Costumava escrever com palavras de sangue coalhado, os duelos que ganhou naquela varanda fugida do véu. Não falhava um episódio da série preferida, e saboreava aquela carne picada dos mortos saltimbancos, com cicatrizes iguais ao medo que o agasalhava. A ementa saudável jazia no vazio daquele restaurante de garfos sem nome, e colheres litografadas na fome, que queriam, clandestina. Um osso de áspero apetite, uma lágrima salgada no caixão da sobremesa, um pénis devoluto, farto de não ser usado, uma sopa de dentes temperada com a piorreia, a granada escondida na panela aquecida num fogo dorminhoco, e um prato sem nada para encher. Bombas preenchiam o vazio da noite só com sonhos proibidos, porque o cansaço era mais eficaz do que o sono. Uma terrina mergulhada por dedos, mesmo sem a ténue esperança de matar o desejo. As mãos atadas para uma reza sem ocasião, abraçavam a morte amofinada pelo desespero. Sorrisos hipnóticos, encenados por luvas brancas no circo do palácio das fantasias. E o cerzir, não muito conseguido, das ideias que procuravam outra realidade.
Nada receies, dizia o medo que não querias perceber.
Um estrondo não inventariado.
2018Mai_aNTÓNIODEmIRANDA
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