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terça-feira, 31 de maio de 2016
Poema Sujo (Ferreira Gullar) Revista Bula
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
(Trecho de Poema Sujo, de Ferreira Gullar)
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
(Trecho de Poema Sujo, de Ferreira Gullar)
Hugh Selwyn Mauberly (Ezra Pound) Revista Bula
Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz
Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.
Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.
(Trecho de Hugh Selwyn Mauberly, de Ezra Pound. Tradução de A. de Campos)
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz
Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.
Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.
(Trecho de Hugh Selwyn Mauberly, de Ezra Pound. Tradução de A. de Campos)
Velejando para Bizâncio (William Buttler Yeats) Revista Bula
Aquela não é terra para velhos. Gente
jovem, de braços dados, pássaros nas ramas
— gerações de mortais — cantando alegremente,
salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas,
peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente
tudo o que nasce e morre, sêmen ou semente.
Ao som da música sensual, o mundo esquece
as obras do intelecto que nunca envelhece.
Um homem velho é apenas uma ninharia,
trapos numa bengala à espera do final,
a menos que a alma aplauda, cante e ainda ria
sobre os farrapos do seu hábito mortal;
nem há escola de canto, ali, que não estude
monumentos de sua própria magnitude.
Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância,
em busca da cidade santa de Bizâncio.
Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado,
como se num mosaico de ouro a resplender,
vinde do fogo santo, em giro espiralado,
e vos tornai mestres-cantores do meu ser .
Rompei meu coração, que a febre faz doente
e, acorrentado a um mísero animal morrente,
já não sabe o que é; arrancai-me da idade
para o lavor sem fim da longa eternidade.
Livre da natureza não hei de assumir
conformação de coisa alguma natural,
mas a que o ourives grego soube urdir
de ouro forjado e esmalte de ouro em tramas,
para acordar do ócio o sono imperial;
ou cantarei aos nobres de Bizâncio e às damas,
pousado em ramo de ouro, como um pássaro,
o que passou e passará e sempre passa.
(Trecho de Velejando para Bizâncio, de William Buttler Yeats. Tradução de Augusto de Campos)
jovem, de braços dados, pássaros nas ramas
— gerações de mortais — cantando alegremente,
salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas,
peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente
tudo o que nasce e morre, sêmen ou semente.
Ao som da música sensual, o mundo esquece
as obras do intelecto que nunca envelhece.
Um homem velho é apenas uma ninharia,
trapos numa bengala à espera do final,
a menos que a alma aplauda, cante e ainda ria
sobre os farrapos do seu hábito mortal;
nem há escola de canto, ali, que não estude
monumentos de sua própria magnitude.
Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância,
em busca da cidade santa de Bizâncio.
Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado,
como se num mosaico de ouro a resplender,
vinde do fogo santo, em giro espiralado,
e vos tornai mestres-cantores do meu ser .
Rompei meu coração, que a febre faz doente
e, acorrentado a um mísero animal morrente,
já não sabe o que é; arrancai-me da idade
para o lavor sem fim da longa eternidade.
Livre da natureza não hei de assumir
conformação de coisa alguma natural,
mas a que o ourives grego soube urdir
de ouro forjado e esmalte de ouro em tramas,
para acordar do ócio o sono imperial;
ou cantarei aos nobres de Bizâncio e às damas,
pousado em ramo de ouro, como um pássaro,
o que passou e passará e sempre passa.
(Trecho de Velejando para Bizâncio, de William Buttler Yeats. Tradução de Augusto de Campos)
A Máquina do Mundo (Carlos Drummond de Andrade) Revista Bula
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas.
(Trecho de A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade)
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas.
(Trecho de A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade)
Tabacaria (Fernando Pessoa) Revista Bula
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
(Trecho de Tabacaria, de Fernando Pessoa)
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
(Trecho de Tabacaria, de Fernando Pessoa)
1 — A Terra Desolada (T. S. Eliot) ( Revista Bula)
Abril é o mais cruel dos meses, germina
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece |
segunda-feira, 30 de maio de 2016
sexta-feira, 27 de maio de 2016
KIT CARSON, VAI-TE FODER
Nem
aos quadradinhos gostei de ti.
Sujaste uma terra sagrada
com toda a falta de respeito por um povo
que até então, não imaginava
a possibilidade de outra existência que
não o amor pela mãe natureza.
Artista de circo,
nunca domaste a tua covardia.
Encarnaste o pior dos
espíritos numa infâmia assassina.
tinham escritos anúncios da Remax.
Sujaste uma terra sagrada
com toda a falta de respeito por um povo
que até então, não imaginava
a possibilidade de outra existência que
não o amor pela mãe natureza.
Artista de circo,
nunca domaste a tua covardia.
Encarnaste o pior dos
espíritos numa infâmia assassina.
Kit
Carson, vai-te foder!
As
franjas da tua imunda casacatinham escritos anúncios da Remax.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
NOTA DE RODAPÉ
Pegou
no compasso e desenhou no papel químico anomalias sem nexo.
Preocupado o conselho directivo analisou algumas hipérboles e no
relatório sintomático qualificou estas tendências contrárias a
uma normal prática académica. Chamaram a melhor equipa de bisturis
o mais conceituado anestesista o galo com a maior crista e o
cirurgião do fim do mundo. Estado celular decretado. Convenção
suspensa. Delegados preocupados. Entrevista adiada. Conferência
anulada. Queriam todos a sua presença.
Educado
simpático, abanou o rabo farejou alçou a pata e mijou agradecido
pela atenção dispensada. O locutor da notícia morreu on-line.
Nota
de rodapé:
o
seguro não cobre este tipo de risco.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
O GRANDE LÍDER
Não
era bom na matemática. As únicas contas em que não errava era na
operação apagar. Já dava nas vistas e os honestos nunca lhe
agradaram. Nada de especial. Implementou o desenvolvimento do método.
Aqueles que restaram destruíram todas as previsões. E estão
crentes. Têm a absoluta certeza de quando ele morrer a chuva que
cair será as lágrimas das andorinhas.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
A ÚNICA CORAGEM
Todos
lhe diziam que era uma boa rapariga.
Em frente do espelho
enquanto acomodava o silicone
ajustava a contracção penial
e rapava os pelos das pernas
mesmo rindo de gozo
nunca se esqueceu de agradecer
àqueles que julgavam conhece-lo.
No artefacto que o consolava
e na penetração desejada
chorava gemia gritava
e dizia:
nunca nos vamos separar.
Só a ti eu me dou
só tu me compreendes.
Não tenhas ciúmes
daqueles que às vezes falham.
Guardava este amor
porque era a sua única coragem.
Em frente do espelho
enquanto acomodava o silicone
ajustava a contracção penial
e rapava os pelos das pernas
mesmo rindo de gozo
nunca se esqueceu de agradecer
àqueles que julgavam conhece-lo.
No artefacto que o consolava
e na penetração desejada
chorava gemia gritava
e dizia:
nunca nos vamos separar.
Só a ti eu me dou
só tu me compreendes.
Não tenhas ciúmes
daqueles que às vezes falham.
Guardava este amor
porque era a sua única coragem.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
LARGOS ANOS
Largos
dias têm os anos que não nos respeitam. Há um mal prognatamente
mandibular espalhando resíduos inconsequentes como se a amostra
fosse verdadeira. Sintonizamos a frequência julgada indicada rodando
potenciómetros surpreendidos com a nossa impaciência para a atrofia
periférica que não estava no programa. Mudámos de canal como se
isso fosse opção e desiludidos desligámos a box maldizendo o seu
aluguer. Isto não interessa metemos à pressa esta ideia para compor
a empada recheada com a nossa ignorância. Largos anos nunca têm
todos os dias. Não passam de uma crónica aler4gia? com suposições
tão banais que nem o medo confortam. Logo tentámos a ousadia com
premissas tão fingidas que só conseguem alcançar a nula hipótese
da nossa pretensa existência. Parados, corremos muito e mesmo assim
incomodámos o descanço. O cansaço não nos leva a lado nenhum.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
O COMANDANTE
Accionou
o controlo remoto
e deslizou o pânico em piloto automático.
Emitiu um aviso sem recepção
e educadamente fez pontaria à torre.
Interrompeu o solitary spider.
Muitos exércitos reivindicaram o acto.
Nada que deixasse o comandante preocupado.
Os analistas não puseram de lado
a hipótese de atentado.
Tipo low cost.
e deslizou o pânico em piloto automático.
Emitiu um aviso sem recepção
e educadamente fez pontaria à torre.
Interrompeu o solitary spider.
Muitos exércitos reivindicaram o acto.
Nada que deixasse o comandante preocupado.
Os analistas não puseram de lado
a hipótese de atentado.
Tipo low cost.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
ALGODÃO DOCE
Gostaria
que os sonhos fossem feitos de algodão doce para assim desafiar o
amor que pretendo. Sou um simples sonhador saltitando nos verdes
ramos os segredos que nunca deixaram de ser nossos. Caravela louca à
procura do rio que entoa a rima do cio embrulhada numa toalha que
abafa a melodia onde julgo que te pertenço. Ai de mim, incapaz de te
amar no modo mais desejado. Marinheiro sem fim, delícia de jasmim,
lágrima não contida, onde padecem beijos de veleiro numa rota
magoada. Ai meu amor, não me deixes assim, tem pena de tudo, até de
mim. Eu que só quis navegar-te naquela maré aflita, mesmo sabendo
do teu magoar. E beijar-te nas ruas que já não fazem o meu sentido.
Com toda a tua indiferença, eu só pensava amar-te como se fosse
possível. E agora o que será de mim com aquilo que contigo não
farei? Amor ausente aquele que nunca chorei lágrimas que sequei no
desejo de te esconder. De mim não sei porque assim estou e penduro o
sonho que não consigo lembrar. E como eu te amo escravo de toda a
vontade de ti gostar. Verdes ramos escrevem no céu ternuras
que só a nós pertencem. Estarmos tão perto do nunca é uma precoce
ilusão. Porque nos desviámos do caminho sempre corrido em contramão
e jurámos no altar da renúncia a indigna promessa de nos
prometermos. Apagou-se a luz do prazer como se fosse espuma do gel de
banho com que enchíamos a malícia da banheira. Ficámos com as
horas que teimosamente riscam a nossa incoerência.
Estações
tolas com horários que nos amolgam
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
SANDWICH DE NAFTALINA
Não
seria o mais famoso dos cromos mas sem dúvida alguma era o único
agente secreto que ruminava sandes de naftalina. Não por ser chique
mas pela simples razão de tal acto amainar os incontroláveis
vapores do seu rego. Uma conhecida corretora financeira ainda o
tentou demover, ameaçando-o com um considerável rating abaixo do
estrume. Seguro de si próprio e com os índices de confiança
elevados ao mais alto desnível, conseguiu resistir a todos os
assédios. Até porque mantinha a secreta esperança de um dia
coordenar, nas horas de ponta, o trânsito ferroviário na ponte
sobre o Tejo. Uma pequena questão pendente com uma brigada que
amiúde lhe causava problemas, lá para os lados da bagageira.
Mantinha há longo tempo conversações avançadas com o sindicato e
esperava a todo o momento o anal do secretário-geral. Até porque
representava um conceituado ponta de lança, disponível para uma
hipotética transação. Era sobejamente conhecida a sua ambição
por uma estrela Michelin, embora no seu pisa cocós, fosse evidente a
primazia pela Firestone. Mudar? Nem pensar! Havia um contrato a
respeitar e nunca iria pôr em causa o patrocínio que tanto lhe
custou a adquirir. A indústria química estava no bom caminho. Novos
e prometedores mercados rolavam na via verde.
Cedo
abandonou a carreira política. Não admitia que houvesse alguém que
enganasse e roubasse mais do que ele.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
quarta-feira, 25 de maio de 2016
Tó Maria Vinhas - Formiga Formiguinha (1980)
Encontrei
uma formiga.
Boauma formiga.
tarde meu senhor!
Encontrei
duas formigas.
Boa
tarde meu senhor!
Encontrei
três formigas.
Boa
tarde meu senhor!
Encontrei
quatro formigas.
Boa
tarde meu senhor!
Encontrei
cinco formigas.
Boa
tarde meu senhor!
Encontrei
um formigueiro...
Fui
buscar o shelltox.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
terça-feira, 24 de maio de 2016
quinta-feira, 19 de maio de 2016
VULGARIDADE DE BASE
Não
podes conduzir o meu desgosto nem sequer impregnar qualquer sentido
para além de toda a espera com que me construo. Não vivo a
consignação. São repetidos e sem nenhum gosto estes gemidos com
que cozinho multiplicações de somenos importância. Sente-se o teu
olhar bafiento mal escondido nas lentes escuras que refletem o leque
da mentira. Não são assim os dias que acordo quando agarro as
possibilidades que me compõem. Não é o teu trote de hospedeira nem
o cheiro de um perfume imbecil que me incomodam. A nulidade é o
fruto que trazes sempre na mão como se a felicidade tivesse hora
para acontecer. Não interessa o tamanho quando a intenção é
sempre menor. Deitas o tempo do nunca num depósito que ninguém
esvazia. E ao volante do cabriolet nem o trânsito diriges. Constróis
uma área inactiva onde passos ensaiados marcam a nudez de um rasto
gasto pela tua constante agressão. Seria mais fácil uma opção
mesmo violenta para que a dor também não fosse passageira. Estou no
autocarro, numa fila alheia à minha vontade, envolto em conversas
sem circunstância e dedos riscando no teclado palavras demadiado
fáceis de escrever.
Quanto mais dias nos dá o tempo, mais significados nos rouba.
E isto não é uma vulgaridade de base.
Quanto mais dias nos dá o tempo, mais significados nos rouba.
E isto não é uma vulgaridade de base.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
SUI GENERIS
A
sua chamada
vai ser reencaminhada para um rating
de acordo com o seu lixo.
Devo ficar ou partir perguntou ele
ao seu botão prestes a cair.
Tombado dizia este
que a fidelidade não é hereditária.
Meteu o solstício no braço
e queimou a carteira onde dormia
a previsão fisiológica das nuvens
com temperatura amena.
Dobrou o sui generis no modo perversão
e espalhou aquele risco
com o sistema de aspiração central.
Mais tarde
o registo emocional
explicaria com fala de pontos finais
qualquer coisa como...
vai ser reencaminhada para um rating
de acordo com o seu lixo.
Devo ficar ou partir perguntou ele
ao seu botão prestes a cair.
Tombado dizia este
que a fidelidade não é hereditária.
Meteu o solstício no braço
e queimou a carteira onde dormia
a previsão fisiológica das nuvens
com temperatura amena.
Dobrou o sui generis no modo perversão
e espalhou aquele risco
com o sistema de aspiração central.
Mais tarde
o registo emocional
explicaria com fala de pontos finais
qualquer coisa como...
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
BÚZIO
Encostou
a maré ao ouvido
e beijou o búzio que religiosamente guardava.
Bebeu o champanhe do mar
entrando nas ondas com toda a paixão.
Lembrou-se do horizonte
às vezes tão longe
dos sossegos que o amparavam.
Poisou a lágrima sagrada na flute
despedindo-se assim dos raios dourados
do dia que já não lhe pertencia.
E abraçou o nevoeiro
como se fosse a última angústia.
Olhou para o céu.
Aprontou a mira.
Calibrou o desejo.
Desta vez,
sabia que não iria falhar.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
e beijou o búzio que religiosamente guardava.
Bebeu o champanhe do mar
entrando nas ondas com toda a paixão.
Lembrou-se do horizonte
às vezes tão longe
dos sossegos que o amparavam.
Poisou a lágrima sagrada na flute
despedindo-se assim dos raios dourados
do dia que já não lhe pertencia.
E abraçou o nevoeiro
como se fosse a última angústia.
Olhou para o céu.
Aprontou a mira.
Calibrou o desejo.
Desta vez,
sabia que não iria falhar.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
RAIMUNDO, O DO ALBERGUE
Então
amigo?
Ficam
quentes as nossas mãos.
Abraço
assim a sensação
de
que ainda presto para alguma coisa.
nb: diziam-me que não falava com ninguém...
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
FUTEBOL (5)
Fico
sempre irritado!
Mesmo
muito irritado!Os jogadores não me ligam nenhuma
quando grito para a televisão.
Falta de educação.
Eu, unanimemente reconhecido por mim próprio
como o melhor mister do mundo...
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
TRISTE E LEDA MADRUGADA...
Sanita
Jalomé ajeitou o lenço. Encostou a mão no ouvido e começou a
berrar em direcção a Maomé.
Cá em baixo cantava o Bi Turino olhar de falcão buscando na planície a fêmea desaparecida.
Era no mundo redondo, que inebriados de tanta quietude, dois copos descansavam do ardor contido. Mas a encomenda nunca mais chegava.
E isso não era bom para o negócio, queixava-se o equinócio com barriga de poucos amigos.
Entretanto caracóis aguardavam pacientemente outras temperaturas com a expectante esperança de um tempero a condizer.
Maomé não ligou ao Sanita Jalomé.
Estava sem bateria e atrasado para uma dança sem véus.
Bi Turino profundamente desgostoso, cortou uma orelha e reservou-a para uma salada, lá para o fim da tarde. Ajeitou o guardanapo num gesto cénico e entrou na retrete, desta vez sem ninguém à vista.
Um passarinho cantava sem desconfiar da pontaria da Flaubert.
Mais tarde alguém escreveu acerca de uma triste e leda madrugada...
Cá em baixo cantava o Bi Turino olhar de falcão buscando na planície a fêmea desaparecida.
Era no mundo redondo, que inebriados de tanta quietude, dois copos descansavam do ardor contido. Mas a encomenda nunca mais chegava.
E isso não era bom para o negócio, queixava-se o equinócio com barriga de poucos amigos.
Entretanto caracóis aguardavam pacientemente outras temperaturas com a expectante esperança de um tempero a condizer.
Maomé não ligou ao Sanita Jalomé.
Estava sem bateria e atrasado para uma dança sem véus.
Bi Turino profundamente desgostoso, cortou uma orelha e reservou-a para uma salada, lá para o fim da tarde. Ajeitou o guardanapo num gesto cénico e entrou na retrete, desta vez sem ninguém à vista.
Um passarinho cantava sem desconfiar da pontaria da Flaubert.
Mais tarde alguém escreveu acerca de uma triste e leda madrugada...
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
quarta-feira, 18 de maio de 2016
terça-feira, 17 de maio de 2016
CELA #345
Deixou
a cara na fronha
apagou o quarto
e foi passear a memória.
Caminhava pintando poesia
e sentia-se feliz
como se alguém não ocupasse
o lugar do seu desejo.
Agora que via os dias
num modo que sempre lhe faltou,
eram diferentes estes passos
com voltas subtis
cheias de convites onde o medo nada mandava.
Embrulhou-se na tela
onde correm os galgos do Amadeo.
Rasgou a moldura para que não atropelasse
a pressa da sua beleza
e abraçou todas as cores
como se fossem sua exclusiva pertença.
As suas formas escorriam-lhe da cabeça
e não sabia o que fazer com tanta paixão
que tinha entre mãos.
Lembrou-se dos cheiros de Manhouce
e pintou a imaginação possível.
Não lhe seduzia abraçar o seu outro.
Afagou os cabelos com os dedos
que agora tinham traços de pincéis.
Calcou a receita
e nem sequer se deu ao trabalho
de decorar a prescrição.
Apanhou o autocarro
exactamente na direcção contrária
à cela #345.
Desta vez não teria medo
do silvar da ambulância.
apagou o quarto
e foi passear a memória.
Caminhava pintando poesia
e sentia-se feliz
como se alguém não ocupasse
o lugar do seu desejo.
Agora que via os dias
num modo que sempre lhe faltou,
eram diferentes estes passos
com voltas subtis
cheias de convites onde o medo nada mandava.
Embrulhou-se na tela
onde correm os galgos do Amadeo.
Rasgou a moldura para que não atropelasse
a pressa da sua beleza
e abraçou todas as cores
como se fossem sua exclusiva pertença.
As suas formas escorriam-lhe da cabeça
e não sabia o que fazer com tanta paixão
que tinha entre mãos.
Lembrou-se dos cheiros de Manhouce
e pintou a imaginação possível.
Não lhe seduzia abraçar o seu outro.
Afagou os cabelos com os dedos
que agora tinham traços de pincéis.
Calcou a receita
e nem sequer se deu ao trabalho
de decorar a prescrição.
Apanhou o autocarro
exactamente na direcção contrária
à cela #345.
Desta vez não teria medo
do silvar da ambulância.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
segunda-feira, 16 de maio de 2016
sexta-feira, 13 de maio de 2016
quinta-feira, 12 de maio de 2016
FÈLIX CUCURULL | Antologia do conto moderno
(Arenys de Mar, 12 de gener de 1919 - 4 de febrer de 1996)
Escriptor i polític català. La seva activitat pública fou marcada per la voluntat de recuperar el català com a llengua de cultura i per a la lluita per al restabliment de les llibertats públiques i dels drets polítics del poble català, suprimits després de la guerra civil pel règim del general Franco.
La seva obra literària, sempre escrita en català i traduïda a 10 idiomes ?en especial al portuguès -, ...abasta 23 llibres de novel·la, poesia i assaig; articles i treballs periodístics. Cal assenyalar Vida Terrena entre els llibres de poesia, L´últim combat, El silenci i la por i El desert entre la novel·la.
Escriptor i polític català. La seva activitat pública fou marcada per la voluntat de recuperar el català com a llengua de cultura i per a la lluita per al restabliment de les llibertats públiques i dels drets polítics del poble català, suprimits després de la guerra civil pel règim del general Franco.
La seva obra literària, sempre escrita en català i traduïda a 10 idiomes ?en especial al portuguès -, ...abasta 23 llibres de novel·la, poesia i assaig; articles i treballs periodístics. Cal assenyalar Vida Terrena entre els llibres de poesia, L´últim combat, El silenci i la por i El desert entre la novel·la.
La seva obra d´assaig i d´investigació, lúcida i continguda, versa sobre temes polítics i socials. Dos pobles ibèrics sobre les relacions entre Catalunya i Portugal; Orígens i evolució del federalisme català; Consciència nacional i alliberament; Catalunya nació sotmesa. La seva obra més important és Panoràmica del Nacionalisme Català, - en sis volums- editada en la clandestinitat a París, on es presenta una impressionant recopilació documental de l´activitat política a Catalunya des del segle XIV fins al 1936, on s'esbrinen els antecedents de la Guerra Civil.
Fou molt actiu políticament. Durant la clandestinitat, milità al: Front Nacional de Catalunya (F.N.C); Partit Socialista d´Alliberament Nacional (P.S.A.N); cofundador de l´Assemblea de Catalunya i del Partit dels Socialistes de Catalunya; fou membre actiu del Consell Nacional Català. En restablir-se la democràcia presidí l´Institut de Projecció Exterior de la Cultura Catalana; membre de Crida a la Solidaritat. En 1985 li fou atorgada la Creu de Sant Jordi de la Generalitat de Catalunya.
La seva família ha fet donació de la seva biblioteca particular i de tot el seu fons documental a l'Ajuntament d'Arenys de Mar. Dipositat a la Biblioteca P. Fidel Fita, des del 2016 es pot consultar a la base de dades felix.cucurull.biblioteca.arenysdemar.cat el seu arxiu personal.
Fou molt actiu políticament. Durant la clandestinitat, milità al: Front Nacional de Catalunya (F.N.C); Partit Socialista d´Alliberament Nacional (P.S.A.N); cofundador de l´Assemblea de Catalunya i del Partit dels Socialistes de Catalunya; fou membre actiu del Consell Nacional Català. En restablir-se la democràcia presidí l´Institut de Projecció Exterior de la Cultura Catalana; membre de Crida a la Solidaritat. En 1985 li fou atorgada la Creu de Sant Jordi de la Generalitat de Catalunya.
La seva família ha fet donació de la seva biblioteca particular i de tot el seu fons documental a l'Ajuntament d'Arenys de Mar. Dipositat a la Biblioteca P. Fidel Fita, des del 2016 es pot consultar a la base de dades felix.cucurull.biblioteca.arenysdemar.cat el seu arxiu personal.
BOLOR
Poderia
ter feito de ti outra coisa que não um fantasma,
mas por vezes assumi que gostava da tua realidade.
Nada me deves.
Paguei o preço certo,
aquele que é devido aos amantes.
Escondemo-nos um com o outro
com a promessa de um encontro inadiável.
Tornámo-nos personagens diferentes
numa festa com o desejo ausente.
Saboreamos um champanhe patético
erguendo amargamente os copos da nossa solidão
com juros excessivos para a nossa conta.
Tudo ficou desconcertado
e nem sequer ousamos fingir
os olhares de um desejo idiota.
Ficou a nódoa fiel companheira da minha gabardine.
O último dia não passa de uma aparição dolorosa
e passeia-se apressadamente
no meio de toda a gente
e apenas nos oferece uma fórmula indecifrável.
No quarto desta pensão
a anomalia da tua memória agita um rumor
de inquietudes sem palavras de cortesia.
Não me apetece dormir
e nem sequer acho isso estranho.
Poderia ter feito de mim um fantasma
e não outra coisa que assombrasse a minha sanidade,
mas por vezes acreditei na importância descabida.
Tudo me devem nesta loja,
onde como um mestre de obras qualquer,
projecto inadvertidamente planos para o meu não futuro,
onde me espera uma cobrança indevida.
Vou pregar os danos morais no reposteiro.
Não quero enlouquece-los.
mas por vezes assumi que gostava da tua realidade.
Nada me deves.
Paguei o preço certo,
aquele que é devido aos amantes.
Escondemo-nos um com o outro
com a promessa de um encontro inadiável.
Tornámo-nos personagens diferentes
numa festa com o desejo ausente.
Saboreamos um champanhe patético
erguendo amargamente os copos da nossa solidão
com juros excessivos para a nossa conta.
Tudo ficou desconcertado
e nem sequer ousamos fingir
os olhares de um desejo idiota.
Ficou a nódoa fiel companheira da minha gabardine.
O último dia não passa de uma aparição dolorosa
e passeia-se apressadamente
no meio de toda a gente
e apenas nos oferece uma fórmula indecifrável.
No quarto desta pensão
a anomalia da tua memória agita um rumor
de inquietudes sem palavras de cortesia.
Não me apetece dormir
e nem sequer acho isso estranho.
Poderia ter feito de mim um fantasma
e não outra coisa que assombrasse a minha sanidade,
mas por vezes acreditei na importância descabida.
Tudo me devem nesta loja,
onde como um mestre de obras qualquer,
projecto inadvertidamente planos para o meu não futuro,
onde me espera uma cobrança indevida.
Vou pregar os danos morais no reposteiro.
Não quero enlouquece-los.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
HISTÓRIAS DO MEU TIO TONE (Barcelos) O ROUBO
Era
sobejamente conhecido o desejo do meu tio, de um dia passear num
carro da polícia.
Coisa
tentada mas até então nunca acontecida. Até que um dia...
Houve
um assalto a uma conceituada loja de electrodomésticos no largo de
St. António.
Chamados
os agentes da autoridade, constatou-se que não existiam pistas que
levassem á identificação dos autores de tão avultado furto. Bom,
não foi bem assim. Chegou aos seus ouvidos, a notícia que havia
alguém que sabia quem tinha assistido ao assalto. Perante esta
evidência as gentes fardadas visitaram o meu tio. Entraram na ilha e
ele peremptoriamente disse que só falaria na esquadra. E foi assim
que ele realizou a sua ambição. Inchado pela atenção das pessoas,
ria a bom rir enquanto estas batiam palmas. Então Tone, afinal quem
é que viu o assalto? Com o seu sorriso habitual, respondeu : a
estátua do João Duarte. Convém explicar que este monumento estava
efectivamente virado para o estabelecimento. Regressou a casa a pé.
Contou-me esta história com um gozo supremo.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
HISTÓRIAS DO MEU TIO TONE (Barcelos) A COMPRA DO RECO
Era
miúdo e tenho na memória os fins de tarde das quartas-feiras, a ida
dos animais e tractores para a feira. Tanto gado e nenhum é meu,
dizia ele com suprema admiração, nos intervalos em que soletrava as
marcas : Massey Ferguson ( sem dúvida a sua preferida), John Deere (
leia-se John Dére), Fiat, etc. O meu tio era muito conhecido. Tanto
em Barcelos como em todas as tascas dos arredores. O Serafim, quando
chegava de França, tinha sempre aí umas contas para liquidar.
Naquela 5ª, o Tone como habitualmente estava na feira. E não é que
lhe deu uma súbita e enorme vontade de comprar um porco? Dirigiu-se
solenemente a uma velhota e educadamente perguntou pelo preço do
reco que lhe ficou debaixo de olho. Negócio feito sem qualquer
discussão. Está a ver aquela camioneta ali? Pode ir lá levá-lo
que eu estarei à sua espera com o dinheiro. E lá foi a velhota com
o animal às costas. Bom dia, tenho aqui o porco que aquele senhor
mandou entregar. Oh minha senhora, aquele filho da puta é um tolo do
carago.
Mais
uma vez recordo o seu inefável sorriso.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
ANÚNCIOS GRÁTIS 2
Vendo
Menino Jesus.
Disponível Segundas Quartas e Sextas feiras
a partir das 15.30 h.
Responsável, honesto, assíduo e pontual.
Óptimas referências.
Senhora efectua trabalhos domésticos part-time.
Gostaria de experimentar o poder desta entertainer
de limpeza e higiene em sua casa?
Agora já pode.
Motorista para todo o serviço. A full time ou ocasional.
(Sob orçamento).
Discrição, profissionalismo, segurança.
Habilitado a conduzir.
Olá bom dia, me chamo Marlene.
Sou ama e cuido de crianças.
Tenho uma máquina para enchidos
hidráulica com forma cilíndrica.
Com rodas.
Sistema de descompressão manual.
Fácil de limpar.
Em conformidade com as normas CEE.
Não sabe onde deixar o seu pequenino (a)?
Não se preocupe mais. Eu cuido dele (a)
na minha casa ou na sua.
Gosto de crianças e adoro fazer chouriços.
Disponível todos os dias,fins de semanas e feriados!
Papás e mamãs caso estejam interessados,
liguem.
Obrigado
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Papás e mamãs caso estejam interessados,
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Obrigado
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
CABRA CEGA
A
sombra da má sorte atravessou-se no caminho e fez-me perder a hora
alegre. Que coisas poderia ter feito com a minha inocência num jogo
de cabra cega onde comprei a venda. Mas a advinha falhou por culpa da
batota que uma casa de apostas previamente instalou. Não sei
caminhar de joelhos, tenho uma fé diferente que não permite o uso
de almofadas. Não sou Deus! E se ele pudesse não se importaria com
isso. Mas certas coisas acabam por não acontecer.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
OFF-SIDE
Chuto
a bola para fora e um fiscal de linha desatento não assinala o meu
fora de jogo. O toque de um calcanhar subtil poderá resolver um
penalty sempre conveniente. O observador estava com os olhos na coxa
da assistente e assumiu no relatório a não premeditação deste
acontecimento. Pagou a multa, como bom filho da puta e limpou à
bandeirola de canto os resquícios daquela substituição. Mais
tarde, na flash interview, mostrou-se indignado e abandonou a sala
apressadamente, num passo solidário com o seu desagrado.
Sorrateiramente levou consigo a folha onde estava escrito um número
de telefone absolutamente confidencial.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
segunda-feira, 9 de maio de 2016
A visita das nossas primas : Guida ? Anabela
sexta-feira, 6 de maio de 2016
Area (Luglio Agosto Settembre Nero)
LUGLIO, AGOSTO, SETTEMBRE NERO
Mio amato
Con la pace ho depositato i fiori dell’amore
davanti a te...
Con la pace
con la pace ho cancellato i mari di sangue
per te
Lascia la rabbia
Lascia il dolore
Lascia le armi
Lascia le armi e vieni
Vieni e viviamo o mio amato
e la nostra coperta sarà la pace
Voglio che canti o mio caro " occhio mio " [luce dei miei occhi]
E il tuo canto sarà per la pace
fai sentire al mondo,
o cuore mio e di' (a questo mondo)
Lascia la rabbia
Lascia il dolore
Lascia le armi
Lascia le armi e vieni
a vivere con la pace.
Giocare col mondo facendolo a pezzi
bambini che il sole ha ridotto già vecchi
Non è colpa mia se la tua realtà
mi costringe a fare guerra all'omertà.
Forse un dì sapremo quello che vuol dire
affogare nel sangue con l'umanità.
Gente scolorata quasi tutta uguale
la mia rabbia legge sopra i quotidiani.
Legge nella storia tutto il mio dolore
canta la mia gente che non vuol morire.
Quando guardi il mondo senza aver problemi
cerca nelle cose l'essenzialità
Non è colpa mia se la tua realtà
mi costringe a fare guerra all'umanità.
Mio amato
Con la pace ho depositato i fiori dell’amore
davanti a te...
Con la pace
con la pace ho cancellato i mari di sangue
per te
Lascia la rabbia
Lascia il dolore
Lascia le armi
Lascia le armi e vieni
Vieni e viviamo o mio amato
e la nostra coperta sarà la pace
Voglio che canti o mio caro " occhio mio " [luce dei miei occhi]
E il tuo canto sarà per la pace
fai sentire al mondo,
o cuore mio e di' (a questo mondo)
Lascia la rabbia
Lascia il dolore
Lascia le armi
Lascia le armi e vieni
a vivere con la pace.
Giocare col mondo facendolo a pezzi
bambini che il sole ha ridotto già vecchi
Non è colpa mia se la tua realtà
mi costringe a fare guerra all'omertà.
Forse un dì sapremo quello che vuol dire
affogare nel sangue con l'umanità.
Gente scolorata quasi tutta uguale
la mia rabbia legge sopra i quotidiani.
Legge nella storia tutto il mio dolore
canta la mia gente che non vuol morire.
Quando guardi il mondo senza aver problemi
cerca nelle cose l'essenzialità
Non è colpa mia se la tua realtà
mi costringe a fare guerra all'umanità.
ÁGUA DESTI(L)NADA
Ejectaram-lhe
a inteligência.
… agora,
Funciona
como um ferro
a
vapor.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
HIPÓTESE a)
Tenho
dias felizes.
Os
outros
Continuo
a tentar que não sejam
Diferentes.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
FANTASIAS DE NATAL
Não
sei se terei o tempo para ter o momento para te mentir no engano mais
verdadeiro.
Nada
sei de calendários com nomes estranhos que definem dias para
vontades nunca apetecidas. Fico-me por Janeiro não por ser o
primeiro porque sei que Dezembro tem um calor que já não me aquece.
Roubo figuras do presépio poupando-as assim ao desconforto de um
choque eventualmente patético. Agora são cromos pousados num musgo
com características normalizadas. Queimei assim as palhas para
incendiar natais onde só isso faltava. Fingia a alegria imitando o
olhar infeliz da criancinha e adormecia com a repetida frustração de
mais um par de meias de uma qualidade nem por aí além. Na manhã
seguinte toda a gente sorridente mas nada era mesmo o nada e o resto
nunca diferente. Os anjos de chocolate com asas deficientes, animavam
o José e a Maria arrependida. O burrinho constipado, o menino cagado
e alguém agoniado queimava incenso para disfarçar o cheiro da
erva.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
quinta-feira, 5 de maio de 2016
quarta-feira, 4 de maio de 2016
FEIRA
Cavaleiro
especial levando a esta feira
encruzilhadas em 2ª mão.
Não se deve discutir o preço
quando a intenção é pequena.
Sou um vendedor sem templo
carrego sonhos fora de prazo
e ofereço garantias inúteis
dispostas numa bandeja sem fundo.
Alinho laços para enfeitar bouquets
pendurados num wi-fi.
Não quero discutir o tempo da pretensa bondade.
Não há fios para a atar.
Contemplemos sentados numa maneira qualquer
um haiku lido com todas as letras do arco-íris.
Nunca sejamos pacíficos
e não vale aceitar de ânimo leve
qualquer coisa que não nos interesse.
Há punhais disponíveis
e sempre ávidos para sangrar
toda a não sagrada complacência.
Núpcias incendiadas,
valquírias que fugiram da ópera
e parceiros comerciais movidos a banha da cobra,
com manuais mal intencionados.
Há artefactos sem natureza de facto,
alinhavados em candeeiros incólumes
ao nosso altruismo.
Remar remar devagar
para não se chegar a pressa nenhuma.
Não há qualquer largo que nos abrigue.
Estamos na autogestão da estupidez generalizada.
Tudo é normal.
Gememos a pequenez dos nossos atributos.
Santificado seja aquele que vos ignora.
encruzilhadas em 2ª mão.
Não se deve discutir o preço
quando a intenção é pequena.
Sou um vendedor sem templo
carrego sonhos fora de prazo
e ofereço garantias inúteis
dispostas numa bandeja sem fundo.
Alinho laços para enfeitar bouquets
pendurados num wi-fi.
Não quero discutir o tempo da pretensa bondade.
Não há fios para a atar.
Contemplemos sentados numa maneira qualquer
um haiku lido com todas as letras do arco-íris.
Nunca sejamos pacíficos
e não vale aceitar de ânimo leve
qualquer coisa que não nos interesse.
Há punhais disponíveis
e sempre ávidos para sangrar
toda a não sagrada complacência.
Núpcias incendiadas,
valquírias que fugiram da ópera
e parceiros comerciais movidos a banha da cobra,
com manuais mal intencionados.
Há artefactos sem natureza de facto,
alinhavados em candeeiros incólumes
ao nosso altruismo.
Remar remar devagar
para não se chegar a pressa nenhuma.
Não há qualquer largo que nos abrigue.
Estamos na autogestão da estupidez generalizada.
Tudo é normal.
Gememos a pequenez dos nossos atributos.
Santificado seja aquele que vos ignora.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
SAUDADE TEMPERADA
Cinzas
com cinzas.
Ossos sobre ossos
e um caudal de rimas de sangue
Digitalizadas nas asas
de um pássaro ferido
Pousando no céu
o zero mais pequeno da importância.
Tanto mar sempre a chegar.
Sal temperando a saudade
Ossos sobre ossos
e um caudal de rimas de sangue
Digitalizadas nas asas
de um pássaro ferido
Pousando no céu
o zero mais pequeno da importância.
Tanto mar sempre a chegar.
Sal temperando a saudade
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
SORRISOS PERDIDOS
São
sóis que me despem
Numa nudez
Absurdamente desalinhada
Estarei sempre ali
No lugar da possibilidade mentida
e pensava que rasgar fotografias
melhorava a imitação
Eu era jovem e ainda não sabia percorrer
os caminhos da língua.
Provavelmente
Sorrisos perdidos
Mostrar-me-ão outras sombras.
Numa nudez
Absurdamente desalinhada
Estarei sempre ali
No lugar da possibilidade mentida
e pensava que rasgar fotografias
melhorava a imitação
Eu era jovem e ainda não sabia percorrer
os caminhos da língua.
Provavelmente
Sorrisos perdidos
Mostrar-me-ão outras sombras.
,2016,05.aNTÓNIODEmIRANDA
terça-feira, 3 de maio de 2016
A CADEIRA
Se o universo não fosse adverso e tivesse ao menos uma cadeira decente para assistir ao embargo da ambiguidade eu passaria as manhãs tranquilas ousando acariciar palavras e não recusando o seu real significado.Se o inverso fosse mais que contrário e coubesse assim no meu imaginário, eu sentado nessa cadeira abençoaria todas as pontes para que a distância não fosse tão presente. Mas sequelas indignas molham-me com suores inflamados e enganadoramente penso que aquela cadeira continua à minha espera.
,2016,04aNTÓNIODEmIRANDA
OUTRAS DÁDIVAS
Esperem de mim só aquilo que eu posso dar.
Não inventem outras dádivas.
,2016,04aNTÓNIODEmIRANDA
CALDO ENTORNADO
Ainda
tentou pôr água na fervura!
… Mas
o caldo há muito que estava entornado
CREPÚSCULO BAFIENTO
Que céu poderá cobrir tantos aniversários que passaram por mim e só alguns beijaram a minha hipótese de ser. Não me sujeito a correntes com elos indignos para mancharem uma só vez um conceito não normalizado. Chegou agora a minha vez de carimbar a Imbecilidade escrita na pauta onde bailam cores que não escrevi. Perco-me tanto em mim que no perder desta procura acabo por me esvaziar num crepúsculo bafiento. Estou cansado por um futuro tão roto que não cabe no sonho do meu bolso. Não é importante que tudo seja correcto. E eu já tão longe onde o destino afoga o sentir tenho na mão um remo partido prometendo primaveras com os cheiros da minha meninice. Com que olhos poderei tocar ramos enfeitados com rosas de outros montes tão distantes de mim como se fosse eu o único culpado de não as ter beijado.
,2016,04aNTÓNIODEmIRANDA
ENCOSTO
Tantos
anos a pontuar reticências,
pôr as vírgulas nas prateleiras certas,
estruturar a limpeza do pó do tédio,
programar a vida
como se não fosse um mar de colagens
e adormecer tardiamente
com o grafismo de capa de revista.
Ama-me pela manhã
Mata-me só um pouco para este dia
porque eu só quero gostar de ti
até a minha tristeza se enevoar
Mata-me devagar
Ama-me como se fosse fácil
porque eu só quero o encosto
que não me magoe.
,2016,04aNTÓNIODEmIRANDA
pôr as vírgulas nas prateleiras certas,
estruturar a limpeza do pó do tédio,
programar a vida
como se não fosse um mar de colagens
e adormecer tardiamente
com o grafismo de capa de revista.
Ama-me pela manhã
Mata-me só um pouco para este dia
porque eu só quero gostar de ti
até a minha tristeza se enevoar
Mata-me devagar
Ama-me como se fosse fácil
porque eu só quero o encosto
que não me magoe.
,2016,04aNTÓNIODEmIRANDA
MÃE
Sentado na sua campa,
teso como de costume, lembro-me de muitas conversas e do modo como aceitava as minhas mudanças de humor. Eu sei o que vale uma flor. Agora que só posso falar com a sua ausência, passo o tempo numa peneira plena dos seus sorrisos e de alguns planos para o futuro. Sou o que sou e mais que ninguém você o sabe. Alguma coisa a morte levou mas lembro-me perfeitamente quando s...e despediu de mim com um olhar apressado para a viagem. Sentado no frio do mármore, não consigo chorar tudo o que pretendo. Mais que ninguém você conhece o que poderão significar as palavras que me levam até si. Desta vez não vou mentir: a verdade é que não me tenho portado bem talvez porque saiba que já não se pode preocupar. Hoje vou ler-lhe um poema daqueles que por vergonha minha nunca cheguei a mostrar. Sentado na sua campa, teso como de costume.
ainda não consigo lembrar tudo o que pretendo.
Não sei quando me vou libertar, mas já vi o arco-íris na minha janela. Eu sei que todos os prognósticos são reservados e as funções vitais são uma grande treta. Respeito a coragem mas você sabe como odeio a resignação. E o tentar terá de ser sempre uma obrigação. Sentado na sua campa, juro que não tenho vontade de abraçar o mundo. Este silêncio tem o som da conveniência e a minha melancolia não é obrigatoriamente triste. O céu é um lugar onde nada acontece embora toda a gente acredite na sua festa. Sentado na sua campa, só como de costume, revejo imagens que me vestem e você sabe que eu sou um optimista descaradamente teimoso. Mãe você sabia que o cheiro dos meus cigarros era diferente e eu nunca toquei em nada que me fizesse mal á cabeça. Nem mesmo os cogumelos, e quando eu ficava a ouvir todos aqueles blues você desligava o aspirador para escutar a música triste. Mãe eu continuo a ouvir essa música e dou-lhe inteira razão uma perda nunca é alegre. Sentado na sua campa, olho o tempo do tempo, soletro horas com hábitos de felicidade que já só têm o cheiro da despedida. Mãe, continuo maluco daquela maneira que você sabe. Mãe continuo à espera daquele modo que você entende. Agora deixo-lhe os meus poemas.
Esperarei por si no clube dos poetas mortos
Até logo.
aNTÓNIODEmIRANDA
teso como de costume, lembro-me de muitas conversas e do modo como aceitava as minhas mudanças de humor. Eu sei o que vale uma flor. Agora que só posso falar com a sua ausência, passo o tempo numa peneira plena dos seus sorrisos e de alguns planos para o futuro. Sou o que sou e mais que ninguém você o sabe. Alguma coisa a morte levou mas lembro-me perfeitamente quando s...e despediu de mim com um olhar apressado para a viagem. Sentado no frio do mármore, não consigo chorar tudo o que pretendo. Mais que ninguém você conhece o que poderão significar as palavras que me levam até si. Desta vez não vou mentir: a verdade é que não me tenho portado bem talvez porque saiba que já não se pode preocupar. Hoje vou ler-lhe um poema daqueles que por vergonha minha nunca cheguei a mostrar. Sentado na sua campa, teso como de costume.
ainda não consigo lembrar tudo o que pretendo.
Não sei quando me vou libertar, mas já vi o arco-íris na minha janela. Eu sei que todos os prognósticos são reservados e as funções vitais são uma grande treta. Respeito a coragem mas você sabe como odeio a resignação. E o tentar terá de ser sempre uma obrigação. Sentado na sua campa, juro que não tenho vontade de abraçar o mundo. Este silêncio tem o som da conveniência e a minha melancolia não é obrigatoriamente triste. O céu é um lugar onde nada acontece embora toda a gente acredite na sua festa. Sentado na sua campa, só como de costume, revejo imagens que me vestem e você sabe que eu sou um optimista descaradamente teimoso. Mãe você sabia que o cheiro dos meus cigarros era diferente e eu nunca toquei em nada que me fizesse mal á cabeça. Nem mesmo os cogumelos, e quando eu ficava a ouvir todos aqueles blues você desligava o aspirador para escutar a música triste. Mãe eu continuo a ouvir essa música e dou-lhe inteira razão uma perda nunca é alegre. Sentado na sua campa, olho o tempo do tempo, soletro horas com hábitos de felicidade que já só têm o cheiro da despedida. Mãe, continuo maluco daquela maneira que você sabe. Mãe continuo à espera daquele modo que você entende. Agora deixo-lhe os meus poemas.
Esperarei por si no clube dos poetas mortos
Até logo.
aNTÓNIODEmIRANDA
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