Não sei naquilo que me tornei.
Não consigo apanhar as silhuetas que bailam na minha cabeça, e que jogam o mais sujo dos sonhos nesta tempestade vestida de fantasmas.
Quero dançar a beleza do fim do amor.
Afastem o cheiro das velas queimadas.
Pretendo outra estrada, novas lembranças,
desinfectar a escuridão que paira nos meus ombros, uma heroína não falsificada, um beijo não suplicante, qualquer luz que não mostre o caminho mentiroso.
Sim!
Tudo!
Tudo foi diferente naquela manhã.
Voltei a ser o rapazinho a imitar alguém que não eu.
Pedra rolante,
choro secreto escondido na mala dos sonhos
que pintam toda a ausência.
Nada cabe neste bailado de passos perdidos.
Nem sempre segui os conselhos dos sorrisos desconfiados, e, disso ainda não me arrependi.
A glória nunca dormiu ao meu lado.
Continua a ser a mais cara das aldrabices,
a única puta desonesta.
O que faço quando estou só?
Esfrego o cheiro da tua pele nas cordas da minha angústia.
Ajoelho para beijar o sabor da nostalgia,
e corro para o riso da tua cocaína.
Quantas vezes nos prometemos naquele baile de marionetas?
Dêem-me cicuta!
Um solo do Ron Wood!
Um sniff do Keith Richards!
Estou com sede!
É só para erguer a moral.
Toda a vez que fico assim,
ganho a certeza que nem só os pássaros podem voar.
Nunca sonhei com alguém parecido comigo.
Talvez tenha adormecido com a desgraça desse momento.
E, como sempre, ninguém ofertou o ventre do conforto.
Suicídio alegre, não enamorado da noite das estrelas livres.
Mas eu não me importo se o pôr-do-sol não acontecer
no parapeito do meu optimismo.
Não passo de um tocador de gaita com algum jeito para fritar croquetes.
A harmónica dos blues chega com a noite para me acordar.
Disfarço o convite prometendo-lhe o paraíso do Baudelaire.
As coisas mudaram.
Em muito destes anos, as flores do mal foram simpática companhia.
Confesso que nem sempre estive atento aos sons do silêncio.
Era jovem, e apressar os tempos do relógio, distraia-me.
Que alguém me ajude a contar mentiras verdadeiras.
Claro que tenho saudades.
Mas tento não tocar neste chão que grita
a dureza dos momentos que matam.
Voei alto nas asas do ícaro desenfreado.
Aterrei no terreiro vizinho da desgraça,
saltei a negação, enrolei paixões de breves futuros.
Esconde-me no escuro do teu altar
-ama-me mesmo que não consigas
-molha-me o desejo, mesmo sem beijo.
Sabemos que o amor é cego e nunca ouvirá as nossas desculpas.
Só posso prometer um final feliz no satélite das notícias avariadas
Pai meu, não sei onde estás.
Não preciso da tristeza pintada na lua de Havana
montada pelos cavaleiros da tormenta
que desassossega os gemidos das noites sortudas.
Prometem mudanças, mas só queimam as memórias.
Roubam tudo nesta mentirosa valsa.
Até Deus perdeu a esperança na farsa que vos entregou.
A misericórdia é a mais cotada trapaça na bolsa das acções nefastas.
Tempos sujos!
Se pudesse, rezava por ti.
Mas não sei ler esta doutrina.
Fico no quarto das memórias coladas.
Divirto-me neste arco-íris povoado de alegres pirilampos.
Acendo guitarras imaginárias,
desato os nós que me encaminham para o céu
que nunca me encontrará.
Até porque o paraíso está num sossego monstruoso.
Degustados nas encrencas,
os usurários deixaram de pagar o condomínio.
A administração demitiu-se.
Procuram-se substitutos à altura.
Os interessados que publiquem o curriculum vitae em mensagem privada.
Pretende-se um defunto afável
-de fino trato
-humor em mau estado de satisfação.
Em verdade vos cuspo:
O tempo não passa de uma asneira ignobilmente repetida.
,2021Novembro_aNTÓNIODEmIRANDA