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sexta-feira, 31 de março de 2017

PODIA TER ACONTECIDO

Pusemo-nos a discutir a teoria
da abnegação industrial molhando palavras
com o inevitável interesse do desafio.
De vez em quando mirávamos a fila do autocarro simplesmente com a curiosidade de não o deixar escapar.
Encontramo-nos sempre na esquina
necessária a uma conversa sem pressa
em direcção ao café do costume.
Os poetas não são curiosos sobre si próprios
porque é sobejamente sabido que as suas cabeças
não lhes fornecem esse tempo.
Pusemos tudo no plano do paraíso,
mesmo sabendo que é uma hipótese
abusivamente cara.
Tínhamos perdido um € numa raspadinha
esquentada o que de certa forma
condicionou a ida ao wc.
Na espuma da cerveja deixamos a promessa
de um próximo encontro não preocupante.
No caminho para o urinol,
mijámos para o ar para espantar
moscas furiosas.
Até logo!
Não há dúvida que foi isto que dissemos.

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

RETALHO

Chegam-me ideias num vapor
passado a ferro
com prestações não pecaminosas.
É uma entrega envolvida
nesta chuva a retalho
que me diz que já nada entende
daquilo que julguei perceber.
Tem um ronronar desconfiado
este relógio que precisa
do acerto da minha presença
num tinido inchado por estrelas
que desenham no tecto
cores que rastejam na direcção do redil
onde guardo ovelhas não ranhosas.
Adormeço sempre que posso
este torpor saneado
só para acalmar o colchão
onde nem sempre me deito.

2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

TODOS IRÃO DORMIR COMO ANJOS

Todos irão dormir como anjos pintando
o sonho a fugir na cara do santo ausente.
Se por um conjunto de circunstâncias,
 
disser que ainda não é tarde,

deixa-me ficar até o dia enternecer esta história.
Levarão tudo de nós numa carta mal escrita
por gente afectada que acredita
na função do creme reafirmante
nos caprichos dos fantasmas híbridos.
Toda a maldade será conectada
para acertar a vida
aquando da mudança da hora sem verão.
A luz brilhará desabusadamente amarrada
a uma magia cancelada.
Chegarão os que de longe vieram para ficar.
Será então activado o centro nacional
da ajuda não destrutiva.
Todos os defeitos terão a importância da não retroactividade.
Talvez aconteçam dias curiosos como é apanágio destes tempos com demasiados segundos malcriados.

2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

FANTASIA

Um anjo deprimido pousado no meu ombro
conta-me a história do corvo
que fugiu de um certo livro....

Ouço com atenção este murmúrio de última hora
e sossego-lhe o medo com outra fantasia.
Era uma vez um eu que fugiu tanto de mim,
que foi encontrado num conto desalinhado
lido por formigas sábias
que ensinavam os poetas a escrever nas entrelinhas.
Os anjos ficaram contentes
e nos seus óculos de estimação
eram lidos os mais lindos poemas.
E os poetas felizes
entregavam silêncios agradáveis
nas ruas dos destinatários abençoados.


2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

domingo, 26 de março de 2017

SORTE

Não me posso queixar da sorte!
Só precisei dela nos momentos difíceis.
Talvez fosse por isso que nunca
nos encontramos.
Mas não marquei falta na caderneta.

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

ACERTO DE CONTAS

Ficaste com os números.
&
Eu com os poemas
que sei não vou escrever.
A culpa não foi só minha
deste mal que me perdeu,
dei tudo
até o que não tinha
neste amor
que foi só meu.






,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA


COM OS MELHORES SENTIMENTOS

Resta-me agradecer a maneira como fui recebido.
Enaltecer a sua hospitalidade
e a atenção dispensada.
Agora, longe de si,
Fica um sentido obrigado,
pelo armazenamento do caixão.
Confirmarei a entrega do mesmo,
com  data por mim designada.
Com os melhores sentimentos,

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

FORMATO DIGITAL

Um prego metido numa parede angustiada,
suporta com fidelidade transparente
memórias que não quero transportar.
É fina e leve esta mala que carrego,
embora nela possam achar adereços
que não sei ler.
Visito as artérias da minha precaridade,
evitando as horas de ponta.
Escorrego algumas inquietudes
no parque infantil onde baloiço vontades ausentes
que entulham o meu tempo.
E sei pelo voar dos pássaros
que está a chegar a hora de encontrar a chave.
A porta espera-me para um balancete não comercial.
Tentarei rasurar estes números
com algo que nunca me abandone.
Mesmo em formato digital

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

DANÇARAM ATÉ O CAVALO ACABAR

Foi tudo até ao fim.
Tropeços roucos roçavam o chão partido pelo cansaço.
Suor tonto disfarçado com a última vontade.
Dançaram até o cavalo acabar.
Fugiram para os céus envoltos numa enigmática cortina de fogo.
Qualquer violência era aceitável mesmo que prolongasse o latejar dos corpos obedientes à exaustão.
Era o baile das danças ocultas com cocktails
que explodiam a cada passo.
Enleados numa teia traiçoeira bebiam avidamente todas as gotas do futuro perdido.
Os pés pintavam de sangue a arena enlameada.
E havia noites suplicando para que este dia nunca tivesse acontecido.
Dançaram até o cavalo acabar.

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

ALGUÉM ME OLHA

Não há tempo para desculpas.
            Coamos o não num passador furado por melros,
que às cinco da manhã pintam num cantar alucinado luzes pretas, que os conduzem a casa.
            Perdi o relógio com os ponteiros mágicos que decidiam as horas da minha presença e adiantavam o futuro no caminho que deixei.
            Abro latas da boa memória conservadas com sabores daquilo que já fui.
            Nesta bricolage nem sempre conseguida, alivio o corta queixumes num gesto altruísta de roupa suja.
            Desço os degraus que nunca subi, dando corda a um elevador demasiado avariado.
            Com toda a boa vontade, calco o código desta porta digital que há demasiado tempo me empurra.
            E puxa sonhos meus nesta má fortuna fornicada sempre fora do tempo.
            E este forno sempre pronto para ventilar o que de mim pretendo, embora hoje continue a suspeitar que tudo longe de mim se passou.         
           Talvez alguma lua distraída tenha adormecido na minha saudade.
            Alguém me olha, sem perceber quem eu sou, na mais estranha maneira de conceber pecados menores.
            Ao fim e no meio, os mais fáceis de esquecer.

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

PODIA SER PIOR?

Poderei levar-te ao paraíso, aquele lugar
onde as pedras não atingem as memórias.
 Sei os segredos do caminhar das estrelas, lidos em velhos compêndios da felicidade impossível, que caíram nas minhas mãos.
Só quero que entendas que o meu pouco saber,
é mesmo assim a minha única utilidade.
E eu só tento que nada me fuja.
Olho para os astros mas não compreendo a sua escrita,
nem sei se eles se lembram do meu nome.
Não fico triste por isso,
até porque naquele lugar,
há sempre mais que fazer.
 Ás vezes chegam-me cheiros queimados daqueles que se perderam no caminho, ou talvez tivessem partido antes de mim.
Nada é perfeito! Aqui e em todos as ocasiões
com o sul sempre longe de mais.
Poderei admitir esta certeza,
sem que ela alguma vez
faça parte da minha concordância.
 Correm tempos assim.
 Com vidas ao contrário.
 Com aspiradores que só entopem
 aquilo que temos como desejo.
 Podia ser pior?
 Nunca me virei para esse lado.


,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

FADO

Ai meu amor
é tão triste este destino
vivido num desatino
que tanto me faz penar.
As horas da tua distância
choradas na mais cruel maldade
dão-me a mais infeliz importância
e não apagam a saudade
que espera o teu voltar.
Ai meu amor
é tão triste esta sina
que nesta calma inquietada
a minha alma assassina

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

TANTO PARA NADA SER

Desencanto manipulado.
Desagrado orquestrado.
Uma opinião tísica vacinada
com taxa moderadora.
Um concreto vasculhado 
no ecoponto de conhecimento codificado.
Partiu apressado
para não dar tempo à mentira
e tirou as luvas para que o guiador não deslizasse.
Leu  isto no manual da civilidade.
O INEM nada pode fazer.
Tinha adormecido abraçado ao guia prático
de como não ser imbecil.

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

OFERTA BANCÁRIA

Junte os seus créditos num só

e reduza em 100%  o  incómodo

quando os meter no lixo
 
,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA
 

FERRUGEM

Se tivesse cérebro,
diria que está enferrujado.
Constato apenas
que tem a cambota
completamente furada.





,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA   

3 ½ DIOPTRIAS

Factor x suficiente
Obediente digo ao engravatado
Não me faça ver
Uma coisa mais diferente

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

NÃO INCOMODAR

Estou ocupado.
De patas para o ar
Estou imbuído
Num majestoso desígnio
Para que a minha urina
Torne menos ácida a precipitação atmosférica
Não incomodem esta minha intenção

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

ILOGIA

Podem chamar-me tudo na vida.
A essas línguas eu digo não.
Talvez um dia lhes fale da minha faculdade para não compreender a sua ilogia.
E quando o mundo acabar tocaremos a mesma música?
Nada acontece por acaso.
Mas a contingência tem as coordenadas  perdidas.
Quando a música acabar estarei mais longe para nos acontecermos.
Dançar naquele ritmo macio, malicioso e mal dizente nos compassos em que nos perdemos. Quando a música acabar nada do que restará do mundo nos poderá prometer outra coisa senão a nossa vã tentativa.
Quando a música acabar trocaremos as próteses como fizemos com o sorriso das alianças.
Quando o mundo acabar ninguém se irá lembrar do nosso malogro. 
Eu te saúdo alegria estendida na corda
onde enxuto o que vivi da vida.
Até ao fim.
Com todos os cumprimentos para aquilo que ainda espero

,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

SABEDORIAS

Há sabedorias que não entendo.

Aquelas dos cretinos

quando tentam fazer-me de parvo.
,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA
 

EXIGÊNCIA MÍNIMA


Só exijo o mínimo das pessoas.

Porque sei que o resto,

a grande maioria nunca será capaz de oferecer.
 
,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA
 
 

IMBECILIDADE


A imbecilidade dos cretinos

ocupa sempre o horizonte maior.

E até finge que mente

quando nos faz sentir considerados

 
,2017,mar_.aNTÓNIODEmIRANDA

CARIL DE 5ª FEIRA, 23MARÇO2017

Com: Ana Gomes da Costa | Dulce Santos | Joana Azevedo (fotos) | o senhor Miguel Martins | SEC`ADEGAS_(Tomaz Miranda _ Tozé Salomão _ Fábio Mendes e aNTÓNIODEmIRANDA.

 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 23 de março de 2017

segunda-feira, 20 de março de 2017

Poesia às Quintas – com Miguel Martins – 227ª sessão | Quinta-feira às 22:30

 
MM lê “O Mar: sons do Oceano Pacífico em Big Sur”, de Jack Kerouac, em tradução de Paulo Faria.
A seu lado, essa maravilhosa formação de marujos, embarcadiços e pessoal da estiva que dá pelo nome de Sec’Adegas.
Imperdível.
Quem não aparecer é porque só bebe água do Trancão.
Provisoriamente em Portugal, SEC`ADEGAS irá apresentar alguns possíveis artefactos musicais da lomba sonora do último Bi-Nyle :
$ NU ME QUILHES, PÁ! $

terça-feira, 14 de março de 2017

PINTURAS CUBISTAS DE MUJERES “GEORGY KURASOV” 1958 CUBISTA (URSS)








PAULO LEMINSKI (1944-1989)

 
Foi um poeta, escritor, tradutor e professor brasileiro. Fez uma poesia sem compromisso, consagrou-se com “Catatau”, obra “maldita” marcada por exacerbado experimentalismo linguístico e narrativo.
Paulo Leminski Filho (1944-1989) nasceu em Curitiba, Paraná, no dia 24 de agosto de 1944. Filho de Paulo Leminski, militar de origem polonesa, e Áurea Pereira Mendes, de descendência africana. Com 12 anos ingressou no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, onde estudou latim, teologia, filosofia e literatura clássica.
Em 1963, abandonou o Mosteiro, e nesse mesmo ano foi para Belo Horizonte onde participou da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, quando conheceu Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, criadores da Poesia Concreta. Em 1964, publica seu primeiro poema na revista “Invenção”, editada pelos concretistas. Nesse mesmo ano, assume o cargo de professor de História e Redação em cursinhos pré-vestibulares.
Em 1976, Paulo Leminski publicou seu primeiro romance “Catatau”, obra “Maldita”, em que o experimentalismo atinge níveis pouco usuais, classificada pelo autor como mero romance ideia. Nessa época, trabalha como diretor e redator de publicidade. Publica seus textos em revistas alternativas, antológicas do tempo marginal, como “Muda”, “Código” e “Qorpo Estranho”, segundo ele mesmo, publicações que consagram grande parte da produção dos anos 70.
Paulo Leminski tornou-se um dos mais destacados poetas brasileiros da segunda metade do século XX. Inventou seu próprio jeito de escrever poesias, fazendo trocadilhos ou brincando com ditados populares: “sorte no jogo / azar no amor / de que me serve / sorte no amor / se o amor é um jogo / e o jogo não é meu forte, / meu amor?”.
Leminski era fascinado pela cultura japonesa e pelo zen-budismo, praticava judô, escreveu a biografia de Matsuo Bashô, e dentro do território livre da poesia marginal, escreveu poemas à moda de um grafite, com sabor de haicai. Ele escreveu também letras de músicas em parcerias com Caetano Veloso, Itamar Assumpção e o grupo A Cor do Som. Exerceu intensa atividade como crítico literário e tradutor, vertendo para o português as obras de James Joyce, Alfred Jarry, Samuel Beckett e Yukio Mishima. Viveu durante 20 anos com a poetisa Alice Ruiz, que organizou sua obra.
Faleceu em Curitiba, Paraná, no dia 7 de junho de 1989.
 
Poemas de Paulo Leminski

AMOR
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
______________________________________
Ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga
ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa
INCENSO FOSSE MÚSICA
 
isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
LÁPIDE 1
EPITÁFIO PARA O CORPO

Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.
Leite, leitura
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo,tudo,tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura

DOR ELEGANTE
 
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
 
RAZÃO DE SER
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece.
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

OBJETO
de meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por quem ardo e não vejo
seja estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza
faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
ou de nós dois
SEJA
_______________________________
Tudo o que eu faço
alguém em mim que eu desprezo
sempre acha o máximo.
BEM NO FUNDO
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

INVERNÁCULO
Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

BABY, I DON`T CARE

Não me importo
Com o futuro que alguém
Inadvertidamente escreveu para mim.
Não me importo
Com a inconstância
E a falta de relevância
De qualquer intenção
Que continua a não me dizer respeito.
Da minha janela, eu sou o parapeito
É tão simples a ideia
A aranha tece a teia
A lua embrulha-me o sono
Com nuvens de sorrisos de arlequim.
Transporto o sonho
Com um som que me acompanha,
Ébrio de sabores
Que cabem todos em mim.
Não me importo
Com o pleno conforto
Como se fosse fronteira
Que nunca se alcança.
Sou eu, sou agora
Sou eu em mim
Numa calma maturada
Piar de mocho na madrugada
Luz tão grande
Com cores de uma tranquilidade
Ainda agora começada.
O sino da igreja
Anuncia uma hora repetidamente badalada
É o tempo que acompanha a solidão.
Baby, I don`t care.
Desapertar o teu baby-grow
Com uma promessa inteira.
A importância
É uma coisa não inerente
Á minha identidade.


2015aNTÓNIODEmIRANDA

segunda-feira, 13 de março de 2017

CICATRIZ

Tentei entrar noutra história.
            Mas o porteiro não deixou.
Era só por breves instantes
              Para entregar postais tristes
Selados com a cicatriz da minha dor.





2017marçoaNTÓNIODEmIRANDA

TENHO A VONTADE MUITO ATRASADA

Passeio com a memória neste jardim de delícias turvas enquanto trespasso este tempo angustiado num escusado compromisso de secar palavras que me magoam. Virado para a mãe das horas adiadas julgo pensar destinos aprazíveis. Acontece-me um cálculo errado enfeitado com gotas de chuva que não quero chorar. O que foi feito de mim é aquilo que nunca encontro neste desconsideração sem fim, nesta mania absurda de fintar o improviso com que pretendo abalar diagnósticos não desejáveis. Estendo as varas desta camisa ilustrada nos manuais de psiquiatria e de tudo o que não queria, apenas restou uma fenda da janela que nunca abri. São doces estes pecados cozinhados hora a hora para o que de mim sobrar, caiba numa embalagem de surpresas congeladas. Abafo o tédio num cobertor tão frio como o ânimo que me abandonou. Apenas tenho abraços infinitamente distantes sem caminho seguido e pétalas enferrujadas para uma transacção não comercial.
Ainda não cheguei.
Tenho a vontade muito atrasada.





2017marçoaNTÓNIODEmIRANDA

ALGUMAS FLORES FOGEM DA NOSSA VISTA

Algumas flores fogem da nossa vista
levando-nos a pensar que nunca
nos poderíamos entender.
Mas porque não sabem ouvir histórias?
Deitado neste quarto,
a minha tontura é um quartzo multifacetado
com todas as ideias que caberão numa esponja.
Tenho tudo neste novelo tecido
com imagens desta viagem constante
conduzida para um itinerário que não conheço.
Rótulos sobrevoam a minha cabeça e asas andarilhas tentam poisar na minha almofada.
Herculano pés de cabra de uma bela adormecida,
olha-me na tela entontecida
e entrega-me um convite para uma refeição nua,
com anjos ciprestes a entoar a última canção
dos angustiados predestinados.
Doce torpedo tocado numa harpa
beijada por caracóis sagrados.
Tenho nas mãos uma opção binária
da segurança não-social.
Há sempre um plano desconhecido
para continuar o engano da nossa presença.
Algumas flores fogem da nossa vista.
E para quem sabe,
isso não é de estranhar.

 
2017marçoaNTÓNIODEmIRANDA

CONTAMOS O TEMPO DE UM MODO ERRADO

Contamos o tempo de um modo errado.
Um dia a mais ou a menos não deixa de ser um dia.
A não ser que acreditemos na cretinice de enganar o tempo. É certo que os relógios das marcas conceituadas permitem outras nuances aos seus proprietários: lifting botox detox, plásticas onanismos eclesiásticos e abortos com certificado de aforro.
É certo que a maioria das grandes cópulas acontecem enquanto os cornudos preocupados com a ausência da consorte adiantavam os minetes dando corda ao relógio que as respectivas lhes ofereceram. Também é verdade que estes aparelhos atrasam estrategicamente para não atrapalhar o desenvolvimento de uma actividade sexual fora do horário habitual.
O pinante aproveita o tempo.
A pinada geme contente.
O pinado espera sossegado.
Abre a cama, afasta o lençol,
humilha a  almofada,
farto de ser enganado.


2017marçoaNTÓNIODEmIRANDA

DITADO

(para a Kiláudia Gama)

  

Não há mal que sempre dure

Nem berbequim que tudo fure

 

2017marçoaNTÓNIODEmIRANDA
 

GAIOLA DOURADA

Nunca teve tempo para ser feliz.
Passava ao lado dos sorrisos mais embrulhados.
Tanta pressa para o mesmo atraso.
Escondia o olhar
com que fingia ignorar
a felicidade dos outros.
Metia num saco de plástico a tristeza assim conseguida e numa raiva imitada confortava a pés juntos a justificação mal parida.
Falava como um papagaio, e com voz de soslaio afirmava: de mim eu não saio desta gaiola dourada.
Julgava ser amada, até porque o amor chegava entregue por um velho paquete vindo de um país que nunca conheceu.
Sorria à pressa não fosse a compressa abortar antes da tempestade anunciada.
Lá fora gastava as pedras do cais e vendia sorrisos em forma de guarda-chuva, tantas eram as lágrimas que lhe sobravam.
E na tv digital à hora do telejornal, sabia de cor todos os anúncios do intervalo.
E o quarto forrado a autógrafos, ostentava orgulhosamente sombras com quem nunca iria falar.
Há dias assim.
Feitos de noites nunca diferentes.
O próximo episódio eventualmente será repetido.


2017marçoaNTÓNIODEmIRANDA