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terça-feira, 12 de março de 2024

ELEGIA A JACK KEROUAC (12 Março 1955 - 21 Outubro 1969)



Nasci na página 124 do On The Road e passados cinco minutos desvirginei - me fazendo amor com o pôr-do-sol numa praia sem nome Passei noites dormindo em latas de sardinha com um polegar esticado aprendi a falar com cães e a chamar mãe às auto estradas e aos vagões de mercadorias dos caminhos de ferro Amei em bermas de estradas caguei debaixo de árvores abracei violas livros e mijei nos sacos de plástico dos supermercados Lavei os dentes em cabines telefónicas enterrei tesouros em vasos com plantas roubei papel higiénico e bocados de espelho das retretes dos cafés e hotéis Troquei fatos por blue jeans sujeitando - me às caricias do cinto do meu pai Aprendi que o ópio não deverá ser a única religião das pessoas e guardei um pelo da barba do Ginsberg
Forniquei dias e noites seguidos com a lua e a amante do Nixon e tive que cultivar a pénisflor
Vi aqueles: que morreram afogados pelos ideais que eles próprios construíram pensando na compreensão das pessoas e Jesus Cristo praticando budismo á meia-noite em Biarritz E aqueles que apertavam as mãos aos caranguejos e davam autógrafos a camelos com o objectivo de angariar votos para as futuras eleições E aqueles que confundiam estrelas com candeeiros que diziam que uma viola é como uma mulher que congelaram o sol que engarrafaram o cheiro da manhã que beijavam flores e arco –íris bebiam chuva e liam revistas pornográficas embrulhados nos  sacos de dormir e vagueavam pelas avenidas e jardins desertos à caça de homossexuais
Aqueles que em viagens clandestinas subiram à lua e substituíram a bandeira americana por uma toalha de mesa e que pensavam fazer um piquenique sobre essa mesma toalha e que morreram fazendo a barba com um corta unhas Aqueles que se perderam no meio da viagem porque se esqueceram da bíblia que fugiram de casa e voltaram de táxi que resistiram aos olhares das pessoas demasiadamente semelhantes aos dos chuís da brigada de narcóticos Que faziam amor julgando que este é um jogo de cama E ouvi: freaks & pseudo freaks gurus & pais arrependidos vendedores de seguros varredores de ilusões carneiros manietados pelo sistema budistas que tudo e nada me disseram ouvi Fidel  Castro declarar-se à Marilyn Monroe prometendo - lhe que raparia a barba O barulho que Salazar fazia quando chupava no polegar da mão esquerda O vento batendo à porta do banco do jardim durante as noites em que eu ainda sonhava
Ouvi Kissinger pedindo-me um charro e conselho para fomentar uma nova guerra: ambicionava ganhar outro prémio Nobel da paz Vozes histéricas de estátuas coisas e pessoas durante actos sexuais prostitutas adolescentes dirigindo-se timidamente a homens casados complexados para os quais ser cornudo é facto que não podem  admitir
Ouvi  Ouvi  Ouvi  Ouvi Ouvi Ouvi Ouvi Ouvi
ouvi vozes protestando contra a guerra o ódio e a miséria e a quem calaram para sempre com paradas e tiros de metralhadora e celas onde os ratos preferiram morrer Ouvi choros de mulheres velhos & órfãos que em gritos dilacerantes perguntavam qual a razão da fome e da opressão e que perderam definitivamente a confiança que até então tinham nos homens Valquírias sussurrando - me para escarrar nas bandeiras soldados feridos cantando hinos nacionais enquanto lhes pregavam medalhas 
Ouvi Lenine & Trotsky discursarem sempre em pé e durante longas horas para peixes vermelhos Bakunine e os demais verdadeiros anarquistas serem apelidados de loucos e inconscientes por rebanhos de carneiros cuja posição embora erecta em nada os diferenciava dos estúpidos peludos das regiões inquietantes
E senti: os olhares inquietantes daqueles que
por serem diferentes a sociedade etiquetou de loucos e encerrou em manicómios Estive numa reunião do Movimento Nacional Feminino onde me serviram croquetes que eram tirados dum soutien da Triumph copa 48 Estive: em comícios políticos onde vendiam batatas fritas em manifestações em que apalpavam
o cu e os seios às gajas cujas formas corporais
despertavam positivamente apetites sexuais

Nasci na página 124 do On The Road e
passados cinco minutos e trinta segundos ...





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poemanaalgibeira.blogspot.com








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