombo em Barcelona
a apontar nas Ramblas para o Ocidente
na direcção do American Express
Lincoln no seu trono de pedra
E um enorme Rosto de Pedra
no Dacota do Norte.
Bem sei que o Colombo
não inventou a América.
Ouvi uma centena de Ezra Pounds domesticados.
Deviam ser todos libertados.
Já passou imenso tempo desde que fui guardador de rebanhos.
A vida que levo é muito sossegada.
Passo os dias no café do Mike
a ler os anúncios classificados.
Li de ponta a ponta
as Selecções do Reader´s Digest
e notei a perfeita identificação
entre os Estados Unidos e a Terra Prometida
onde todas as moedas têm a inscrição
«Em Deus Confiamos»
mas as notas de dólar não a têm
porque elas próprias já são Deus.
Todos os dias leio os anúncios da secção «Precisa-se»
à procura de uma pedra uma folha
uma porta jamais encontrada.
Nas Páginas Amarelas
ouço a América a cantar.
Ninguém diria
que a alma passa crises.
Todos os dias leio os anúncios
e noto a ausência da humanidade
nessa triste pletora de caracteres de imprensa.
Vejo que esvaziaram o Lago de Walden
para no sue lugar construírem um parque de diversões.
Vejo que estão a obrigar o Melville
a comer a sua própria baleia.
Vejo que vem aí uma nova guerra
mas quando ela vier não estarei eu cá para tomar parte.
Li os desígnios do destino
escritos nas paredes do telheiro.
Fui eu quem ajudou o Kilroy a escrevê-los.
Marchei pela Quinta Avenida acima
tocando clarim num pelotão cerrado
mas apressei-me a voltar para o Casbah
à procura do meu cão.
Noto que há uma certa semelhança
entre os cães e eu.
Os cães são os verdadeiros observadores
dos altos e baixos
da terra de Molloy.
Calcorreei becos e vielas
Estreitas de mais para Chryslers.
Vi uma centena de carroças do leite sem cavalos
num lote de terreno devoluto em Astoria.
Tenho ouvido o solo do ferro-velho.
Tenho percorrido as auto-estradas
e acreditado nas promessas dos cartazes
Atravessado as planícies de Jersey
e visto as Cidades Planas
E sulcado as terras ermas de Westchester
cruzando-me com bandos errantes de nativos
em station wagons.
Tenho-os visto.
Eu sou o Homem.
Estive lá.
Sofri
um tanto ou quanto.
Sou Americano.
Tenho passaporte.
Mas não sofri em público.
E sou novo de mais para morrer.
Sou um homem que se fez a si-próprio.
E tenho projectos para o futuro.
Estou na bicha
para um bom emprego.
Talvez me mude
para Detroit.
Ando a vender gravatas, mas isso
não passa de um trabalho temporário.
Sou um tipo às direitas.
Sou um livro aberto
para o meu patrão.
Sou um mistério impenetrável
para os meus amigos mais íntimos.
A vida que levo é muito sossegada.
Passo os dias no café do Mike
a contemplar o umbigo.
Sou uma parte
da longa loucura deste corpo.
Tenho vagueado em vários bosques nocturnos.
Tenho-me amparado em portais embriagados.
Tenho escrito contos despenteados
sem qualquer pontuação.
Eu sou o Homem.
Sofri
um tanto ou quanto.
Sentei-me em cadeiras de cansaço.
Sou uma lágrima do sol.
Sou uma colina
onde os poetas correm.
Inventei o alfabeto
depois de observar o voo das gruas
que fazem letras com as pernas.
Sou um lago numa planície.
Sou uma palavra
numa árvore.
Sou uma colina de poesia.
Sou uma operação de «comandos»
na zona do inarticulado
como o Elliot.
Sonhei
que os dentes todos me caíam
mas a minha língua sobrevivia
para contar como foi.
Porque sou um silêncio
poético.
Sou um banco de canções.
Sou uma pianola mecânica
num casino abandonado
numa esplanada à beira-mar
num nevoeiro espesso
mas sempre a tocar.
Noto que há uma certa semelhança
entre a Mulher que Ri
e eu.
Tenho ouvido o som do Verão
na chuva.
Tenho visto raparigas nas faixas de paragem
vítimas de complicadas sensações.
Percebo as suas hesitações.
Sou um colhedor de frutos.
Tenho visto como os beijos
têm consequências de euforia.
Tenho-me arriscado
a ficar encantado.
Vi a Virgem
numa macieira em Chartres
e Santa Joana a arder
na Bela Union.
Tenho visto girafas em selvas e ginásios
com os pescoços como o amor
entrelaçados nas circunstâncias de ferro forjado
deste mundo.
Tenho visto a Venus Afrodite
sem braços no corredor cheio
de correntes de ar.
Ouvi uma sereia a cantar
no número um da Quinta Avenida.
Vi a Deusa Branca a dançar
na Rue des Beaux Arts
no dia Catorze de Julho
e a Bela Dama sem Mercê
a tirar macacos do nariz no Chumley´s.
Ela não falava inglês.
Tinha cabelo amarelo
e voz rouca
e não se ouvia o canto de nenhuma ave.
A vida que levo é muito sossegada.
Passo os dias no café do Mike
a observar os jogadores de bilhar de bolsas
integrado naquele cenário
devorando macarroni
e li algures
o Significado da Existência
mas esqueci
exactamente onde.
Mas sou o Homem
E estarei lá.
E talvez ainda faça falar
os lábios da gente adormecida.
E talvez transforme em relva
os meus cadernos de apontamentos.
E talvez ainda escreva o meu
anónimo epitáfio
pedindo aos cavaleiros
que se não detenham.
quinta-feira, 24 de agosto de 2023
UMA ESTRELA ARREPENDIDA DANÇA NA NOSSA DESILUSÃO
disseram que roubou o véu
de noiva desencantada, e
escondeu-se nas lágrimas da
tua paixão.
Esperei por ti.
(Nele há muito que desacreditei).
Na demora da tua ausência,
lavei na fonte dos olhos bolidos,
lágrimas sem sol para secar.
Perdi-me nesta desavença,
envolta em soluços lacados
nos abraços que nunca
tocámos.
Fugiu para o outono mais escondido,
o olhar que jurámos iria acontecer.
Uma estrela arrependida
dança na nossa desilusão.
2019ago_aNTÓNIODEmIRANDA
YOUPORN P(R)ONTO COME
Impreterivelmente mais minuto menos bocejo
acendia a net e afagava o instrumento
enquanto surfava aquele canal
fiel depositário da sua impotência,
onde via aquilo que nunca foi capaz de fazer.
Sorridente comentava com os amigos,
é pá estou velho, agora só dá para ver.
Claro que quando era novo,
julgava que qualquer disfunção era normal.
E chorava embora nunca tivesse compreendido
porque o pai batia sempre na sua mãe.
Pensava que era sexo e a partir daí jurou para si próprio
que nunca iria fazer coisa tão suja.
Nos convívios do liceu só dava nas vistas
porque era o único que conduzia o carro do pai,
paga com que este o preparava para a tareia matinal.
E
julgava que aquilo que não lhe pertencia
era sempre feito da forma errada.
Deitava-se com almofadas empanturradas nos ouvidos,
enquanto o pai se vinha com a criada.
2016,08aNTÓNIODEmIRANDA
quarta-feira, 23 de agosto de 2023
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
mostrava um risco elevado de contrafacção.
A vitima foi encontrada pela curiosidade,
em adiantado estado de estupefacção.
LICEU ,68
Liceu da Amadora gravata do meu pai às bolinhas
tipo Gilbert Bécaud.
Acompanhava-a à distância no caminho para casa
olhar de soslaio com troco de nenhuma palavra.
Rock&Folk na mão Du Maurier para impressionar
acendido com o Ronson.
Anos mais tarde encontramo-nos na pastelaria
e recordamos no olhar a campainha que anunciava
o intervalo ansiosamente esperado.
Mas era tarde.
Demasiado longe para falar.
2016,08aNTÓNIODEmIRANDA
GODVAI… #IMPRECAÇÕES PARA UM DEUS MENOR#
agora
ninguém te pode ajudar
perdeste a hora
já não tens lugar
O céu
é uma porta fechada
sem partida nem chegada
É como um pássaro a voar
Encostado a uma árvore
Ele
gosta de te pôr de joelhos
enquanto finge
que ouve os teus pecados
Depois olha-te
como se fosse ternamente
Acaricia os teus cabelos
Diz que lamenta
mas todos os lugares
estão ocupados.
Não entres na igreja :
juro-te
que os santos
te olharão com toda a inveja.
2013agosto23ANTÓNIODEmIRANDA
terça-feira, 22 de agosto de 2023
"POSSO REZAR?" (nota do Senhor Levi Condinho)
Há um enorme escritor, diferente de tudo e todos, que, na sua radicalidade lúcida, se insurge contra o culto do elogio – falo de Alberto Velho Nogueira.
Mas não sigo os seus conselhos. Elogio mesmo, com paixão, esta bela obra do nosso irmão António Miranda!
AINDA NÃO SEI DESENHAR AS MANEIRAS DE PEDIR DESCULPA
Ao que nós chegamos
clama a ausência afogada no pó da saudade
Lentas danças da solidão
anseiam pelos passos da valsa desaparecida
Inquietos, os aplausos há muito que tentam
ignorar os caminhos do sossego do fim
Poder-se-ia desenhar a cor do desejo
mas o tempo ladrão despejou o seu sentir
Na minha cabeça há um paraíso
que não pára de me inquietar
Assustado sonho sempre a fugir
do abraço que me entregam
O vazio do olhar tinha morrido sozinho
,2023Jul_aNTÓNIODEmIRANDA
DESCONFIO MUITO DESTAS HORAS
Sentado no banco do costume, ´
espreito no Tejo
rios que já não me causam qualquer inveja.
Tenho delírios para ninguém acreditar
e tento vender sonhos com recheio de pastéis de nata.
Nada de novo vem neste comboio sempre atrasado.
A articulação segue dentro de momentos.
Ouço dizer no guichet das informações indignas.
Dou corda à mochila,
componho os laços dos sapatos
e confiro a pressão dos tacões.
Como se me fosse permitido sair desta imprecação.
Atraco no cais sentimental
onde mojitos demasiado caros
pretendem atestar a minha incapacidade.
Apalpo o suco das axilas
num breve instante de autenticidade.
Fujo de mim, não quero estar assim
e deito-me na preia-mar com o escafandro sintonizado.
Amanhã irei mudar a corda.
Desconfio muito destas horas.
2016,08aNTÓNIODEmIRANDA
ALGUM DIA