Andamos para aqui a sarapintar vírgulas num papel qualquer.
Sabes, os poetas não têm uma fama lá muito aconselhável.
Há quem diga que têm na alma um teclado de uma máquina de escrever.
E não são muito rígidos na escolha das palavras adequadas.
Às vezes pintam imagens estranhas, como se falassem com elas.
Abusam constantemente nas cargas etílicas.
Têm sempre uma pressa urgente.
E lavam pouco os pensamentos.
Enfeitam com um laço as ilusões,
ouvem outras vozes frequentemente
e são geralmente doidos por um par de asas.
São singelos na leitura de cartografias,
aparecem tímidos nas fotografias,
e passam muitas tardes a corrigir epitáfios.
E beatificamente despedem-se com a bênção habitual:
Que deus vos acompanhe,
porque eu já não sei o caminho.
Aqueles, ditos subversivos,
apostam sempre na barata tonta,
e lisonjeiam com desdém matraquilhos curiosos
que vomitam sílabas mal cheirosas.
Os poetas não são assim,
mas também nunca poderiam ser o contrário.
Têm ritmos de alquimia,
e, sentados, tentam colorir outro cenário.
Pensam que falam como as pessoas,
discutem amiúde anatomias sintéticas,
descansam os olhos com atitudes patéticas,
e sorriem como se fizessem parte do mundo.
Cultivam simpatias incompreensíveis,
dão longos passeios envoltos num manto de nevoeiro, chamando alguém em forma de estátua, de Sebastião.
Odeiam parapeitos supersticiosos,
e escorrem por uma corda fictícia
até pisarem os pés da lua.
Dois poetas nunca se encontram,
mas abraçam-se com um código secreto,
e sabem de cor a maliciosa password.
Os poetas têm importâncias não definidas,
e sangram como crianças,
pelo poema que nunca poderão escrever.
Vivem em forma de tempestade,
o tempo que constantemente lhes foge.
Cavalgam como um puro sangue,
mas enganam-se sempre na corrida.
Sabem que não há futuro na poesia,
mas, enquanto poetas acreditam na sua eventualidade.
Há quem diga que não são normais!
Até mesmo difíceis!
Têm sempre um copo na mão,
Donde bebem sessões contínuas de dignidade.
Nunca renegam a condição de ser poeta.
2016
aNTÓNIODEmIRANDA
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