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sábado, 22 de novembro de 2025

BEAT (Com um abraço para o Miguel Martins) - 56! Parabéns.

 



Ginsberg!
Na América nada mudou! Apesar dos avisos e das mil profecias que lhe entregou. Tudo continua ridículo no país que tanto te ofendeu. Corso continua à deriva tentando encontrar uma plantação digna da sua generosidade. Snyder deixou de ser um monge respeitado mesmo não tendo corrido bem a impressão de haikus na Reader's Digest. Diane di Prima e as suas longilíneas meias de vidro enforcam agora as memórias da beat com “mais ou menos poemas de amor”. Ferlinghetti tenta fazer o que pode emoldurando “os dias tranquilos”. E eu próprio para lá caminho. Allen, tenho todos os seus poemas guardados num saco cama sempre pronto a desafiar-me. Continuo a entrar nos supermercados sem que alguém reze pela minha beleza. Compro assim o que falta usando um cartão de crédito made in China. Pago as contas com euros sediados numa off shore que continua a fazer-me a vida ainda mais preta. Nas ruas vejo tantas pessoas deitadas ao lado dos contentores do lixo que comem depois dos ratos saciarem o apetite. Ginsberg, a América está como sempre perigosamente parecida com o outro mundo. 
E os russos ainda o tornam pior. Ginsberg, toda a gente escreve palavras numa articulada mania que dizem ser poesia. Aprenderam nos compêndios que lhes oferecem doutoramentos tirados nas máquinas das fotografias onde perdemos a identidade. Allen, morre-se assim sem dar por ela, embora ninguém vá ao seu funeral. Nunca estive na City Lights mas quando lá chegar serei imediatamente cumprimentado pelo Lawrence. O mundo continua a fugir do meu sonho e desatento como é, tenta polvilhar os seus poemas como se isso pagasse o respeito que nunca mostraram. O Carrol já não tem saudades do pai e ocupa agora os feriados entregando porta a porta embalagens de poesia sem consignação. Ginsberg, este universo é cruel apesar de tudo o que tenho oferecido. Tenho a uretra infectada com pus e uma fricção contagiosa que me controla a alma e o Robert Saggese tem “um pássaro na palavra” e está demasiado esquecido para a salvar. Allen, tomam conta de mim agora anjos que nunca pedi. E fazem piqueniques no Central Park com a bandeira do Goldman Sachs estendida e olham de soslaio todas as minhas expectativas. Ouço em semitom a música das sirenes que encharcam a minha ruína e Frank O´Hara continua preocupado com “a crise da indústria cinematográfica”.
Morre-se em qualquer lugar sem hora combinada sem culpa formada e sempre nos apanham desprevenidos e esta é “a proposta imoral” escrita por Robert Creeley. Allen, a vida é o cemitério do medo com orações take away gravadas em lápides onde se mente aqui jazz um homem bom. A melancolia cega a beleza dos meus olhos perdidos de volta no espelho, onde costumava ver-me enferrujado como os nós do arame farpado, pejado de retratos desconhecidos balançando uma “melodia para homens casados” gingada nas ancas da Lenore Kandel. E a noite chega atrapalhando o festim do fim do mundo, que acontece todos os dias em que não somos capazes de nascer. E Ron Loewinsohn continua a gritar “contra os silêncios que estão para vir”. Allen, sou observado por um drone não identificado e só tento esconder a denúncia nas folhas que guardo num mealheiro que roubei na igreja dos últimos dias dos santos sem piedade. Estou farto de ver gente feliz sem qualquer motivo e com orgulho menstruado pela miséria que espalham. Mas este passadiço não tem limite e eu acabo por adormecer sempre com a estrela errada na cabeça. Koller tenta acalmar-me oferecendo um tapete de “Ossos & Penas Pele e Asas no chão”. Allen, preciso de uma ligação pré-paga para o paraíso artificial. Pretendo pedir asilo temporário para a minha solidão. Mas ninguém se interessa pelo meu horário, embora ele não tenha os dias sempre tristes. Allen, estive numa concentração budista em que um monge flipado danificou o meu drama. Frequentei aulas de yoga com uma bailarina atenciosa que só bebia iogurtes fora de prazo. E até deus sabia o quanto eu detesto esta forma de orientação. E assim fui até ao fim do mundo ainda com um fardo mais pesado. Perco-me no significado das eloquências mal frequentadas que mais parecem elogios fúnebres acompanhados pela dança de carpideiras hawaianas, que me puseram no pescoço um colar de flores putrefactas e agora entretenho-me nas horas de ponta a espalhar o seu perfume nos urinóis mais utilizados pela opinião pública. Tenho uma postura sisuda e nada simpática para não me confundirem com o namorado da barbie. Volto ao lugar para ouvir o discurso do velho corvo de asas metalizadas e língua prenhe da única sabedoria. Fala-me do degelo da humanidade e dos medos que tanto a ferem. Então digo-lhe que estou pronto. Eu sei que ele me levará aos demónios. Allen, não quero este caminho que a solidão comodamente instalada no sofá pensa cativar-me. 
Actualizo-me num sequestro sereno na chegada do momento de abraçar manuscritos pacientes que decoram as sombras do silêncio numa modernidade de estátuas com olhares distantes. Este universo é cruel apesar de tudo o que tenho tentado. Estou cansado de esperar nas escadas do paraíso com a chave errada. 
Tenho uma coleira certificada, anti tudo mas que não funciona. Tomam conta de mim agora poetas tão tesos como eu. E afiam no nobre golpe da navalha a memória enlouquecida. Aparo pétalas demasiado parecidas com gotas de sangue. Já não penso no que teria ter sido nem nos milagres que tentavam vender-me na feira das onze aos domingos. 
Aplainei virtudes diferentes nos anos que só a mim pertenciam e alinhei nas propostas condizentes com a minha pretensão. Colhi nesta estrada frutos nunca imaginados por quem de mim só pensou o que não me conhecia. Continuo um curioso sem complexos o que me torna um aprendiz interessado.
Ginsberg!
Também tenho um grito!
E um frio tremor nas mãos que me tempera angústias desesperadamente sós.
Ginsberg!
O mundo nunca vai encontrar o caminho.





2016,09aNTÓNIODEmIRANDA
poemanaalgibeira.blogspot.com

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