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sexta-feira, 31 de março de 2023

FANTASIA

 

Um anjo deprimido pousado no meu ombro 
conta-me a história do corvo 
que fugiu de um certo livro.
Ouço com atenção este murmúrio de última hora 
e sossego-lhe o medo com outra fantasia.
Era uma vez um eu que fugiu tanto de mim, 
que foi encontrado num conto desalinhado 
lido por formigas sábias 
que ensinavam os poetas a escrever nas entrelinhas.
Os anjos ficaram contentes 
e nos seus óculos de estimação 
eram lidos os mais lindos poemas.
E os poetas felizes 
entregavam silêncios agradáveis 
nas ruas dos destinatários abençoados.

2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

PRÁTICA HABITUAL

Passo momentos tranquilos a ler Ferlinghetti.
Na cabeça da minha aldeia, despenteio na colina da poesia, os seus poemas, para mais tarde oferecer aos pássaros das asas douradas.
Dedilho alguns Blues nas cordas da minha guitarra, e aguardo, como de costume, a entrega de “ A boca da verdade”.
Os náufragos atrevidos, auguram sempre a manhã, embrulhada na crença dos cadastrados, e, enchem a agenda com essa mentirosa suposição. 
Lábios pintados de nojo, há muito que assassinaram o presente, no duelo das almas escondidas, programado para o entardecer das esperanças com fim anunciado.
Não é preciso ser maluco para meter uma pistola na boca. 
(vi isso numa cena de um filme, cujo nome não consigo lembrar).
Sinto que um anjo fugiu de mim, assustado com o grito que humedeci.
Possivelmente irei solicitar um relatório circunstancial, um acordo escrito numa côdea, tão ressequida como a ousadia dos dias felizes.
Nada tenho para esconder, para além daquilo que não pretendo mostrar. 
Tenho no apertar do cinto, o som das doze badaladas, fivelas de nojo guardadas numa colecção de hipóteses, que, há demasiado tempo me estorvam.
Não tenho tecto de abrir.
Só sei que esconderam o sonho, sempre que confiei na roda da sorte absurda .
Dou comigo, sempre de costas voltadas para a azia da felicidade.
Encostado no sofá, queimo todas as lamentações na escala da velha viola.

Gememos os dois.
(é uma prática habitual).


,2019mar_aNTÓNIODEmIRANDA

PASSIONE

Ao princípio nem era sangue
Para quem só desejava beber a gota
Dos beijos acontecidos...
Peles quentes ardendo nos desejos
Que nunca chegaram ao fim
Estrelas incendiadas
Foram-se apagando
Fugindo apressadamente
Como se levadas
Pela fúria do desamor
Paixão fugidia
Lavando a pressa
Daquilo que já não acontecia.





2015aNTÓNIODEmIRANDA

#INSANE# - Rui Baião * Averno 2014

 







BEIJOS À LA CARTE

 

Beijos para as manhãs que não prometem dias mentirosos
Beijos para os que danificam inquietudes matreiras
Beijos para as circunstâncias verdadeiramente importantes
Beijos para os que fazem companhia aos sagrados silêncios
Beijos para os anúncios deixados nas paredes dos wc
Beijos para os que inventam paixões assolapadas
Beijos para as solidões gloriosas
Beijos para os frequentadores das conclusões não sóbrias
Beijos para os amantes ofendidos
Beijos para a punição das consciências sifilíticas
Beijos para os náufragos dos paraísos artificiais
Beijos para os que nos momentos desabrigados 
ainda teimam em oferecer cardumes de felicidade
Beijos para os vagabundos celestiais
Beijos para os colóquios nos velórios
Beijos para as fantasias ousadas
Beijos para os abandonados
Beijos para os azarados
Beijos para os excomungados da sorte
Beijos para os exagerados do infortúnio 
Beijos para os prazeres húmidos
Beijos para os autoclismos não avariados
Beijos para os orgasmos imaginados
Beijos para a importância da não importância
Beijos para os olhares perdidos nas avenidas solitárias
Beijos para os exilados da virtude
Beijos para os desterrados da ignorância
Beijos para a sabedoria do Google e dos Downloads
Beijos para as surpresas raramente inesperadas
Beijos para as janelas indiscretas com segredos mal guardados
Beijos para os futuros inventados
Beijos para os clandestinos
Beijos para os que dizem mal de tudo porque são mesmo parvos
Beijos para os que rejeitam a cretinice aguda
Beijos para alguns pés descalços
Beijos para o deslizar das sandálias ortopédicas
Beijos para os gemidos envergonhados
Beijos para as gloriosas pívias batidas ao ritmo do “Trik Trik” quando ouvíamos o “Goodbye my love goodbye” do enorme Demis Roussos
Beijos para os filósofos anónimos sem explicações complicadas
Beijos para a justa causa de matar a perversidade da justiça
&
Abraços para os que ainda se dão ao trabalho de se lembrarem de mim


,2021Dezembro_aNTÓNIODEmIRANDA

quinta-feira, 30 de março de 2023

OLHAINDE! FODEIBOS! ISTO É PARA EU NÃO DIZER OUTRA COISA

E o sangue que me enxota a pele?
E o desgosto sempre disposto a autenticar a memória?
...

E o mosto de estranho gosto azedando todos os dias com horas em conta-gotas?
E o tempo de todas as ofertas e procuras desenhado nos mapas tão longe do sossego onde quero estar?
E este nojo escalfado numa corja de desculpas estafadas?
E eu? E tu? E vós?
Os miseráveis da ignóbil conveniência sacramentada em liturgias mais mentirosas do que nós?
E nós sempre a fugir da mira, da raiva da culatra, do nó do gatilho?
Tende piedade de vós!
Contrariamente ao que se julga, já não há snipers com pontaria calibrada lá para as bermas do vaticano.
E o sangue que me encrosta a alma?
E este vazio podrido ilustrado com fotografias encastradas no laboratório da mais exacta putrefacção?
OLHAINDE! FODEIBOS!
ISTO É PARA EU NÃO DIZER OUTRA COISA
.

E os santos doentes os não crentes os ausentes os renitentes os repetentes os competentes os convergentes os assumidos os possuídos os poluídos os inerentes os santificados os descuidados do último dia os que arderam na fogueira dos mantos sagrados os bons os maus os vilões os excomungados os de pau os de pedra os talhados os pedrados os mostrados nos calendários os vigaristas os vigários os que não foram convidados para a última ceia os que fugiram a tempo os enganados os refugiados da via-sacra os escondidos os arrependidos?
OLHAINDE! FODEIBOS!
ISTO É PARA EU NÃO DIZER OUTRA COISA.

E a caixa das esmolas com pagamento multibanco?
Estamos a falhar demasiado nesta mentira.
E os castigos com isenção pecuniária o padre com indumentária de freira e que adora a boa cu-linária mesmo que chova à segunda-feira dia sagrado para dar outro género de missa?
E as misses virgens casta tourina nacional o que é bom não faz mal o pecado mora ao lado com a vizinha anafada de quatro aninhada muito geme a desalmada.
E nós por cá manipulando um comando da tv à procura do canal codificado.
QUILHAIBOS!
E os pecadores oprimidos alguns até perdem os sentidos no vil caminho da redenção amparados em muletas podres e promessas em contramão?
E a sede estúpida que alimenta este penar com que se lavam remorsos porque aquilo que quisemos nunca fomos capazes de tentar?

OLHAINDE! FODEIBOS!
ISTO É PARA SEMPRE!
QUE EU NÃO TENHO OUTRA IDEIA MELHOR
.


2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

Fui ao jardim da Celeste.


quarta-feira, 29 de março de 2023

MORRE-SE SEMPRE NA VIDA QUE ACONTECE

 Sou um vagabundo na lavandaria dos afectos abandonados. 
Um ramo de desesperos, 
deitados na manta que arrefece 
a desilusão do absurdo dos dias, 
escondido no contentor dos lixos indiferenciados, 
chora nos ombros o voo ferido das solidões. 
Na rotunda dos prazeres esquecidos, 
queimam-se anúncios das falsas promessas da salvação. 
Onde estás, crepúsculo dos deuses caídos? 
Estou cansado de andar por aí, 
embrulhado na teia do sonho impossível, 
impaciente no admitir um destino improvável, 
enviado por um call-center  
oferecendo prémios irrecusáveis.
A minha sorte não merece tanta atenção!
Na noite dos desencontros, 
procuro no canto desta pele machucada, 
razões de senso escusado, 
e, queimar nas folhas da sebenta, 
palavras que recuso ouvir.
Morre-se sempre na vida que acontece.
Os culpados jogam monopólio 
nos banhos da batota habitual.

,2021Mar__aNTÓNIODEmIRANDA

ESTENDO NO SILÊNCIO O SOSSEGO DO MEU LUGAR

Talvez o último fôlego esteja a acontecer, nesta luz gasta de aquecer calafrios.
Há memórias teimosamente caladas na pele, soluços clandestinos, que toldam qualquer sentir, nomes que sem prévio aviso, anunciam convites para as noites das facas longas.
Estendo no silêncio o sossego do meu lugar.
Faz de mim o que quiseres, mas, não abuses mais do que o necessário, Rainha dos sonhos desenhados a granel.
Sou apenas um refúgio de cartilagens, usadas nesta insatisfação que airosamente me acompanha.
Vem até mim! Chega-te para fora do meu suor, Rainha dos sonhos desenhados a granel.
Leva-me para o longe da distância maior.
Respeita-me, que eu só tenho o tempo que a memória ainda não apagou.
Livra-me de alguns males, principalmente daquele que incendeia, a infeliz circunstância dos pecados que ainda não fabriquei.
Estou por aí. Sou uma sombra que ainda anima os juros bonificados, de uma lembrança a curto prazo. Enquanto eu assim o desejar, ó luz da mais fundida esperança, queimada nos horóscopos programados no científico conhecimento, nunca exigirei a vossa permissão, para aqui, agora e nos demais lugares, afirmar que, na minha condição de único interessado no modo como pretendo gastar os dias, (mesmo aqueles com o olhar triste), estou indisponível, para dar corda a todas as convicções alheias à minha vontade.
Ó Rainha dos sonhos desenhados a granel, fica comigo, mesmo nas noites da lua mentirosa. Põe-me de lado sempre que quiseres, mas não me roubes o calor da tua cama. Deixas-me cansado, nesta sequência repetida de assinar o teu nome, no céu das estrelas desanimadas.
Fico tonto de tanta volta que pinto neste ofício de te procurar. Como se eu, alguma vez pudesse acreditar no abandono com que saboreias as minhas manhãs.
Ó Rainha dos sonhos desenhados a granel, confesso, não sei beijar o teu fel.
Acorda-me sempre que te apetecer, escreve nos meus olhos o calendário do nosso desejo.
 
,2019mar_aNTÓNIODEmIRANDA

SNS (2)

 Retire a senha.
Aguarde por favor.
De momento a sua vida,
encontra-se em lista de espera.
Voltaremos ao seu funeral,
logo que possível.
Cuidamos de si.
Não desespere.



 2018Mar_aNTÓNIODEmIRANDA

LISBOA BLUES (9) I`M IN THE MOOD

 


Não sinto que seja pecado
Este desejo que me apraz
De matar-te.
Não minto o que sinto
Mas sinto que um beijo
Às vezes chega para enganar-te.
Mas talvez
Seja esta a minha forma de amar. 
Não me lembro da cama
Onde fingi.
Acordei lesto
Numa manhã qualquer.
Não sei com que noiva dormi.
I`m in the mood !
Penso muitas
Demasiadas vezes
Isto para mim próprio.
Bom!
Agora tenho de acordar.

,2015_aNTÓNIODEmIRANDA


POESIA-ME

 


Não quero nada de profundo.
Já me basta o presente sem fundo 
e um qualquer acaso sem caso que me preencha.
Talvez um anjo vagabundo me calque os ouvidos
sem as palavras certas 
escritas na cortina
em forma de segredo. 
Triste enredo voando na incerteza 
como pássaro triste escurecendo o céu, 
pintando a noite recolhida no ninho 
que já não lhe pertence.
Não quero nada de profundo.
Nem sequer o poema onde tu já não cabes.
Talvez um momento  sem efeitos secundários
nem princípios activos  para a manutenção 
do nível razoavelmente normal de colesterol.
Não quero nada de profundo.
Como se rezar antes de deitar
tingisse uma urgência
que também já não cabe em mim.
Poesia-me em lume brando
com o gume da chama violenta.
Poesia-me como se eu fosse o único poeta
que usa versos atados  num punhal
onde ardem soluços em morte lenta.
Poesia-me
como se a poesia fosse sempre verdade.

,2016,03aNTÓNIODEmIRANDA

FERNANDO CALHAU (1948-2002)

 Nasceu em Lisboa em 1948. Concluiu o curso de Pintura da ESBAL em 1973, partindo nesse mesmo ano para Londres, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Na Slade School of Fine Arts, completou os seus estudos na área de gravura, com Bartolomeu Cid dos Santos. A prática de gravador vinha sendo decisiva num percurso que se iniciara precisamente, pela aprendizagem na Cooperativa Gravura, instituição onde realizou a primeira exposição individual do seu trabalho (Gravuras Brancas, 1968). 

Na pintura, as formas quadradas cedo se tornaram preferenciais, e o colorido, restringido à gradação do preto e branco, chegou mesmo ao negro integral, pela primeira vez, numa série de desenhos de 1970. É considerado  um dos mais importantes artistas gráficos da segunda metade do século XX. Além do desenho, Calhau dedicou a sua vida à escultura, pintura fotografia e vídeo.






#PICNIC#

Colagens s/ tela | Dim.: 24x30 cm
´2016,03aNTÓNIODEmIRANDA

O CARRO ELÉCTRICO

Nunca quis ficar aquém dos outros.
Naquele dia levantou-se mais cedo.
Queria fazer uma surpresa à Maria.
Chegou à cidade e comprou um carro eléctrico
superiormente melhor do que o do Joaquim
que tanta raiva lhe metia
quando aos domingos,
ele vagarosamente e babado
aparecia lá na aldeia.
Já chega!
É demais!
Ele vai ver como é!
Chegou a hora de ir para a cama.
Apagou a vela.
Ainda hoje adormece
contando a maquia
que tem poupado em energia

 
,2016,03aNTÓNIODEmIRANDA

terça-feira, 28 de março de 2023

FEELIN' BAD BLUES


Nada mais do que um lugar falsificado.
Alguém assustado fugiu do poema onde estava escrita a sua história.
Sentia-se mal, deslizando ao desbarato naquela solidão sem nome, 
da rua das janelas espalmadas.
Há muito que não conseguia enforcar a sua sombra, com quem costumava cerzir longas conversas.
No copo do fundo triste, 
afogava desgostos, ignorados pela amizade há muito arranhada.
Sentia-se mal, quando acontecia lembrar o atalho que o afogou em delírios da mais crédula ousadia.
Secava no estendal da vontade perdida, pitadas de sal com sabor a lágrimas.
Aqueles que lhe pediram o número do telefone, nunca ligaram. 
(alguns disseram que era para não incomodar).
Sentia-se mal, nesta caldeirada de egoísmos, adubada com a mais hipócrita das preocupações.
Achou por bem
rasgar o poema.



,2019mar_aNTÓNIODEmIRANDA

MYO VESTRINI #POUCAS VIRTUDES# #CIDADÃO VALENTE#

 

UM DIA DA SEMANA – I


Quando nasceste
em 1938,
morria César Vallejo.
Quando a tua cabecinha,
o teu umbigo,
a tua coninha virgem
assomavam ao mundo
por entre as belas pernas da tua mãe,
o poeta era posto num buraco.
Cobriam-no de terra
e a ti
cobria-te a memória.
Não tinhas escolha.
Porque se escolhes
vives.
E se vives
gozas.
Mas o gozo é o horror do sonho:
dormir será para sempre.
Haverá um cheiro a pimentos fritos,
um alvoroço de vozes no bar.
Será um dia da semana,
quando os móveis mudam de sítio durante a noite
e de manhã
as mulheres falam sozinhas.
O teu nariz estará entupido e a sobrancelha direita
mais descaída do que a esquerda.
As ancas niveladas,
o cabelo mal cortado e perdido o corpo
nalgum vestido largo que esconda a banha da tua cintura.
Se os teus avós eram lunáticos e tristes,
isso constará do relatório
de um qualquer funcionário zeloso.
Cruzarão os teus braços sobre o teu peito
o que é fatal
pois assim não poderás
usar o inalador
para respirares melhor.
É falso que os teus abraços sejam convulsos
e os teus furores imprevisíveis.
Falso o vidro que ainda embacias com os teus arrotos.
Falsos os teus mamilos, as tuas sardas avermelhadas.
Na noite passada estavas decidida:
já que não durmo
escolherei a morte.
Mal esperavas tu que o pernil de borrego se derretesse,
suave,
leitoso,
sobre a tua língua.
Disseste apenas:
dois partos,
dez abortos,
nem um orgasmo.
E bebeste um valente trago de vinho.
Também Vallejo procurava um pernil de borrego
na ementa do La Coupole.
Todos olhavam os seus olhos taciturnos
enquanto ele só pensava nos ouvidos mudos de Beethoven.
Terá perguntado à sua companheira:
Porque já não me amas?
O que é que eu fiz?
Onde é que falhei?
O salsichão do cassoulet deixou nódoas de gordura na sua camisa.
Como tu,
sentiu a compaixão fatigada do seu corpo.
E tentou adivinhar quem nasceria nessa noite,
enquanto tentava cair no sono.
Morrer
requer tempo e paciência.



SE BEBER MINTA COM MODERAÇÃO

Um barco à toa
Capitão bêbado pendurado na proa
Delírio sui generis
Como se fosse Lisboa
E tanto mar tremendo de frio
Num rio cheio de vagas fingidas
Depois veio a maré Agora é que é
É preciso lubrificar a fé
Ida para longe num voo cúmplice
De gaivotas distraídas
Depois veio o fado
Triste sina sempre fora de prazo
Cantado pelo peixe escondido na ré
Vendido por varinas
Com varizes muito sabidas
Já ninguém ligava ao comandante
Triste farsante
Mentiroso curador de feridas
Consta-se que o comerciante
Deveras preocupado
Dedicou-se ao negócio do congelado
E o anzol desprezado
Converteu-se numa posta independente
Rezam as crónicas como sempre astuciosas
Que os peixes sincronizaram outras rotas
O bom filho à casa torna
Dizia a avó com os pés dentro da dorna
Moral da história:
Seja decente
Preste atenção
Se Beber
Minta Com Moderação.



2016,03aNTÓNIODEmIRANDA

DIANE DI PRIMA

 











CONVERSA COM GINSBERG


Naquela tarde depois de as manhãs se cansarem, tinha na garganta o “uivo” para tomar o pequeno-almoço. 
Pedi então açúcar mascarado tal era a pena de nunca o ter conhecido. 
Concentrei-me num cosmos surpreendido pela minha curiosidade. 
Lembro-me que era muito novo e mesmo assim já lamentar o facto de não poder falar consigo. 
Nasci adiantado e isso foi-me dando muito trabalho. 
Mas tinha a sua ideia da América e li o “on the road” na altura exacta. 
Diziam no escritório onde era paquete, que era excêntrico. 
O irmão e irmãs do meu pai, comentavam que passava a hora do almoço nos bares das putas do  Cais do Sodré. 
Coisas da ignorância, como poderiam testemunhar o Madeira Luís e o Hipólito da então livraria Opinião. 
Senhor Allen: não é culpa sua que os quatro psiquiatras,, que me escutavam, tinha eu 14 anos achavam que eu pensava diferente dos outros.
Nunca fiquei e o mesmo acontece agora, indiferente áquilo que quero gostar. 
Mas as máquinas IBM não operavam aquilo que a PATSY SOUTHGATE tinha escrito no poema. 
Cresci nos corredores do escritório o que convenhamos são copiosamente iguais aos dos supermercados onde ninguém oferece nada em troca da nossa beleza.
Tantas vezes fui alvejado a tiro nas costas por uma vontade não conseguida.
E tanto roubei num supermercado longe da sua Califórnia. 
Não visitei a campa de Apollinaire
Mas estive lá perto. 
E publicaram um poema meu sobre esse senhor. 
Não poderei enviar-lhe um sequer registo de um sonho, só porque de tanto sonhar a memória fica tão chateada que nem a mim me oferece um só.
E voltámos á América. 
E você sabe que é uma palavra em vias de extinção.
E eu sei que você até tentou ser bondoso.
Mas como diz o FRANK O´HARA, a indústria pornográfica está em crise.
Nunca estive em Nova Yorke, mas não me custa admitir que no verão em que a beijou ela estaria magnífica.
Depois disso, vermes devoraram esse lago.



2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA


segunda-feira, 27 de março de 2023

GREGORY CORSO * LAST INDIAN DREAM

 Gone the day

Gone the song and dance

Like the sun of the drying grass-

the sun I don't even trust

- can blow up anytime

All the goings gone

All the comings came




EXPLANAÇÃO




Só tenho
2 cabides.


No número 1,
penduro a certeza.

No outro,
estendo a convicção.

,2019mar_aNTÓNIODEmIRANDA

ACREDITA-ME!

 

Raramente sou o que penso.
É um defeito que envolve linguagens de algodão, 
no logro que o tempo me esqueça.
Acredita-me!
Sou uma fraude sofisticada, 
assíduo bebedor de incoerências.
Ébrio até à medula, 
tropeço nos passos da exactidão, 
a desordem que me atropela.
Acredita-me!
Nada conheço da facilidade dos dias sem névoa.

Acredita-me!
Gostaria de ter escrito outra coisa.


,2020Nov_aNTÓNIODEmIRANDA


FERREIRA GULLAR * MUITAS VOZES * Toda a Poesia * 1950 - 2010

 


Obrigado, Afonso, Sara Veiga e Tiago Costa

sábado, 25 de março de 2023

SINCERO AGRADECIMENTO

 


Graças à alegria

Que de tantas mortes

Me 

Livrou



,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


SE VIRES NUVENS A CHORAR NÃO LEVES A MAL

 


Prometeste que chegarias na lua azul.


Não imaginas a esperança que gastei

                                Para

                                        Absolver

                                Essa

                                    Mentira



,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA

ORGIA DO 7º DIA

 


Desfloraram

-

 Me 

Com 

Tantos 

Mimos





,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


OFICINA DO ERRO

 


As vezes sem tempo 
seriam o nascer 
do teu bailado de veludo

Renda de bilros enlaçada
no poema
do meu estimar

Borboletas escreveriam 
na dolosa espera
a traição das noites
do teu
não
acontecer




,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA

O TEMPO VAI PASSANDO INVEJOSO

 


Já não consegue disfarçar 

o atropelo desta contrariedade, 

que agora sei, 

mentirosamente, 

nunca desistiu de me seduzir. 


Continua a roubar folhas ao calendário






,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


NEM PARA MIM JÁ NADA PROMETO

 


Adormecer 

No 

Teu 

Epitáfio  

E

Desligar 

presente




,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


MÁ VIDA QUE A SORTE ME ENTREGOU

 


Rouco de soletrar as palavras deste 
desânimo

Náufrago da invejosa roleta da sorte

Expectativa sufocada na bafienta
e insensível almofada 
das epifanias enganadoras






,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA

GLÓRIA DANIFICADA

 


Bem-vindo à tristeza


A indignidade

Há muito que desejava

O teu regresso



,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA

ESTOU À ESPERA DA BOLEIA

 

No breve instante da
Ampulheta


Não

Penso

Em

Certas

Coisas












,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA

ESSA COISA DA MORTE NÃO PASSA DE UMA RATOEIRA PARA FUMAR DEFUNTOS

 


Reparamos 

Nostalgia 

Com 

Manobras 

Carismáticas



,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


ENTÃO É ASSIM---

 

Dizia 

Boi 

para a 

Vaca :

sabes,

eu ainda  pasto

muitas noites

sem

sonhar




,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


DELINQUENTE FALIDO

 


Animo

A conta-gotas

Solidões enfrascadas

Em suculentos

Tremores

De

Satisfação




,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


CADA VEZ ME LEMBRO MENOS DE MIM E NÃO ACHO ESTRANHO QUE ISSO ACONTEÇA

 

Nas noites que escrevem luares desamparados, 
tento não me baralhar na narrativa do lodo. 

Abano o desdém com apressadas despedidas, 
agasalho-me nos suaves uivos 
e pinto delírios em harmonias desafinadas. 

Dói a derrota amarrotada desta guitarra baixo, 
sem sol nem dó para lancetar a alegria impossível. 

Oceanos maldosos depositam cadáveres sem direito mesmo a um só e breve instante de dignidade. 

Ecos maldizentes martelam-me o sono. 
Nada de mim acaba por sobrar 
nesta cruel infâmia que cada dia me veste.





,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA

AMAR - TE É A MINHA SINA

 

Deitados na teoria dos afectos 

        Brincámos aos pecados originais

Agora vou até ao céu

        Apetece-me sonhar ao teu lado



,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


ABOMINÁVEL CONSIDERAÇÃO

 

Passo os dias 
A pentear desordens

Arquivo memórias ociosas
 

No estendal das curiosidades
Asas de aço 
Enxotam lágrimas do céu




,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


4 & MEIA DA MANHÃ

 


Melros Inquietos

Incendeiam Faróis

Para 

Desenhar

O Caminho

Da

Cama


,2023Mar_aNTÓNIODEmIRANDA


Alguns poemas de amor...ou não...

 


LISBOA BLUES (7)


Aqui estou  nesta sala
com os meus quadros e 7 guitarras
os meus discos de blues 

tocando a minha alma nesta maneira de estar feliz.

O meu mundo
que constantemente me desalinha,
continua a sorrir para esta vontade de gostar.

O ré menor e o mi menor,
passam levemente por um dó ciumento.
Afago as cordas como se fosse lamento:


YOU SAY YOU LOVE ME
BUT YOU TREAT ME SO UNKIND
I`VE TO KILL YOU BABY
IF STILL YOU HAVE ME ON YOUR MIND


Boa noite.



,2015aNTÓNIODEmIRANDA

META ABSURDA



Alcançamos


um

nível

inatingível
 
,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA




 
 
 
 
 
 

 

SITTING BULL

 


Terra Sagrada.

Búfalo Irmão.

Rifle Assassino.

Sangue no Chão.

Nós que tudo demos

na doidice da ilusão.

WE SHALL LIVE AGAIN!

É agora a canção triste do coyote

que geme na pele do tipi.

A Mãe natureza

chora as mais tristes

Madrugadas.


2017set_aNTÓNIODEmIRANDA




H.H. (poema para Herberto Helder)



Que lágrimas poderei chorar?

Nunca me basta dizer:

Gostava que estivesses aqui.

Não tenho heróis,

Mas sei, que só os poetas

Podem pintar as estrelas mais bonitas.



2015.03.24aNTÓNIODEmIRANDA





 

KIT CARSON, VAI-TE FODER

 Nem aos quadradinhos gostei de ti.
Sujaste uma terra sagrada 
com toda a falta de respeito por um povo 
que até então, não imaginava 
a possibilidade de outra existência que
não o amor pela mãe natureza.
Artista de circo, 
nunca domaste a tua covardia. 
Encarnaste o pior dos
espíritos numa infâmia assassina.


Kit Carson, vai-te foder!


As franjas da tua imunda casaca
tinham escritos anúncios da Remax.



,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA


MAGNUM

 

Não sei quanto tempo durará esta disponibilidade. 

Não poderei nunca 
falar da proporção da minha vontade, 
até porque facilmente esqueço 
aquilo que verdadeiramente não me interessa. 

Há dias em que a morte não é assim tão importante.

Em caso de dúvida, não hesite!

Tenho a MAGNUM 
no congelador.


2015.aNTÓNIODEmIRANDA

Robert Longo "Magnum#


ATALHOS

(1)
Não se pode sonhar...
Lágrimas que o tempo secou


(2)

É longo o caminho entre dois passos.
Sobretudo quando existem dúvidas que nos tropeçam.

(3)

Sou só o que tenho de mim.
O talão do supermercado é um acontecimento
inerente ao número que sou.

(4)

Tenho saudades das pessoas com classe que conheci.
Não me deram mais tempo para continuar a aprender.

(5)

Os caminhos que nos definem, são como auto-estradas :
temos sempre de pagar a portagem.



,aNTÓNIODEmIRANDA

MUDAS A FOTO, NÃO ENGANAS O PERFIL

 

Preocupam-me todos os sistemas totalitários, e sobretudo não quero que me gele a vontade de brindar com sangue a morte de todos os monstros do mundo. É infinita a distância que nos separa. Estes ideais inquietos, causam-me a angústia de que nada vai mudar. Estão mais altos do que nunca, os velhos muros do ódio. Tenho gravadas nas mãos, as marcas de frias grades onde escorrem poemas com o sabor do tempo. O que falta? O único minuto, deserto, sempre deserto de esperança. Serão agora ainda mais difíceis os sorrisos que ancoravam com toda a cumplicidade, vagas não exageradas de optimismo. De nada valeram os gestos ensaiados. A mentira mais fingida foi sempre maior que o cenário disponível. Toda a evidência encharcou a metáfora. Talvez não custasse muito destilar outras frequências. O tudo e o nada será sempre a medida exacta. Aqui a dúvida não passa de um intercâmbio de palavras. Apostamos a fatalidade numa bolsa com o crash há demasiado tempo preparado. Há ainda quem pense que o dow jones foi o primeiro guitarrista dos Rolling Stones. Eu diria: é preciso não acreditar na inteligência do ar condicionado. Garanto-vos a inexistência de cobardias honrosas, e, as verdades que nos querem impingir não passam de uma imitação adulterada de pechisbeque. Não há ponto razoável para acreditar em virtudes tísicas. São sempre indigestas as discussões estéreis. Olhamos para o céu mentindo copiosamente na vontade de lá chegar. Há imaginações com demasiada cinza.

.2015aNTÓNIODEmIRANDA 

#Livraria Buenos Aires# - Editora Tea For One / 2015Março




YOU MUST...

Ouvia-se ao longe

 Uma canção roufenha

 Com o cheiro nasalado da telefonia:...

" You must remember thishe


 A quiche is still a quiche
"


…enjoado,


 Sacudiu a azia


 e 


 mijou no micro-ondas




mar aNTÓNIODEmIRANDA

#EASY TO LOVE# -JANINE POMMY VEGA

 








sexta-feira, 24 de março de 2023

do lado esquerdo 24 de Março de 2018 · Lawrence Ferlinghetti

 

Que eu saiba talvez ela fosse mais feliz
que qualquer um
aquela velha solitária de xaile
no comboio com caixotes de laranja
com o passarinho manso
no seu lenço
e sussurrando-lhe
o tempo todo
mia mascotta
mia mascotta
sem que nenhum dos excursionistas de
domingo com as suas garrafas e cestos
prestasse qualquer
atenção
e o vagão
chiava através dos campos de milho
tão devagar que
borboletas
entravam e saíam


Lawrence Ferlinghetti
(tradução maria sousa)

Nº DE SÉRIE

Reconheço que não tive o cuidado 
de decorar o teu número de série. 

Só agora me dizem que o seguro morreu de velho.

Continua a morrer-se de todas as maneiras mas eu sei que existem funerárias que ocasionam serviços de excelência.

Tudo convenientemente tratado. 

Não imagino o que isto interessará ao finado! 

Há mesmo algumas que garantem a entrada directa no mais luxuoso dos pardieiros. 

Outras facilitam o pagamento. 
É uma questão de escolha, mas todas prometem uma discreta recolha.

Há que não hesitar nesta ocasião.

Note bem:
Convém
Ter o nº de série
Sempre à mão.







2016,03aNTÓNIODEmIRANDA

Lawrence Ferlinghetti * SIM

 

Sim e ficámos ali lá em cima no Central Park atirando moedas para dentro das fontes e um arlequim surgiu nu entre as criadas dos meninos e surpreendeu-as com o dedo no nariz quando na verdade elas deviam era estar a dançar.

Lawrence Ferlinghetti Tradução de José Palla e Carmo [de "Pictures of the Gone World"] in «Como eu costumava dizer», Dom Quixote [Cadernos de Poesia), 1972

LAWRENCE FERLINGHETTI “Como eu costumava dizer “

Como eu costumava dizer
o amor é mais difícil de nascer nos mais idosos
porque já percorreram
os mesmos velhos trilhos muitas vezes
e depois quando a manhosa agulha se apresenta
não tomam o desvio
e devoram a velha via errada enquanto
o alegre "tandem" segue em voo
e o maquinista da locomotiva a vapor não
reconhece as novas buzinas eléctricas
e os velhos correm sob o impulso ferrugento
cujo fim se encontra
na erva morta onde
as latas ferrugentas e as molas de colchão
e as lâminas de barbear usadas jazem
e a via acaba abruptamente ali mesmo
embora as chulipas de madeira continuem por uns metros
e os velhos dizem para si próprios
Bem Deve ser este sítio
onde temos de nos deitar
E deitam-se mesmo
enquanto a bela carruagem iluminada
prossegue lá ao longe no alto
no cimo da colina
com as janelas cheias de céu azul
e namorados com flores
e longos cabelos ondulantes
e todos a rirem-se e a dizerem adeus
e a perguntarem-se a si próprios o que
aquele cemitério
onde a via acaba
é


[pictures of the gone world | Cadernos de Poesia
Dom Quixote_1972]