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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Buster Benton ~ ''Leave Me Alone''(Modern Electric Chicago Blues 1979) Hoje deu-me para isto!


Eddy "The Chief" Clearwater - Came Up The Hard Way | BLUES PARA 6ª FEIRA À NOITE




Tudo mais do que o mundo, foi o que me prometi enquanto todas as tardes eram passadas em buracos.
Desci tantas ruas às cambalhotas trauteando “I`m a rolling stone”.
Perdia-me assim do olhar das pessoas e salvava a pele com esta minha alma.
Tinha estampado nos olhos um sorriso indiferente enquanto pensava no “leave me alone”.
Cuidava de mim assim nesta “Worried life”.
Pisava esta encruzilhada, embrulhado no “crossroads” cantada por um velho amigo preto.
E quando chegava à realidade não faltava nunca a lembrança do “ I got the key to the highway”.
Ficava calmo desejando um amanhã mais depressa.
A minha mãe dizia que era uma música muito triste enquanto me penteava uma cabeleira com mais de quatro anos.
Continuei a prometer-me muito mais.
E este mundo já não cabia em mim.
Mas era sempre o mesmo acordar e eu fazia disto um desafio à minha medida.
“Dark clouds rollin`” nunca foi uma preocupação importante.
“I`m a king bee” acompanhava-me no primeiro cigarro da manhã.
E chegava à hora habitual, à secretária do costume com um autógrafo personalizado desodorizando no escritório “I can`t get no satisfaction”.
Era uma pedra rolante ainda não tendo provado o amargo sabor do “Love in vain”.
Da janela chegava-me um convite que me acendia o dia: “Born to be wild”.
Saía com toda a pressa inventando desculpas porque estava à minha espera um jamaicano um tal de Jimmy Cliff com a tal promessa do “Wild world”.

Todos a bordo!
“That`s Alright”
Eu sou o vosso “hootchie coochie man”.
Blues!
Apanhei este vício e escondi-o para sempre nas minhas veias.
“I`m in the mood” ! “I`m ready” !
“Blow wind blow, blow back my baby to me”.



2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

OITCHENTCHE E OTCHO MINUTES


BEAT ( Com um abraço para o Miguel Martins ).

Ginsberg!
Na américa nada mudou!
Apesar dos teus avisos e das mil profecias que lhe entregaste.
Tudo continua ridículo no país que tanto te ofendeu.
Corso continua à deriva na procura desvairada tentando encontrar uma plantação digna da sua generosidade.
Snyder deixou de ser um monge respeitado mesmo não tendo corrido bem a impressão de haikus na reader's digest.
Diane di Prima e as suas longilíneas meias de vidro enforcam agora as memórias da beat com “mais ou menos poemas de amor”.
Ferlinghetti tenta fazer o que pode emoldurando “os dias tranquilos”.
E eu próprio para lá caminho.
Allen, tenho todos os seus poemas guardados num saco cama sempre pronto a desafiar-me.
Continuo a entrar nos supermercados sem que alguém reze pela minha beleza.
Compro assim o que falta usando um cartão de crédito made in china.
Pago as contas com euros sediados num off shore que continua a fazer-me a vida ainda mais preta.
Nas ruas vejo tantas pessoas deitadas ao lado dos contentores do lixo que comem depois dos ratos saciarem o apetite.
Ginsberg, a américa está como sempre perigosamente parecida com o outro mundo.
E isso e os russos ainda o tornam pior.
Ginsberg, toda a gente escreve palavras numa articulada mania que dizem ser poesia.
Aprenderam nos compêndios que lhes oferecem doutoramentos tirados nas máquinas das fotografias onde perdemos a identidade.
Allen, morre-se assim sem dar por ela, embora ninguém vá ao seu funeral.
Nunca estive na City Lights mas quando lá chegar serei imediatamente cumprimentado pelo Lawrence.
O mundo continua a fugir do meu sonho e desatento como é, tenta polvilhar os seus poemas como se isso pagasse o respeito que nunca mostraram.
O Carrol já não tem saudades do pai e ocupa agora os feriados entregando porta a porta embalagens de poesia sem consignação.
Ginsberg, este universo é cruel apesar de tudo o que tenho oferecido
Tenho a uretra infectada com pus e uma fricção contagiosa que me controla a alma e o Robert Saggese tem “um pássaro na palavra” e está demasiado esquecido para a salvar.
Allen, tomam conta de mim agora anjos que nunca pedi.
E fazem picnics no Central Park com a bandeira do goldman sachs estendida e olham de soslaio todas as minhas expectativas.
Ouço em semitom a música das sirenes que encharcam a minha ruína e Frank O´Hara continua preocupado com “a crise da indústria cinematográfica”.
Morre-se em qualquer lugar sem hora combinada sem culpa formada e sempre nos apanham desprevenidos e esta é “a proposta imoral” escrita por Robert Creeley.
Allen, a vida é o cemitério do medo com orações take away gravadas em lápides onde se mente aqui jaz um homem bom.
A melancolia cega a beleza dos meus olhos perdidos de volta no espelho, onde costumava ver-me enferrujado como os nós do arame farpado, pejado de retratos desconhecidos balançando uma “melodia para homens casados” gingada nas ancas da Lenore Kandel.
E a noite chega atrapalhando o festim do fim do mundo, que acontece todos os dias em que não somos capazes de nascer. E Ron Loewinsohn continua a gritar “contra os silêncios que estão para vir”.
Allen, sou observado por um drone não identificado e só tento esconder a denúncia nas folhas que guardo num mealheiro que roubei na igreja dos últimos dias dos santos sem piedade.
Estou farto de ver gente feliz sem qualquer motivo e com orgulho menstruado pela miséria que espalham.
Mas este passadiço não tem limite e eu acabo por adormecer sempre com a estrela errada na cabeça.
Koller tenta acalmar-me oferecendo um tapete de “ossos & penas Pele e Asas no chão”.
Allen, preciso de uma ligação pré-paga para o paraíso artificial.
Pretendo pedir asilo temporário para a minha solidão.

Mas ninguém se interessa pelo meu horário, embora ele não tenha os dias sempre tristes.
Allen, estive numa concentração budista em que um monge flipado danificou o meu drama.
Frequentei aulas de yoga com uma bailarina atenciosa que só bebia iogurtes fora de prazo.
E até deus sabia o quanto eu detesto esta forma de orientação.
E assim fui até ao fim do mundo ainda com um fardo mais pesado.
Perco-me no significado das eloquências mal frequentadas que mais parecem elogios fúnebres acompanhados pela dança de carpideiras hawaianas, que me puseram no pescoço um colar de flores putrefactas e agora entretenho-me nas horas de ponta a espalhar o seu perfume nos urinóis mais utilizados pela opinião pública.
Tenho uma postura sisuda e nada simpática para não me confundirem com o namorado da barbie.
Volto ao lugar para ouvir o discurso do velho corvo de asas metalizadas e língua prenhe da única sabedoria. Fala-me do degelo da humanidade e dos medos que tanto a ferem.
Então digo-lhe que estou pronto.
Eu sei que ele me levará aos demónios.
Allen, não quero este caminho que a solidão comodamente instalada no sofá pensa cativar-me.
Actualizo-me num sequestro sereno na chegada do momento de abraçar manuscritos pacientes que decoram as sombras do silêncio numa modernidade de estátuas com olhares distantes.
Este universo é cruel apesar de tudo o que tenho tentado.
Estou cansado de esperar nas escadas do paraíso com a chave errada.
Tenho uma coleira certificada, anti tudo mas que não funciona.
Tomam conta de mim agora poetas tão tesos como eu.

E afiam no nobre golpe da navalha a memória enlouquecida
Aparo pétalas demasiado parecidas com gotas de sangue.
Já não penso no que teria ter sido nem nos milagres que tentavam vender-me na feira das onze dos domingos.
Aplainei virtudes diferentes nos anos que só a mim pertenceram e alinhei nas propostas condizentes com a minha pretensão.
Colhi nesta estrada frutos nunca imaginados por quem de mim só pensou o que não me conhecia.
Continuo um curioso sem complexos o que me torna um aprendiz interessado.
Ginsberg!
Também tenho um grito!
E um frio tremor nas mãos que me tempera angústias desesperadamente sós.
Ginsberg!
O mundo nunca vai encontrar o caminho.



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CRÓNICAS DE VILA CHÃ (Rotina diária)

Observo o voo cantado destes pássaros, sentado no abrigo do alpendre em frente desta estrada onde poucos carros passam. O padeiro apita duas vezes e o peixeiro às terças e quintas, outras tantas. Já a carrinha da carne, aparece ao fim da tarde das sextas. Compro o branco e o tinto na café do Abílio de S. Geraldo e geralmente trago o contrapeso de uma garrafa de jeropiga. 35 anos já passaram por nós e continuamos a rir descaradamente desta perda de tempo. Nunca discutimos! Sabemos que entre nós só existe o melhor e como ele costuma dizer, há que aproveitá-lo. Vamos às compras a Tábua e para os esquecimentos visitámos Oliveira do Hospital. Pois como diz a eloquente sabedoria da D. Isaura, nem tudo lembra. Gostavam de ter uma sogra assim? Tenho pena, mas não é para todos. Soube que a Odete partiu o osso do “frenes” mas não foi operada. O senhor Alberto continua com o mesmo rol de queixas, mas agora tem uma maldita tremedeira na mão esquerda e os “diabos” que o deixam muito prostrado. A Gracinda diz que ele sofre do “parks”, aquela doença que o papa antigo tinha. Vai a caminho de casa pois tem de botar cera agrícola no soalho . O Rogério deve estar a caminho para mais uma aula de geometria das couves, arte que não se aprende em compêndios. Qualquer coisa que se disponham a comer, vão naturalmente à horta. Portanto não perdem tempo com as etiquetas das grandes superfícies da enganação nacional. Vou tendo oportunidade aqui nesta aldeia, de mastigar sabores que tornam cada vez mais difícil a mentira da cidade. Abóboras com tez saudável metem-me uma enorme cobiça e penso que se riem de mim enquanto descansam nos muros com banhos de sol solidários.
Estou debaixo desta lua solteirona, danada para uma brincadeira às escondidas com estrelas atrevidas aplaudindo o piar dos mochos.
As corvachas voam desalmadamente para reservarem a melhor suite na certeza de uma noite sem núpcias apressadas. O gato preto na sua matinal procissão não deixa nada ao acaso na possível apanha de um pássaro. Assim tão concentrado, não me liga nenhuma. Os javalis estão cada vez mais perto. Não há quem cuide deles! As badaladas continuam a não falhar o cuidado com que nos dizem as horas. A velha romãzeira secou.
Sinto que esta noite vou dormir com um diospiro.
Mas como em todo o lado, também aqui a vida não passa de um ensaio geral para a representação da morte.




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FÉRIAS

Estou a precisar de férias!

Por favor,

desliguem a ignorância.






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FINGIA QUE VIA AQUILO QUE DIZIA

Fiou-se na noite e activou as luzes de emergência percorrendo num frio sem jeito as ruas da cidade suja.
Cantava todos os medos pesando segredos cansados de serem guardados.
Num soluçar atarefado enrolava nos passos
calçadas tão gastas como a sua perda.
Fingia que via aquilo que dizia
e tocava ao de leve nas campainhas só para não se esquecer da música que há tanto o consumia.
Ninguém reparava no sonho que largava
e no desespero da sua espera sempre inútil.
Aconchegava-se na garrafa já vazia,
entregue pela única estrela que também
não adormecia.



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HIPÓTESE SEMPRE VIÁVEL

Não sei o que me espera.
Não posso medir essa hipótese.
Gelo-me em quartos de hotéis com o bafo de um reles ar condicionado que não sei respirar.
Volto a calçar as botas mais limpas que estes lençóis amarfanhados com sonhos que não são meus.
Lavo as mãos com demasiado cuidado para não sujar a mágoa.
Finjo que estou cansado na vã esperança que o sono amolgado de tanto esperar, apareça com um blues qualquer que me aconchegue os ouvidos. Não sei ver esta televisão onde parece que o filme fugiu.
Tento imaginar um postigo projectando na parede a mais audaz das cortinas.
É sempre difícil o primeiro cheiro da cidade onde nada nos pertence e nem um sorriso simpático podemos olhar na palma da mão.
No chuveiro saem lágrimas que não me molham e esta misturadora mais parece um coador de ternuras constrangidas.
Dou corda ao coração para que um aperto de mão aconteça.
Leio poemas que tenho na cabeça e invento títulos que não consigo decorar.

Adormeço ao som de cigarros cansados
e tropeço em direcção a nenhures.

Espero o que não sei.
É uma hipótese sempre viável.


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Pat Andrea

MORAL DA TECLA

Por favor,
Prima a tecla F.
Obrigado pela sua visita.
De momento não estamos disponíveis.
Volte sempre.
Accionou a tecla B.
Educadamente deixou um cartão no meio dos destroços.
Obrigado pela sua atenção.
Até breve.
Como sempre,
foi exemplo de pontualidade
na reunião do conselho dos ministros.
Olhou em direcção a Bruxelas
e com a mão no bolso
prometeu a si próprio
que estes euros eles os não iriam ter.
Assinou os decretos
com a nova caneta Cartier.
Igual àquela da alemã
que nunca iria comer.
Moral da história:
A quem do teu foi mau banqueiro,
não lhe mostres o mealheiro
.




2016,09aNTÓNIODEmIRANDA



PERFIL TEMPORÁRIO

Só porque eu não sabia
que era possível entregar na lua
o olhar desta fantasia.
Atropelei muitas vezes
um perfil temporário



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TODA A GUERRA É IMBECIL!

Eram 7
irmãos naquela
madrugada.
4
morreram de fome
os restantes
levavam pancada.
Foram condecorados
com
7
bombas
a título
póstumo.
&
7
coletes de salvação falsificada.
7
beijos
enfeitariam
o mundo


se este tivesse
v e r g o n h a!
Por isso,
dos ímpares
é este o
7
mais
imperfeito.

 
2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

ISTO É SÓ UMA SUGESTÃO (para a Ana).

Sentou-se desajeitadamente ao seu lado.
A oxigenação oxidada toldava-lhe as boas maneiras.
Desculpei a ausência de desculpa pela evidência da sua idade. Estava aflita para asneirar. E então perguntou porque não pintava o cabelo para parecer menos velha.

Isto é só uma sugestão.

2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

IVE

Interrupção

Voluntária da

 Estupidez
...

Deveria ser considerada norma obrigatória!



2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

ESTEJA ATENTO ÀS POSSÍVEIS DERROCADAS

O deslocamento no grupo ocidental emerge um risco acentuado de precipitação. Não há que recear. A velocidade está controlada pela protecção civil que prevê um normal desvio na direcção do evento.
Vamos manter o alerta laranja com o vodka do costume.
Ao longo desta bebedeira as previsões nupciais não se confirmaram, e o prior da freguesia, tal como o regente da filarmónica mantêm-se à coca.
Foram tomadas todas as precauções para que a mesma não seja afectada.
O porta nós da transportadora nacional perante a manifesta preguiça do trem de aterragem, optou como medida preventiva tentar resgatar aquele jackpot em Las Vergas que a morena de Ipanema há muito tinha prometido.
Até porque o estado do mar dificultava a acostagem de 22 lagostas de 19 kilates eroticamente envergando burkinis aprovados e medidos no palácio da indecência.
Esperam-se mais desenvolvimentos nas próximas horas.
Esteja atento às possíveis derrocadas.

2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

PRÁXIS DA IMBECILIDADE

a) Qualquer imbecil pensa que pensa que é menos imbecil
     do que o imbecil que o faz pensar isso.
b) Qualquer imbecil nunca passa disso mesmo.
c) Qualquer imbecil pensa que não o é
     por isso nunca conseguirá provar o contrário.
d) Qualquer imbecil sente-se abençoado quando lhe mentem
     dizendo-lhe que não é o único imbecil.
e) Qualquer imbecil é uma contrafacção continuada,
    por isso a imbecilidade é uma característica sempre presente.
f) Qualquer imbecil pode ser rico.
    E isso, como é sabido, também o faz ainda mais estúpido.


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HARDCORE SINCRONIZADO

Faria sentido almofadar os pulsos
numa exagerada potência acelerada,
gastar o asfalto malvado na pressa que me sobressalta,
mas tenho braços cansados de navegar na escuridão.
Preciso urgentemente de deixar esta realidade
que não tem maneira de me aceitar como hóspede,
de uma vénus não amputada
que me sossegue este demónio.
Anunciarei com pompa e circunstância
o desejo apetecido:
Fechado temporariamente
para trabalhos corporalmente expressivos
num hardcore sincronizado.


2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

PALAVRAS CRUZADAS

Gostaria de tocar-te na pele!
Mas não tenho mais para te oferecer do que este desejo

que me aquece a vontade que me arde.
Gostaria de ter nas mãos uma poção mágica que te fizesse sentir

que por vezes não minto sempre.
Gostaria que a eloquência do nó da gravata

com que aperto as flores que nos momentos de distracção
ousei oferecer-te, não ficasse enrugado.
Gostaria de entregar à tua indiferença

os livros de que mais gosto
mesmo correndo o risco de ficar ainda mais só.
Mas eles são a minha pele

e confesso que ainda não estou preparado para esta troca.
Gostaria de não continuar a apunhalar palavras

e não acordar assim com um hálito assassino.
Gostaria que as cartas que não te enviei

pudessem corar a vergonha num campo de verde milho
como aquele que vi lá em Lijó.
Mas eu paro-me tanto neste desabrigo

onde pássaros atrevidos chegam sempre antes de mim
ao fruto que sempre penso, iria comer.
Empanturro-me de desculpas esquisitas,

mentindo à mentira que me assola,
que hoje vai ser diferente.
Mas porquê chego sempre atrasado?
Tenho de escrever sempre um poema dentro de mim.
Não são assim tão difíceis estas coisas,

só porque eu não as consigo dizer.
Sorrimos um para o outro com palavras cruzadas.
O entendimento acabará por acontecer.



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terça-feira, 13 de setembro de 2016

CHARLIE VOAVA SEMPRE FORA DO SONHO


 
Charlie voava sempre fora do sonho e o heróico suor que lhe molhava o sax abria-lhe continuadamente portas para que ele pudesse voar sem rumo.
Charlie tocava, tocava uma música que chorava a alma nunca repetindo obediências para só ser aquilo que pensava.
Charlie deslizava nas chaves do sax praias que ele próprio sabia nunca iriam acontecer.
E era o momento em que os anjos deixavam de ouvir deus
Charlie tocava com todo aquele suor que embalava a dor de nunca ter sido aquilo que os outros pensavam que era normal.
Charlie não era um pássaro vulgar.
Quem o poderá culpar por ter nascido com asas diferentes?
Charlie detestava o Parker.
Pensava que o enganava quando Charlie se distraía com agulhas enganadoras.
Depois da colheita acabavam sempre por se abraçar no jazz.
The Bird foi o meu primeiro camarada nesta música.
Apresentei-o sempre aos meus amigos sem qualquer laivo de vergonha sem a mínima preocupação.
Gosto muito.
E conservo religiosamente esta admiração.
Charlie ofereceu-me milagres.
Peço desculpa, mas nunca os irei entregar.



 016,09aNTÓNIODEmIRANDA
 
 
 
 
 
 



 

LEMBRAS-TE? (Songs from a room)

Ganhámo-nos numa rifa da feira popular
com meia dúzia de taças de vidro
ainda não fabricadas na China,
 e berrámos desalmadamente no poço da morte,
de mãos dadas com cheiro de sardinha.
No comboio fantasma apalpei-te as mamas
e antes de a viagem chegar ao fim,
ousei conhecer a temperatura das tuas cuecas.
Nada ligámos àqueles espelhos
que desumanamente nos queriam enganar.
Fomos respeitosos no táxi
e pedíamos pressa para chegar ao apartamento
onde só ouvíamos o primeiro trecho do mais que riscado
LP do Leonard Cohen.
“Dance me to the end of love”.
Lembras-te?

  
 2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

                                       Resultado de imagem para songs from a room leonard cohen

POR FAVOR...


Estou a precisar de férias!

Por favor,

desliguem a ignorância.



2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

MAS ESTÁ TUDO BEM!

Tenho um grito que não foge de mim
e o poster de uma anunciação
que diz lembrar-se do meu nome.
O mundo é esquisito
tem dias complexos cheios de alquimias
que esqueci.
Tenho um rio que fugiu da minha procura
e uma procuração devidamente preenchida,
selada e assinada
num papel de sessenta e uma rasuras.
Tenho tudo em dia excepto a coerência
que continua pertença minha.
Tenho as dúvidas actualizadas
e um ritmo cardíaco sempre sincronizado
com esta contínua vontade
de continuar a ser diferente.
Não pretendam de mim outra coisa
que não o nojo com que vos beijo.
Mas está tudo bem!
Um de nós, vou matar-te!



2016,09aNTÓNIODEmIRANDA

CEMITÉRIO

Não tenho tempo para nada!
E isso aborrece-me o tédio.
Tenho uma dama de copas ciumenta!
Mandei-a passear ao domingo de mãos dadas com o sacristão,
enquanto jogava poker no cemitério.
O coveiro contente pela atenção dispensada,
pensava que escondia a batota com que me enganava.
Vendi-lhe um relógio automático!
Não precisa de lhe dar corda.
Dá-me um tempo simpático sempre que o mando à merda.


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ROSÁRIO

Só percorria caminhos santificados
e tinha uma vontade histérica
que lhe entorpecia os dias.
Carregava um rosário
tão usado como a ausência
que fazia acontecer a cruz da vida
na mentira no existir.
Pensava que expiava todos os pecados
e pisava os espinhos com chinelos ortopédicos.
Escondia no poço todas as mágoas
mesmo aquelas que não lhe pertenciam.
Carpia deste jeito memórias mais velhas
que o seu não viver.


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Promessa


Qualquer dia

 vou ser eu!



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CRÓNICAS DE VILA CHÃ (R)

Sou o mais pobre dos pobres e as dores da espondilose mais os pensamentos que me incendeiam a cabeça, não me dão o sono. Só queria um sossego que alguém tem e não continuar a pastar os dias sem palavras que me façam ouvir. Não sei nada do vazio que vem nos livros, mas leio esta pena enorme que tenho dentro de mim. Mal conheço esta fogueira feita com acendalhas da ignorância que me consome. Odeio este caminho tão torto como o meu corpo que não me permite voltar a olhar o céu. Sei que a tristeza dos filmes não é como a minha, porque esta não tem cura.
Estou cansado das badaladas do sino desta aldeia que me entregam uma fé que sempre me abandonou.
Quer-se dizer, conheço todo este povo mas não compreendo o seu abandono.
Vai-se andando mas isto já não é o que era. Na escola que nunca tive só me deram a conhecer as palavras das estrelas e não consigo ler outra coisa que não a miséria.Só me queixo das malditas costas e deram-me uma injecção como se fosse um cavalo de corrida. Foi para acalmar a dor, mas não tem cura esta ferida. O bordão que me acompanha, o único amigo de todas as ocasiões, espera-me para continuarmos, não sabemos até quando, a calcar este fado cada vez mais longe.
E como podia ter sido diferente!
Bastava que alguém tivesse reparado em mim.






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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

DIMITRIUS XUPAIMUS – TESSALÓNICA (Barco Barreiro/Lisboa. Depois da leitura de poemas na Partícula de Deus, com Miguel Martins e Filipe Homem Fonseca).

Dimitrius não era homem de grandes falas.
Nunca se dedicou à venda de esculturas
formato A5, made in China, ...
de Zeus Apolo Eros Hércules Dionísios
e outros que tais.
Portanto raramente falou com eles.
Para que conste.
Enrolava vagarosamente cigarros,
enquanto sentado no cais,
mirava pelo canto do copo,
já com mais de ½ dose entornada de Ouzo,
as mini saias das turistas que desciam o passadiço.
Colocava então
o seu olhar mais guloso,
endireitando ao mesmo tempo
a sua camisola de marinheiro nunca sido.
Puxava as meias branca até à barriga das pernas
não fosse estas palermas
reparar nas varizes teimosas e de mau cultivo.
Arranhava o francês, também o inglês
de modo convenientemente exagerado.
Já o alemão, deixava-o cansado.
E o que é certo, é que mesmo derreado
e com muito custo
atrevia-se ainda a ir atrás delas.
Dimitrius Xupaimus, na sua boa fé,
ortodoxamente escanhoada,
pensava às vezes,
isto é quando o Nótios tinto
não lhe toldava a ideia,
quantos filhos teria espalhados
pelos países onde nunca tinha ido
e achava estranho
que eles não falassem a sua língua
Dimitrius nunca se despedia dos cruzeiros.
Só gostava da sua chegada.
Dimitruis era um bom homem.
Era um regalo vê-lo à sexta-feira
repartir a sua refeição preferida:
O pregado
temperado
com ramos de oliveira.


(Barco Barreiro/Lisboa. Depois da leitura de poemas na Partícula de Deus, com Miguel Martins e Filipe Homem Fonseca).


,2016,Março_30aNTÓNIODEmIRANDA