UM DIA DA SEMANA – I
Quando nasceste
em 1938,
morria César Vallejo.
Quando a tua cabecinha,
o teu umbigo,
a tua coninha virgem
assomavam ao mundo
por entre as belas pernas da tua mãe,
o poeta era posto num buraco.
Cobriam-no de terra
e a ti
cobria-te a memória.
Não tinhas escolha.
Porque se escolhes
vives.
E se vives
gozas.
Mas o gozo é o horror do sonho:
dormir será para sempre.
Haverá um cheiro a pimentos fritos,
um alvoroço de vozes no bar.
Será um dia da semana,
quando os móveis mudam de sítio durante a noite
e de manhã
as mulheres falam sozinhas.
O teu nariz estará entupido e a sobrancelha direita
mais descaída do que a esquerda.
As ancas niveladas,
o cabelo mal cortado e perdido o corpo
nalgum vestido largo que esconda a banha da tua cintura.
Se os teus avós eram lunáticos e tristes,
isso constará do relatório
de um qualquer funcionário zeloso.
Cruzarão os teus braços sobre o teu peito
o que é fatal
pois assim não poderás
usar o inalador
para respirares melhor.
É falso que os teus abraços sejam convulsos
e os teus furores imprevisíveis.
Falso o vidro que ainda embacias com os teus arrotos.
Falsos os teus mamilos, as tuas sardas avermelhadas.
Na noite passada estavas decidida:
já que não durmo
escolherei a morte.
Mal esperavas tu que o pernil de borrego se derretesse,
suave,
leitoso,
sobre a tua língua.
Disseste apenas:
dois partos,
dez abortos,
nem um orgasmo.
E bebeste um valente trago de vinho.
Também Vallejo procurava um pernil de borrego
na ementa do La Coupole.
Todos olhavam os seus olhos taciturnos
enquanto ele só pensava nos ouvidos mudos de Beethoven.
Terá perguntado à sua companheira:
Porque já não me amas?
O que é que eu fiz?
Onde é que falhei?
O salsichão do cassoulet deixou nódoas de gordura na sua camisa.
Como tu,
sentiu a compaixão fatigada do seu corpo.
E tentou adivinhar quem nasceria nessa noite,
enquanto tentava cair no sono.
Morrer
requer tempo e paciência.
Sem comentários:
Enviar um comentário