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quarta-feira, 31 de março de 2021

NO CAFÉ DA MIMI

 Setembro, todos sabem e ainda menos os que acreditam, é o mês ideal para envernizar palavras endemicamente infetadas. 
Era no café da Mimi que eu me sentava quando queria beber esta ideia. 
Lia o jornal começando pela última página, demonstrando a mim próprio a não preocupação da importância da notícia previamente estabelecida. 
Escutava conversas de gente que não sabia o que dizia abusando na proposta absurda numa burrice constantemente anunciada.
No café da Mimi, aprendi a pensar naquilo que nos resta, depois de deitar fora o que não presta. 
Esvaziei vazios que só a mim me competiam enquanto lia os rótulos das garrafas onde faltava sempre o meu nome. 
Continua uma hipótese fora de questão.
Não poderei medir os nós deste tempo humedecido, 
ancorado nervosamente a uma maré preguiçosa para qualquer aventura. 
O salva-vidas nunca esteve disponível para tanta indecente frustração. 
Navegamos outros mares logicamente enganados por faróis que só sabem ler rotas em off. 
No café da Mimi ouviam-se sorrisos gemidos em formato jpeg com propriedades de formatação consignadas para turistas patéticos.  
No café da Mimi, sentado num barco onde nunca naveguei, 
bebia whisky num copo com novelo e muitas vezes sonhava,
 nas horas que ele durava. 
Sonhava porque queria o sonho que me apetecia. 
No café da Mimi, mesmo nas vezes em que lá não ia. 
Aconchegavam-se preponderâncias inertes 
e cumprimentavam-se com o devido respeito estímulos ausentes.
Claro que não era no café da Mimi.

,2016,03

aNTÓNIODEmIRANDA

sexta-feira, 26 de março de 2021

JAZ O TEMPO NUMA INDÚSTRIA PESADA

 

Jaz o tempo numa indústria pesada, 
onde todas as ocasiões são pintadas 
com a esperança suja. 
Dizem-nos para termos cuidado 
com a alta tensão incivilizada, 
não vá o diabo tecê-las, 
quando deus se esquecer de ser mau.
Só precisamos do pão para a boca, 
embora a falta imensa do que sentimos,
 seja a única realidade presente.
Precisamos avidamente de gestos amigos 
e atitudes respeitosas.
De tentações que nos percam 
de vez em quando.
De fotografias que nos confortem 
e de todas as sabedorias 
que nos tornem capazes.
Precisamos de uma utilidade 
sem consignação.


2016,08aNTÓNIODEmIRANDA


sábado, 13 de março de 2021

AUSÊNCIA QUE PARA SEMPRE DOI


 
(poema para o meu tio JORGE FARIA_13 de Março de 1936)
13 de Março.
Nunca me esqueci do seu aniversário. Mas sobretudo lembro-me sempre de si. A vida continua a ser uma loja de sucatas, mas para quem nem sempre estiver distraído, oferece-nos intervalos de perfeição. Evidentemente estou a constatar um privilégio. A honra enorme de ter um tio....

JORGE, estou a ficar diferente nas fotografias. Há quem diga, que é da idade. É um facto que estou mais usado. O que tenho na cabeça, é que o caminho está mais curto, mas continuo a viver com a certeza toda, que aquele abraço já esteve muito mais longe. Aqui, entre nós, estas coisas dos telemóveis e emails, não funcionam.
“tutti bene di zambrene” “bambini” “la piconera” “a rosinha dos limões” “a samaritana”, as nossas cantorias com os dedos do Zé (aliás Tomás) a sangrar, os nossos copos regados com abraços, a sua sempre manifestada amizade, são a vida que tivemos, a alegria que vivemos! E você sabe do que estamos a falar! As cadernetas dos bonecos da bola, colados com água e farinha, rebentar a lata para ficar com a bola de catechu, a colecção das ciências naturais, a conferência das contas da volta das quartas feiras, os pregos no mealheiro para fingir as moedas (eu a tirar, supostamente pensando que era o único, mas afinal já naquela altura, havia outro: o Zé).
Jorge, isto fica entre nós e claro, com a ZEZA.
Há moradas que não me importo de entrar, mas sei JORGE, tenho emoções que muito me orgulho de viver.
Nunca digo adeus. Vou mudando. Vou partindo, indo ficando.
Vou para encontrar.
Agora, deixo-lhe uma das suas canções preferidas :
“Granada” .



aNTÓNIODEmIRANDA

 

sábado, 6 de março de 2021

POESIA-ME

 Não quero nada de profundo.
Já me basta o presente sem fundo 
e um qualquer acaso sem caso que me preencha.
Talvez um anjo vagabundo me calque os ouvidos
sem as palavras certas 
escritas na cortina
em forma de segredo. 
Triste enredo voando na incerteza 
como pássaro triste escurecendo o céu, 
pintando a noite recolhida no ninho 
que já não lhe pertence.
Não quero nada de profundo.
Nem sequer o poema onde tu já não cabes.
Talvez um momento  sem efeitos secundários
nem princípios activos  para a manutenção 
do nível razoavelmente normal de colesterol.
Não quero nada de profundo.
Como se rezar antes de deitar
tingisse uma urgência
que também já não cabe em mim.
Poesia-me em lume brando
com o gume da chama violenta.
Poesia-me como se eu fosse o único poeta
que usa versos atados  num punhal
onde ardem soluços em morte lenta.
Poesia-me
como se a poesia fosse sempre verdade.


,2016,03aNTÓNIODEmIRANDA


quarta-feira, 3 de março de 2021

Da série Músicas para mim. CAN _Animal Waves

Da série Músicas para mim. John Lee Hooker - Serves Me Right To Suffer (American Folk Blues Festiva...

Da série Músicas para mim. John Lee Hooker.- Roadhouse Blues.

Da série Músicas para mim. Muddy Waters _Mamie

Da série Músicas para mim. Bob Brozman & Djeli Mousa Diawara - Maloyan Devil

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Cá estamos!

A afivelar dias

Remendar fiapos 

Descravar farpas 

Rebobinar sonhos

Acariciar o fogo

Curar o tempo 

Queimar os significados interesseiros 

Aborrecer o tédio 

Ludibriar a fadiga

Espantar a morrinha

Esgadanhar a complicação

Esfolar a violência

,2021Mar03_aNTÓNIODEmIRANDA

terça-feira, 2 de março de 2021

SOU EU,

 Sim!
Sou eu.
Outra vez a bater à porta que não me abre.
Sou eu, 
a amolgar a memória, sempre agarrado à mesma derrota.
Sou eu, 
a não compreender esta espera, a pintar sabores de ausência.
Sou eu, 
a assassinar a angústia, a contar gota a gota lágrimas de indignidade.
Sou eu, 
a colar pingos de chuva, a pintar cenários, a fugir sempre de mim, numa pressa desabitada. 
Sou eu, 
nesta colecção de restos, vendidos em saldos idiotas. 
Sou eu, 
a encaixar vazios, a erguer as mãos para um destino sujo, a encaixotar desculpas em segunda mão, a pensar redondo com esta fé enferrujada, que não pára de me atraiçoar. 
Sou eu, 
a perder a cabeça nesta parede grafitada com lamentações. 
Sou eu, 
vestido com  aquilo que já não presta. 
Sou eu, 
a acenar a um deus que nunca mais larga a cruz. 
Sou eu, 
encharcado nesta sombra cansada de me emoldurar. 


,2019Mar_aNTÓNIODEmIRANDA