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domingo, 12 de maio de 2024

(PÁRA-ME DE REPENTE O PENSAMENTO) Ângelo de Lima

 


Até então, nada sabia sobre essa história com pensamentos a sair constantemente da cabeça. Havia medos que corriam entre os dedos, como se fossem lágrimas vindas de um lugar onde nunca esteve. Então ficava quieto. Tinha as conversas possíveis, sempre com alguém que nunca foi. Desconfiado como era, olhava abundantemente para a imagem escrita do espelho, e lia-lhe o manual de instruções para a colocação do saco do aspirador, que nunca chegou a comprar. Eram dias quase perfeitos, embora o encanto continuasse a ser aquele orifício cada vez mais tapado pela enorme impaciência que teimosamente lhe oferecia a mesma quantidade de dúvidas. Tudo tentou. Mesmo aquela teoria de nada continuar a ser. Deitou-se de costas para si mesmo, acendeu o cigarro ao pássaro, ligou o ferro de engomar e queimou a torrada habitual. Só adormecia nas noites em que não queria acordar. Então deitava-se abraçado ao mais perigoso dos verbos: amar. Acordava, quando não queria. Chorava quando ninguém sabia, e limpava as lágrimas a umas mãos sempre ausentes. Eram sempre distantes os dias que ficavam por acontecer. Tinha tatuado na pele, uma figura de BOSCH, que constantemente lia o poema:


Pára-me de repente o pensamento 
Como que de repente refreado 
Na douda correria em que levado 
Ia em busca da paz, do esquecimento 
Pára surpreso, escrutador, atento, 
Como pára um cavalo alucinado 
Ante um abismo súbito rasgado 
Pára e fica e demora-se um momento. 
Pára e fica na douda correria
Pára à beira do abismo e se demora 
E mergulha na noite escura e fria 
Um olhar de aço que essa noite explora 
Mas a espora da dor seu flanco estria 
E ele galga e prossegue sob a espora.


(Ângelo de Lima)



2015,mai11_aNTÓNIODEmIRANDA
poemanaalgibeira.blogspot.com





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