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sábado, 6 de março de 2021

POESIA-ME

 Não quero nada de profundo.
Já me basta o presente sem fundo 
e um qualquer acaso sem caso que me preencha.
Talvez um anjo vagabundo me calque os ouvidos
sem as palavras certas 
escritas na cortina
em forma de segredo. 
Triste enredo voando na incerteza 
como pássaro triste escurecendo o céu, 
pintando a noite recolhida no ninho 
que já não lhe pertence.
Não quero nada de profundo.
Nem sequer o poema onde tu já não cabes.
Talvez um momento  sem efeitos secundários
nem princípios activos  para a manutenção 
do nível razoavelmente normal de colesterol.
Não quero nada de profundo.
Como se rezar antes de deitar
tingisse uma urgência
que também já não cabe em mim.
Poesia-me em lume brando
com o gume da chama violenta.
Poesia-me como se eu fosse o único poeta
que usa versos atados  num punhal
onde ardem soluços em morte lenta.
Poesia-me
como se a poesia fosse sempre verdade.


,2016,03aNTÓNIODEmIRANDA


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