Até
então, nada sabia sobre essa história com pensamentos a sair
constantemente da cabeça. Havia medos que corriam entre os dedos,
como se fossem lágrimas vindas de um lugar onde nunca esteve. Então
ficava quieto. Tinha as conversas possíveis, sempre com alguém que
nunca foi. Desconfiado como era, olhava abundantemente para a imagem
escrita do espelho, e lia-lhe o manual de instruções para a
colocação do saco do aspirador, que nunca chegou a comprar. Eram
dias quase perfeitos, embora a perfeição continuasse a ser aquele
orifício cada vez mais tapado pela enorme impaciência que
teimosamente lhe oferecia a mesma quantidade de dúvidas. Tentou
tudo. Mesmo aquela teoria de nada continuar a ser. Deitou-se de
costas para si mesmo, acendeu o cigarro ao pássaro, ligou o ferro de
engomar e queimou a torrada habitual. Só adormecia nas noites em que
não queria acordar. Então dormia abraçado ao mais perigoso dos
verbos: amar. Acordava, quando não queria. Chorava quando ninguém
sabia, e limpava as lágrimas a umas mãos sempre ausentes. Eram
sempre distantes os dias que ficavam por acontecer. Tinha tatuada na
pele, uma figura de BOSCH, que
constantemente lia
um poema:
“Pára-me de repente
o pensamento
Como que de repente
refreado
Na douda correria em
que levado
Ia em busca da paz, do
esquecimento...
Pára surpreso,
escrutador, atento,
Como pára um cavalo
alucinado
Ante um abismo súbito
rasgado...
Pára e fica e
demora-se um momento.
Pára e fica na douda
correria...
Pára à beira do
abismo e se demora
E mergulha na noite
escura e fria
Um olhar de aço que
essa noite explora...
Mas a espora da dor seu
flanco estria
E ele galga e prossegue
sob a espora.”
2015,mai11_aNTÓNIODEmIRANDA