Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz, do esquecimento...
Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára m cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado...
Pára e fica e demora-se um momento.
Pára e fica na doida correria...
Pára à beira do abismo e se demora
E mergulha na noite escura e fria
Um olhar de aço que essa noite
explora...
Mas a espora da dor seu flanco estria
E ele galga e prossegue sob a espora.
Ângelo de Lima, in 'Antologia Poética'
"Pára-me de repente o
pensamento/Como que de repente refreado/Na doida correria em que
levado/Ia em busca da paz, do esquecimento..." Assim começa o
poema publicado em 1915 na revista "Orpheu", da autoria de
Ângelo de Lima. Em 1894, o poeta e pintor foi internado no Centro
Hospitalar Conde de Ferreira (Porto) com o diagnóstico de "delírio
de perseguição". Para reencontrar a personagem para a sua peça
de teatro, o actor Miguel Borges decide passar três semanas com os
actuais pacientes do hospital. Durante esse tempo, partilha com eles
as conversas, as refeições, as terapias, o café e os cigarros. O
documentarista Jorge Pelicano ("Ainda Há Pastores" e
"Pare, Escute, Olhe") pega na câmara e segue os seus
passos, filmando 250 horas desse convívio e aprendizagem. A montagem
final resultou num tratado de uma hora e meia sobre a loucura e a
lucidez. PÚBLICO
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