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segunda-feira, 30 de outubro de 2017

ALGUÉM VIU ESTE GAJO?

Tinha no bolso a mania da ilusão, e remendos envergonhados
escondidos na solidão que lhe rasgava o olhar.
Fugia dentro de si, embalando uma rouca canção,
chorada demasiadas vezes, e, no aperto que restava,
aperaltava-se em frente ao espelho preto,
enquanto as luzes da ribalta simulavam a sua presença.
Escorria no nó da gravata,
a hipótese mentirosa de sair de si mesmo.
Mas os beijos que lhe fugiam da cara,
fingiam o sorriso que pensava ter.
Guarda as carícias numa seira confidente,
e durante o amor que lhe mente,
amassa a dor que a vida lhe deixou.
Num esgar florido, julga-se agradecido,
e comovidamente bate as palmas,
encostado às pontes do inferno.
Fecha os olhos numa cortina de fumo breve,
 e queima os passos que lhe tolhem a vontade,
com longos apertos de solidão.
Tem nas mãos a indigência
que lhe carimbaram na pele vagabunda,
que dorme no altar das estátuas tristes.
E assim amanhece,
sem qualquer jeito para outro sentir.
E na oração que ninguém lhe ensinou,
murcham fios sem prumo, à procura do novelo.
Está mais só do que a própria sombra,
e agora procura o embrulho dos sonhos remendados.
Vai colando nas esquinas a sua fotografia que pergunta:
Alguém viu este gajo?
 
,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Pablo Picasso / Paul Éluard


Para ver.

 
 
 

 
 
 

IMPRECAÇÕES PARA UM DEUS MENOR _AGNUS DEI

Cordeiro de Deus,
Que tirais o pecado do mundo,...

Melhor teria sido,
Se tivesses matado a fome
A muita gente
.



,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

TENHAM JUÍZO!

 Subverter com um sorriso?
Tenham juízo!
A subversão não é um jogo de sedução.
Escrita criativa?
Incha-me os ouvidos.
Só de pensar nisso, fico com entorses

e logo penso que não há ponto sem dó.
O meu perfil não é temporário.
A poesia é difícil.
Será por isso que certos “poetas”

têm estampado na testa o carimbo da infelicidade?
É como se fosse uma maldade que cultivam
e regam a bajulice
como se as palavras crescessem num canteiro.
Não percebo nada disso,
mas sei que não terá de ser assim.
Nunca tive paciência para analfabetos letrados,
muito menos para o seu anafado conhecimento.
É uma banha que dá maus cozinhados.
Escarro a vaidade para o lenço
e cuidadosamente volto a dobrá-lo.
As vezes necessárias.
Tantas vezes!
Nunca se sabe o dia do vosso amanhã…

2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

ISTO É MERDA !!!!!!!!!!!!!!!


ÀS VEZES TENTO AS BOAS MANEIRAS

A falar a sério, não me entendo lá muito bem.
Não costumo tratar assim estas leviandades,
e perdoem-me vossas maldades, 

as santidades que pendurei
no armário da importância.
Sejamos escuros, concretos e objectivos.
Não soa bem?
Não costumo perder-me em abstracções tão corriqueiras.
Às vezes tento as boas maneiras,
mas quase sempre nunca dou por ela.
Bochechar o vernáculo
Humedecer o ósculo
Auscultar a vontade
Tapar o invólucro
Cromoplastia
Terapia libidiana
A tusa fora da cama
A brisa a soprar
A despentear
A púbis envergonhada
E o ranço
Fora do descanso.

,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

terça-feira, 17 de outubro de 2017

FOGO

Só me restam as fotografias, o olhar triste, e as mãos raivosas que as tocam. Choro com lágrimas de saudade, estes lugares que tantas vezes amei. Nada entendo deste castigo abusador, que enche de dor, gente que estimo. O céu está cinzento e teimosamente não quer molhar o que queimou. Era linda a esperança, que fazia nascer flores na primavera, que não mais irá acontecer. A vida sempre foi dura, muitas vezes traiçoeira, mas agora que as raízes arderam, os caminhos já não têm volta, e os passos, nenhuma vontade de os calcar. Este verde que foi para longe, deixou feridas sem remédio, e olhares que só vêem o vazio. É difícil acreditar, sobretudo quando ficámos com um tição em vez do coração, derretendo lembranças que sempre emolduraram os nossos anos.
Não ouvirei mais o piar do mocho.
Não terei mais a visita do cão para quem eu comprava ração.
Não terei mais os copos nas adegas.
Não terei mais as histórias repetidas que fingia serem sempre novas.
Não terei mais as cabras e ovelhas no caminho para o lameiro.
Não terei mais aquelas conversas onde tanto aprendi.
Não terei mais a broa quente, a boa aguardente e a sensação inequívoca da sua estima.
Que nomes poderei agora chamar?
Estou desolado.




,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

TERRA QUEIMADA

Terra queimada, das carícias da enxada companheira, cavas agora na minha alma, as lágrimas feitas do suor, com que cumprimentávamos o nascer do sol. Deste-me a vida, leira amiga, e pagaste-me com o doce néctar que matava a sede. Com nada me faltaste,fruto por vezes agreste, e o céu então azul, é testemunha dos segredos que partilhámos.
Terra sagrada.
Morri quando te assassinaram.
Já não me abriga o consolo da sombra das tuas árvores.
Já não vejo os cachos que te embelezavam.
Nem sequer os regos com que te desenhei, que eram rugas que te deixavam feliz.
Nem sequer o cheiro das macieiras amigas, nem o olhar do cão que tomava conta de nós.
E a navalha que cortava a maçã da desjejua, tem no fio, gotas de sangue.
Sabes, sempre pensei que partiria antes de ti.

,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

MARÉS MORTAS

Ando
A
Amar-e-ar
Pelas
Paredes.
&
Marés
Mortas
Não
Me
Tiram
Dos
Rodapés.


,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

QUEBRAR O LEME

Respeito todo o passado que se lembra de mim.
Sou assim,
neste presente
muitas vezes ausente,
que pensa pintar
o futuro que me convém.
Como se fosse alguém,
neste absurdo,
tentar horas diferentes
neste tempo
que só me apressa.
Gostava de ser o barqueiro
que escreve poemas na margem do rio,
e quebrar o leme
que me conduz
a
outros
cais.


,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

 

JÁ NADA ESPREITA NESTE MATAR QUE TANTO NOS ASSASSINOU

Não sei por que cada vez que me esperas, estás sempre no outro lado. Assim nunca poderei entregar as flores colhidas nas radiografias que compus para ti. E o descalço do teu caminhar, faz de mim uma demora cada vez mais cansada. Quisera o amor, que não sabemos como é, que tu chegasses leve como o sorriso que tatuaste no meu olhar.
Sabes, a vida vai morta, acompanhada pelo sino que grava na minha pele, o som de te ter perdido.
Já nada espreita neste matar que tanto nos assassinou.
,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

SENDO ASSIM...

Louvo aqueles que pelo menos fizeram bem uma só coisa.

Tenho pena dos outros, para quem carregar no botão do autoclismo, possa ser um acto sublime.

Sendo assim...
Tirar macacos do nariz, não deixará nunca de ser uma nobre possibilidade.



,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

COMO PASSAS-TE?

Como passas-te?
Não me parece lá grande coisa.
Não te esqueças que ainda temos coisas em comum.
O que iremos fazer neste papel?
Não há manuais para o sucesso

nem enciclopédias para a ignorância.
Snifaste-me.
Parámos naquela noite sem pensar viver.
Nunca tenho tempo para afastar aquele pêndulo incendiando as chamas do jogo das partidas perdidas. O amor é uma fenda profunda como a ferida da canção que não chegaste a ouvir. Os deuses fúteis que sempre prometeram abusar-nos, continuam entretidos no logro.
Embrulhar-te na minha casca.
Ligo-te amanhã, depois dos ontens que nunca tive.


,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

DEIXA ESTAR

Deixa estar.
Sombras velhas conhecidas rasgam caminhos
Não pertenço aqui a este lugar naufragado que não me deixa fugir da lição mentirosa do professor com a cartilha errada, que pensava que me iludia. Mas eu só via o gato encostado no vidro da janela que no seu manso miar comentava o que lá fora acontecia. Não me pertenço nem nos sóis que pintam de vermelho a areia.
Foi apenas um sonho beijar o teu rosto como se a tela onde te abracei, alguma vez tivesse aparecido. São lentos e sem verdade estes lençóis que vejo reflectidos no tempo que nos separa com momentos cada vez mais mentirosos. Tenho nas mãos as rugas deste rosto sem mim, olheiras que já não peneiram o saldo negativo da vida que agora tudo subtrai. Há um projecto de lei ansioso pela aprovação da inutilidade das memórias que hão-de chegar. E um desejo mesmo sem futuro, que consigna a salvação dos defuntos inteligentes que morreram de véspera. Entretanto naquela rua há um cão incomodado pela sirene do 112. Não gosta que incomodem a sua preocupação. Rosna o cão. A dona, morta não dá por isso. No domingo há procissão. Na quermesse vende-se pão com chouriço. O padre enraba o sacristão. Cada um fode com o que tem à mão. Ninguém tem nada a ver com isso. Tocam os sinos a rebate. A gravação com os decibéis distraídos, avisa no meio dos gemidos:
Irmãos!
É preciso manter a calma!
Isto só acontece em marte.

,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

GOSTAVA DE TE ESCREVER ROSAS

Gostava de te escrever rosas.
Mas quem sou eu,
a quem todos os espinhos
rasgam as letras do teu nome?
Preciso de um avental com luvas amigas,
e sobretudo de um vaso
para regar a tua sombra.
E uma foice amigável
para não magoar a vontade
com que te quero.
E uma tarefa,
cumprida não como promessa,
só para enlatar o azeite
que algumas vezes nos temperou.
Sou o que sou!
O que quer dizer,
que sem ti,
continuo a ser
o
nada.
Gostava que estivesses aqui,
e que o dia que agora tão mal me trata
não tivesse que acontecer.



,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

ODEIO VER-TE PARTIR

Odeio ver-te partir.
Logo agora,
que pintei
as paragens do autocarro,
com uma nova espera.



,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

sábado, 14 de outubro de 2017

ESTRANHA TRAGÉDIA

Vesti o coração de mordomias
Enchi-o de coragens
Encolhi-o num cruzeiro clandestino.
Disseram-me
que
morreu
a navegar
uma estranha
tragédia.


,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

A LUA NÃO CABE EM TODO O MUNDO

Quando os meus dedos saem da tua pele,
e os meus olhos diluídos
na procura do pecado que me ofereces,
escondem as noites sem ti,
embalo a canção triste,
num desabafo que sempre me trai.
Finjo na tua boca
o abraço perdido.
A lua não cabe em todo o mundo.
 

,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

VIVER NA DÚVIDA NÃO ATRASA O RELÓGIO

Se me perco no caminho, deparo-me com descobertas que vou pisando, e as sombras que me encobrem, perdem-se num sangue que foge apressado sem foz para o agarrar. O oceano navegado no oráculo dos imbecis, afoga tanto como a merda empurrada pelo botão do autoclismo. Não se é bom para nada. E assim o nada não gosta daquilo que não presta. E o que resta, quando o nada não presta, é um imenso dilúvio que enche a banheira, que nos enrouquece a voz, como um feroz eczema atópico . Gravámos um vídeo com a inteligência possível, nunca aquela considerada minimamente costumeira. Mijámos na água, temperámos a torneira, torneámos a toalha afagando os colhões, não temos champanhe, bebemos mijeira. Aleluia! Louvado seja quem for! Nestas horas de dificuldade alheia, erguemos a estupidez com toda a esperança para que alguém tão insípido como nós, nos faça alegre companhia.
Lá no olimpo das orgias constantes, onde o porteiro está sempre sexualmente ocupado para disfarçar alguns gemidos irritantes, sorrisos disfarçados nos altifalantes, debutantes na arte do sushi com espadas mal amanhadas e um casaco estampado de AIKIDÓI, apressadamente copiado dos antigos Armazéns do Conde Barão. O Tone Wats, essa estranha quadrophinia, ressacada de uma porno chanchada filmada na Reboleira, imita demasiadamente mal um porco, mesmo limpo, a levar no cu. Certamente que as galinhas na sua heróica tarefa de oferecerem ovos com 2 gemas, ficariam muito tristes.
Viver na dúvida não atrasa o relógio!
 
,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

SANGRADO

Trocámos as veias numa análise. Só de ti eu esperava o que de mim não podia acontecer. Velha estrada chorada neste verbo onde o tempo perdeu o haver. E havia sangue nesta caminhada sem destino para o nada, e o nada de tão pouco querer, fazia que havia o que faltava para nada de novo acontecer. E havia luz numa estrela ausente e apagada que fingia que iluminava aquilo que julgámos ter. E o ter já fugia, lesto corria para o encontro onde nada acontecia, porque nada havia para amanhecer. Má sorte a morte que nos pariu, a vida que nos fugiu e a sina comprada na cigana errada. Mentira esta ideia acostumada, logro sempre usado para o azar adormecer. E dormíamos sonhando, adormecendo um sono que em nada nos fingia. Sonho fora da janela, escondido na estrela que não nos conhecia. E o teu corpo frio, que o meu nunca conheceu e a minha ternura congelada numa vontade adiada, escrita nas asas do voo meu. E tu no meio da minha veia, cosendo a meia do poema que ainda nenhum poeta escreveu. Agora tenho o teu sangue neste coração ao abandono, e percorro o teu sorriso como se fosse o meu oceano. As lágrimas passam alisando esta calçada, com falhas alheias ao meu desejo. Sangue que foge do meu corpo. Resta-me talvez este infinito sem retorno, e uma cada vez mais atrasada esperança de me achar. Deitado nesta maca encardida que faz de mim a vida, olho nos olhos que nada já vêem, seringas ávidas de me tocarem o sangue. Onde estou, neste lugar que não presta, vestido de batas brancas embaladas em cadeiras de rodas onde o sol nunca poisa? Este cheiro de estrume desinfectado, não está interessado na minha poesia, e a preocupação do termómetro é coisa que não me diz respeito. Olho o vento que sopra, fugindo enquanto é tempo, do encefálotrama que me quer apanhar.
Agora não posso fintar. O jogo é sério.
Não tenho nenhuma sinfonia preparada.

,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

VARIAÇÕES EM Mi s/ Si

puxou dos balões
&
finalmente
voou
decentemente

@

 é podre
&
mal
empobrecida

@

enquanto
o pau
vai e vem
alguém
foge
também

@

 a fé
e a esperança
nem sempre
acabam
em bonança

 
 
,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Rodrigo Leão / Daniel Melingo - No sè nada


GRAÇA LOPES lê Cesário Verde


NUNCA USEI ESSE PERFUME

Nada sei destas horas que contam a vontade que nos falta e nada entendo destes versos pintados no asfalto, com vozes de sirenes enrouquecidas por tamanha ausência.
Há um verbo que não sei escrever, um ramo que carrego nas semanas da angústia, enfeitado de doces lírios de roxo despido, como se fossem beijos de Nikos Kazantzai.
Talvez um cristo ressuscitado separe o sonho amarelecido pela realidade sufocada na velhice antecipada.
Este relógio com o ritmo cansado, teimosamente rega a flor que vai secando o tempo.
Ficam traços sulcados num vinyl muitas vezes tocado nos arredores da paixão.
Há uma névoa de esperança com a lança infectada que sorri um significado sem valor.
Um sopro que descansa no lado errado da balança e um sorriso só para disfarçar o gastar do alento.
E se houver outra maneira de enganar,
é chegada a hora de me dizerem.
Não gosto de segredos.
Nunca usei esse perfume.
 
,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

África

Pois...


PAULO LEMINSKI


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Carlos Drummond de Andrade - um poeta de alma e ofício.

https://www.facebook.com/drummond.umpoetadealmaeoficio/videos/433888306996680/

CONFISSÃO


Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,...

melodiosas, tarde, ao voltar da festa.

Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.

Do que restou, como compor um homem
e tudo que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, murmúrios
de riso, entrega, amor e piedade?

Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro – vinha azul e doido –
que se esfacelou na asa do avião.




Carlos Drummond de Andrade

Do meu grande Amigo Miguel Martins

 Dizem que a vida me foi dada à borla.
Só eu sei quanto isso me custa....

 Dizem que não penso nos outros.
Deus sabe o tempo que gasto a pensar nisso.

Dizem que tenho um ego agigantado.
É a única coisa que tenho.

Dizem que vou acabar sozinho.
Têm razão.




Miguel Martins

AMY W.

No último degrau do sonho que deixaste,
doí-me demasiado o não poder ouvir-te,
e o meu coração é um copo de vinho
que nunca molhou o teu penteado.
O mundo sempre aborrecido,
desprezou o teu olhar de sereia atrevida,

navegando o tempo que não te quis merecer.
As boas estrelas voltam ao sonho,
acompanhadas de um sax que grita ajoelhado,
o tímido amor de só te quer beijar.
No teu céu, estará  à tua espera
um cálice sempre cheio de saudade.
Aqui,

vou rasgando aqueles aplausos
que tanto te enganaram.

2017set_aNTÓNIODEmIRANDA

O JORNAL DE HOJE

Pôr-te nas minhas veias,
velha putéfia atrevida,
que ao longo desta vida,
tanto me vendeste.
Não passas de um baile moribundo,
dançado com as letras
onde me mataste.
Não há dúvidas em certas certezas,
e as minhas lágrimas
nem sempre adormecem
debaixo da almofada.
Nesta mesa de bilhar,
açoito bolas de cristal
sem futuro nenhum.
O jornal de hoje
irá embrulhar
as suas previsões.



,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA



 

BLACK MAMBA

Ouço passos nesta lembrança que só esquece,
e me vai abandonando num rodopiar de truques encenados num filme antigo.
Onde estão agora os que se enganaram no destino?
A varrer o medo com uma vassoura mentirosa, ou talvez a pintar o silêncio nas janelas, com vidros bordados a ponto cruz.
Rosas com espinhos tristes, açoitam a dúvida dos seus rostos, e sentados na cadeira do esplendor, prometem apontar na melhor direcção.
Já nem sequer é uma alucinação.
A ferrugem nunca dorme.
É o modo dela temperar a pele.
Almas zombiadas, acendem velas de aniversários nas festas soturnas, com animação cultural fecundada por dj`s manetas da cabeça.
Sequelas apressadamente limpas a seco, tentam mostrar a etiqueta da última aparição.
Uma mão infectada estica a língua, escrevendo borbulhas na certidão de óbito.
Se calhar há coisas que acontecem fora do tempo.
Uma black mamba destruiria sabiamente esta mentira.
Mas isto geralmente não é como nos filmes.

,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

ESQUECE A MINHA FALTA DE JEITO

Sou tão pequeno para gostar disto.
A minha felicidade cabe agora nos bons domingos. Meu deus! Não me embrulhes um mercedes-benz.
Bom dia, alegria. Já não quero que me ofereças algo mais.
Fica! Fica só esta noite.
Estou abraçado a uma juke box, a única amante dos meus últimos 50 xelins.
Vou apanhar aquela morena loura e vou oferecer-lhe uma dança à Mick Jagger.
Só peço que ela esteja atenta.
Não sei porque o meu coração está a sangrar.
Vejo-te como o deus que sabia que o filho iria morrer.
E eu que não tenho palavras que escrevam o perdão.
Acredita em mim!
Eu não sou desses.
E este balanço que não me dá descanso?
E eu que não consigo chegar até ti.
Perco-me neste chorar constante.
Faz de mim o teu insano amante.
Guarda as lágrimas que só querem
dizer que te amo.
Esquece a minha falta de jeito.
,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

 

LIQUIDAÇÃO TOTAL

 Há bocados que guardamos com a falsa promessa que mais tarde irão fazer-nos falta.
Mas o tempo não passa de uma revista com muitas páginas desactualizadas que nunca rasgámos.

Seria mais fácil acreditar nas coreografias sorridentes e conjugar as ausências num passado excluído. Tenho um tecto proctecor onde se esconde um manto furado em permanente liquidação total. Enrola-me a cabeça com uma toalha tépida de sumaúma e afaga-me as pálpebras numa ficção admirável.
O mundo novo que promete chegar, não passa afinal de uma projecção recauchutada.
Mil sons espumam nesta curva de cotovelo ferido com a derrapagem anunciada.
 E, estes bocados,
 o tempo não os deixa apanhar.


,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

JÁ NOS CONHECEMOS?

Já nos conhecemos?
Tenho sempre a ideia que bebemos do mesmo branco, ou então sorri para aquela palavra do poema, onde estavas escrito.
Sentados à mesa com o tampo do velho mármore lascado, tivemos longas gargalhadas, como se os poetas pudessem estar sempre felizes.
Naquele tempo a poesia deixava de ser um cristo crucificado e as folhas que não escrevemos, serão porventura grandes abraços.
Penso que falámos.
Mas guardo na cabeça essas conversas.
Até porque algum bisbilhoteiro poderá pensar que as entendeu.


,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

QUERMESSE

Era o mais velho naquela quermesse.
Mas nem por isso lhe emprestavam
a devida atenção.
Desenrolou o discurso previamente improvisado
e no seu fato aprumado,
esquisitamente sofisticado,
botou a palavra.
Mais uma vez,
agradeceu os bocejos do espelho
.


,2017out_aNTÓNIODEmIRANDA

O senhor CHUCK BERRY!

https://www.facebook.com/rockandrollhalloffame/videos/10154629483334107/

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

ROCK`N`ROLL ANIMAL

De cócoras no meu canto, retoco a vida em jeito de brincadeira várias vezes repetida. Nunca admirei os heróis com banda desenhada, nem a vergonha adequada que me impunham. Saltei outras vistas, soltei as minhas conquistas, e sabia que aquilo que esperava iria acontecer. Sou do género dos sonhadores indestrutíveis. Algumas vidas deram-me razão, outras assim que tal, muitas outras também pouco não. Atravessei os oceanos que dividiam o meu coração. Caminhei sempre de pé deixando as asas no chão. E continuo a tentar infernizar as dúvidas que não me pertencem. Só estou fora da lei, porque a lei nunca me respeitou. Emprestei a minha alma a um bom ladrão que gostava de comer couscous. Ninguém o conhecia, e alguns, desconfiados dessa mania, colaram a sua biografia numa cruz. Mau trabalho, embora publicitado nas embalagens de sais de banho. Entretanto, há uma voz que reza, que nada preza a minha vontade de voar noutras nuvens. Leio o mais que posso, sempre que não me esqueço do prazo de validade desta opção. Baixo o som da guitarra, desligo os efeitos do amplificador, e deixo que a calma chegue vagarosamente até mim. Escrevo canções para o acaso. Os caminhos do medo pensam que são a minha estrada. Pinto-os nas passadeiras com cores invisíveis para que os curiosos as ignorem. Podia desejar estar noutro lugar, mas também não me lembro. Toda a gente pensa que está feliz, naquele bar que mostra a música que os engana. Sovacos mal cheirosos, trocas de sorrisos mentirosos, um roçar de penas para sempre feridas, olheiras de sexo adiado, e, tudo é bom, não foi? Vamos dançar até o laço nos apertar, esperar até cansar esta ideia absurda que não assassina a nossa velhice. Vamos tirar um retrato que não minta o amor que queremos verdadeiro. Vamos endireitando o caminho que nos subtrai, arrasar o olhar que pensamos estar numa dor nunca pintada nas praias do arco-íris. E pensar que alguma vez qualquer coisa poderá acontecer. Os desejos bons cansam tanto! E as semelhanças que não nos reconhecem, não merecem qualquer respeito! Não sei o que me prometi. Toda a gente está ausente nesta corrida fora do meu mundo. Talvez seja uma boa hora. Mas o meu relógio fugiu do baile dos segundos. E corre, corre sempre, para longe de mim. Strippers domésticas, enrolam com esmero o meu pijama e dançam com toda a pompa e circunstância uma música do Lou Reed. Uma questão de bom gosto. Reconheço o baixo do Fernando Sanders trepando o “Rock`N`Roll”. Porque não nos conhecemos? O perto nunca teria de ser o infinito do longe. Todas as luzes foram apagadas e a única hipótese não passou de um concurso assombrado pela tv. E a escuridão que nos quebra, é agora uma paisagem embrulhada num outdoor olhada por transeuntes com a pressa às costas.
Há um céu onde já não cabemos, uma estrela que ignora o nosso nome e um anjo que quando passa por ela, altera a rota para outro inferno. O que fizeram de nós, vida tentada, atrevida, congelada numa carne branca que tanto nos magoou. Balouça comigo uma dança sempre estranha, mansa de cor, penteada com nós que não me pertencem.
2017set_aNTÓNIODEmIRANDA